O primeiro cuidado da infância - o nascimento

Por: Carolina Duarte – Psicóloga e Doula 9/05/2015

aliançaUma mulher, quando decide conceber um novo ser em seu ventre, se entrega a uma jornada rumo ao desconhecido em aspecto duplo e simultâneo. Por um lado é levada ao vale das sombras, ao encontro com suas próprias vivências infantis, muitas vezes traumáticas e mal resolvidas, se depara com medos primordiais, sentimentos relacionados ao desamparo e também receio do futuro. Normalmente aparecem muitos questionamentos como, por exemplo, com relação a sua capacidade de ser boa mãe, angústias relacionadas à separação que o parto instaura, ao medo da finitude... O que acontece é mesmo uma espécie de morte. Uma parte desta mulher terá que morrer para que outra possa nascer em plenitude, pois a maternidade é um diálogo entre morte e renascimento. A partir de então tudo será novo, suas relações sociais, a relação com o marido, seu corpo, até mesmo sua percepção de mundo se transforma. O que era fundamental antes, parece agora insignificante. O início de um permanente redescobrir a si mesma.

Em contrapartida, e muitas vezes de forma sincrônica, algumas mulheres conseguem transcender os sentimentos obscuros e alcançar um território de profunda confiança interna, onde circula uma afinidade essencial comum a todas. Ser mulher, conceber, gestar um novo ser, se preparar para recebê-lo. Estes momentos podem ser vividos como uma revelação, como experiências místicas ou de encontro com uma missão de vida, mas para isso é preciso que a mulher se sinta segura. Que encontre ajuda e o apoio. As famílias precisam construir uma parceria com profissionais capazes de reconhecer o potencial de beleza e força deste momento que se desenrola de forma tão peculiar em cada história, em cada mulher. Esta não é uma experiência apenas física e mecânica. Sobre ela perpassam forças sociais, relacionadas à paradigmas culturais entranhados em uma percepção de mundo, mas a fisiologia se revela semelhante a todos os mamíferos. É uma experiência que pertence também a uma atmosfera emocional espiritual que pode ser vivida de modo profundo em suas consciências. Por ser um evento humano, animal e espiritual por excelência, considera-se fundamental que os profissionais cuidadores dessas mulheres alcancem uma outra ordem de compreensão capaz de reger o momento de acordo com a grandeza que ele carrega.

Historicamente a gestação e o parto eram vividos como eventos naturais e eram regidos pela atmosfera do feminino. Quem cuidava deles eram mulheres, parteiras e rezadeiras. Parir e nascer era um evento familiar e acontecia nos domicílios. A medicina ainda não tinha adentrado estes domínios. Com a missão de diminuir a mortalidade materna e neonatal, aos poucos, o parto foi sendo transferido para os hospitais e este passou a ser considerado o lugar mais seguro para acolher o recém-nascido. Novos recursos foram sendo criados com a proposta de ajudar esta mulher e este bebê. O parto passou a ser um evento médico e com o passar do tempo as forças naturais e espirituais que ali também se revelam parecem ter sido esquecidas, ou pelo menos desvalorizadas.

Hoje em dia, no Brasil, mas também em muitos lugares do mundo, pouquíssimas mulheres têm tido a oportunidade de entrar em trabalho de parto e de experimentar as forças de seu próprio corpo. A mortalidade diminuiu, mas junto com ela caiu por terra a grandiosa oportunidade de autossuperação que a natureza engenhosamente pode proporcionar às mulheres. É como o balançar de um pêndulo, antes totalmente natural, agora totalmente mecânico. O que o novo olhar do movimento de humanização do parto propõe é que o equilíbrio seja buscado. No centro do caminho pendular está o respeito às forças femininas atrelado ao uso da maravilhosa tecnologia moderna. Feminino e masculino de braços dados por um mesmo objetivo: resgatar o maravilhamento diante do nascimento do novo; resgatar a reverência com relação às forças da natureza e cuidar deste momento atrelando tradição e modernidade sob a hedge da devoção seja onde e como este bebê vier ao mundo.

Infelizmente muitas mulheres relatam ter vivido este momento como uma profunda violência. Introjetaram a ideia de que o corpo feminino é defeituoso e potencialmente ameaçador para seus filhos. São feridas por uma ação profissional que desqualifica a vivência individual, a sabedoria intuitiva e o vínculo entre mãe e bebê a ponto de intervir de forma arbitrária, usando manobras de rotina, transformando um evento único em um ato massificado e corriqueiro. Surgem relatos que mostram ser muito comum que uma mãe passe anos de sua vida tentando curar este ferimento, que na verdade foi causado por nós (cuidadores) quando, desnecessariamente, interferimos em algo que, de tão simples, não parecia importante. Os profissionais de saúde precisam, então, ter os sentidos despertos. Ter a sensibilidade de receber cada bebê como o milagre que ele é. Cada mãe como uma mulher que carrega uma história, desejos e frustrações. Precisam perceber a singularidade e agir de acordo com ela.

O vínculo entre a mãe e o bebê precisa ser considerado o elo mais forte que contribui para a saúde integral de ambos. Todo profissional de saúde que cuide deste binômio precisa carregar a missão de fazer escolhas técnicas que levem em conta o cuidado primordial com esta ligação. É preciso que haja um questionamento interno sobre suas condutas. Não basta que o bebê sobreviva ao nascimento. O bebê saudável precisa ser entregue nos braços de uma mãe vibrante, feliz com sua realização e confiante em sua capacidade de cuidar de seu filho. Se ela estiver neste lugar, tudo flui com mais harmonia, tranquilidade e amor.

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