Juliana Machado Juliana Machado 28/04/2014

O "admirável" mundo dos transgênicos

mosquitoNo mês de Abril, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou a liberação comercial do mosquito da dengue transgênico. A ideia é produzir mosquitos Aedes aegypiti machos geneticamente modificados com os quais fêmeas normais cruzariam gerando filhotes que morrem antes de atingir a idade adulta. Teoricamente isto afetaria a população total do mosquito e, consequentemente, da doença. Os experimentos são conduzidos em uma parceria entre a Universidade de São Paulo, a ONG Moscamed e a empresa britânica Oxitec.

Apesar de aparentemente esta proposta soar como bastante interessante, trata-se de um trabalho pioneiro no Brasil e de acordo com alguns pesquisadores, tal experiência deveria ser tratada com mais cautela e a liberação dos referidos mosquitos deveria ter sido retardada. Eu também acho. Pesquisando sobre os possíveis problemas que a liberação destes organismos transgênicos poderia acarretar, encontrei profissionais que como eu estão de fato preocupados e com boas razões para isso.

Primeiramente, os próprios responsáveis pelo estudo desconhecem o real impacto a longo prazo desta intervenção. Outro fato eticamente preocupante é que a avaliação de riscos deste estudo não foi disponibilizada para o público onde estes experimentos estão sendo conduzidos. É mesmo correto fazer parte de um experimento sem ser comunicado sobre isso? Penso que neste sentido a Bioética se desespera.

Uma terceira preocupação legítima é o fato de que o gene letal do mosquito transgênico pode ser revertido pela ação do antibiótico tetraciclina. O mosquito voltaria a se tornar um individuo geneticamente comum com taxa reprodutiva normal. A questão é que tal antibiótico é mais utilizado do que podemos imaginar: A tetraciclina é comum nas indústrias da pecuária, medicina humana e veterinária. É possível encontrá-la também em rações animais e sistemas de esgoto. Assim, a disponibilidade do referido antibiótico que reverte a ação do gene letal não é rara e é possível, portanto, que tal reversão não seja difícil de acontecer.

Uma outra preocupação refere-se à diminuição do mosquito Aedes aegypiti no ambiente, resultando no aumento da população do Aedes albopictus. Este mosquito é um possível vetor da dengue, além se ser vetor também para várias doenças tropicais como febre amarela.

Outras prováveis falhas do projeto incluem a possível liberação de fêmeas transgênicas (e não machos) no ambiente. São as fêmeas que picam as pessoas, são as fêmeas que vetoram o vírus da dengue... Será que há riscos? Você não sabe, nem eu, nem eles... E o problema está exatamente aí.

Tendo em vista todas essas preocupações, é razoável pensar que as políticas ambientais e de saúde deveriam visar a prevenção dos possíveis danos e não favorecer a ocorrência dos mesmos. Talvez seja uma atitude irresponsável avançar por não haver provas de que as consequências da introdução desta tecnologia sejam realmente nocivas.

É possível que os transgênicos apontem como uma solução para variadas questões, mas a cautela é, na minha opinião, a melhor pedida. Sou bem desconfiada quanto a possíveis reações que um único organismo transgênico pode acarretar para todo o equilíbrio dos ecossistemas. Não acho que precisamos disto agora, pelo menos não desta maneira indiscriminada. Precisamos de muitas pesquisas, muito menos interesses individuais envolvidos e um pouco mais de criatividade e boa vontade para adotar outras medidas no combate a esta doença. Provavelmente medidas mais trabalhosas e menos lucrativas, mas muito mais seguras considerando a nossa vida e a saúde do meio ambiente. Se é que isso atualmente importa para alguém...


Juliana Machado é Bióloga, mestre em Ciências Biológicas - Comportamento e Biologia Animal - UFJF/MG. Doutoranda em Bioética, ética aplicada e saúde coletiva - UFRJ/UFF/UERJ e Fiocruz.

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