Juliana Machado Juliana Machado 26/10/2013

Sobre Hipocrisia, Beagles e Batons

julianaA palavra hipocrisia é muito interessante, embora muitas pessoas a utilizem sem conhecer o seu real significado. Ela deriva do grego hypokrisía, que significava para estes povos a arte de desempenhar um papel teatral. Ao longo do tempo, esta palavra passou a designar alguém que finge sentimentos, opiniões e atitudes. Hoje, de maneira geral, nós a usamos para adjetivar indivíduos que são falsos em uma ampla variedade de contextos e assim, o hipócrita é aquele que finge.

Levanto a reflexão a respeito desta palavra porque quero aproveitar a coluna de hoje para fechar as reflexões do mês de outubro, que como destaquei na coluna anterior, é marcado como o mês dos animais. Neste exato mês, aconteceu um episódio que está dando o que falar, especialmente nas redes sociais. No dia 18, um grupo de ativistas invadiu a sede do Instituto Royal, uma empresa que se destina a realizar pesquisas, especialmente para o desenvolvimento de novos medicamentos, utilizando animais. Após inúmeras denúncias e tentativas de consenso, os ativistas tomaram uma medida mais drástica, invadindo o instituto e resgatando os animais, 178 beagles e sete coelhos.

O meu objetivo aqui não é dar um parecer a respeito do episódio porque penso que esta divisão - a favor/ contra Royal - já está inundando a na nossa mídia, o que é muito bom, porque leva pessoas que nunca pensaram a respeito, a refletirem sobre. Deixo registrado apenas que de minha parte, sou contra o que acontecia no Instituto e entendo perfeitamente a atitude radical dos ativistas.

Aproveito este espaço para alertar àqueles que acusam os ativistas de hipócritas. Também quero alertar àqueles que fazem a rápida e ingênua associação afirmando que se "o pessoal da ética animal" é contra certos procedimentos na ciência, é também contra a pesquisa, contra a cura do câncer e não deveria tomar remédios quando doentes. Cuidado internautas, os questionamentos e deduções são bem mais complexos que isto. Caem na esfera da ética e este terreno é cheio de ladeiras escorregadias... Não odeio ciência, pelo contrário. É exatamente por isso que me indigno frente a situações como esta. Sem, a princípio, pensar nos animais, saiba que nós pagamos caríssimo para que muitas pesquisas sem real significado aconteçam. Há interesses econômicos envolvidos e não raro, muita corrupção. E sim, não duvide, há métodos alternativos. Talvez ainda não existam para todos os casos, embora estejam presentes em uma enorme variedade de procedimentos, inclusive muitos que envolvem a cura ou o tratamento do câncer. Estes métodos não são mais minoria e muitos países da Europa, já os preferem ao invés de utilizar animais. Estes métodos são mais plausíveis, mais baratos e mais confiáveis não só na indústria cosmética, mas em uma ampla gama de contextos de pesquisa. Conheçam os trabalhos do médico americano Ray Greek, os trabalhos da Universidade Johns Hopkins e as informações sobre métodos alternativos para a indústria de cosméticos trazidas pela Cruelty Free International. Ah, e já ia me esquecendo: não acredite cegamente em meia dúzia de palavras publicadas no Facebook...

julianaQuero deixar vocês internautas, com algumas reflexões: Há alguma diferença real básica entre seres humanos e animais que justifiquem o tratamento tão desigual dado a estes últimos? Temos o direito de fazer um animal sofrer em nosso benefício? Por quê? Temos o direito de desconsiderar os interesses fundamentais de um animal por razões muitas vezes fúteis, como a produção de um novo batom? Temos competência cognitiva, científica e técnica para desenvolver novas formas de experimentação que não envolvam sofrimento? Por que não investimos nisso ao invés de perpetuar uma prática tão cruel e pouco confiável? Muitas destas perguntas têm respostas que não nos permitem soluções imediatas, mas é importante que convivamos com o fato de que estamos fazendo algo muito errado e que precisamos urgentemente nos mover em direção a fazer o certo...

Fato é que não estamos considerando os interesses mínimos que todos os animais têm de não sofrer, sendo eles Beagles, camundongos, coelhos ou primatas. Também não estamos considerando os nossos próprios interesses em ter o dinheiro que ganhamos com muito trabalho aplicado de modo adequado e ético naquilo que nos traga os melhores resultados para a saúde. A verdade é que nós não estamos sendo inteligentes. Estamos convenientemente cegos, fingindo não ver as reais injustiças que gritam nos nossos ouvidos e saltam aos nossos olhos. Interpretamos de modo absurdo todas as injustiças que nos são convenientes como um mal necessário. Por conveniência fechamos os olhos e tapamos os ouvidos. Por conveniência, ficamos ignorantes, perdemos a emoção e talvez pior, perdemos a razão. Afinal, quem são mesmo os hipócritas?


Juliana Machado é Bióloga, mestre em Ciências Biológicas - Comportamento e Biologia Animal - UFJF/MG. Doutoranda em Bioética, ética aplicada e saúde coletiva - UFRJ/UFF/UERJ e Fiocruz.

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