Abandono e violência física contra a criança são denúncias mais comuns em JF

JF não possuí dados sistematizado sobre violência e denúncias registradas estão subnotificadas, afirma Valéria Martins do CMDCA

Angeliza Lopes
Repórter
15/05/2015
violencia

O crime bárbaro que resultou na morte de Luana Rocha da Silva, de 2 anos, traz à tona a discussão sobre a importância da denúncia em caso de crimes de Violência Contra a Criança e o Adolescente em Juiz de Fora. O caso registrado no dia 6 de maio causou comoção geral, principalmente, pela brutalidade do fato. Laura veio a óbito, após sofrer várias lesões ocasionadas por pontapés pelo padrasto, enquanto estava com sua mãe na sala da casa do casal, no bairro Granjas Bethânia. Os resultados do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que cerca de 17,35% da população juizforana tem idade entre zero e 14 anos e 8,15% está na faixa de 15 à 19 anos. A cidade não possuí dados sistematizados dos números de casos de violência contra a criança e o adolescente registrados no município, mas segundo, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), as formas de violação mais comuns são de negligência familiar (abandono), violência física, violência psicológica e sexual (exploração e abuso).

Para garantir a proteção desta parcela da população, existe no município quatro órgãos que recebem denúncias de todos os tipos de violência, que são a Vara da Infância e Juventude, Creas, Promotoria da Criança e do Adolescente e as regionais do Conselho Tutelar. Além dos órgãos, a melhor forma de denunciar com sigilo é pelo Disque 100, que funciona diariamente, de 8h às 22h, e direciona os casos ao Conselho Tutelar do município.

De acordo com o comissário da Vara da Infância e Juventude de Juiz de Fora, Maurício Gonçalves Alvin, o órgão é um dos responsáveis por receber e acompanhar situações de agressão e violência no município, sendo que as determinações de afastamentos da família e encaminhamento em casos mais graves são por decisão da juíza. O caso da menina Luana, especificamente, foi considerada por Alvin como uma situação atípica, visto que, não existia nenhuma denúncia de agressões anteriores registrada em qualquer departamento. "Quando um dos órgãos registra o crime, o Conselho Tutelar faz a visita e é constatado se há possibilidade da vítima continuar, ou não, com a família. Também temos violências que não são flagrantes. Para confirmar a violência, exige acompanhamento e apuração da Vara, em parceria com a rede de proteção", explica Alvin.

Caso Luana

Conforme informações da delegacia Especializada em Homicídios da Polícia Civil,

já estava sem vida quando foi encaminhada pelos familiares para o Pronto Atendimento Infantil (PAI), na Avenida dos Andradas, onde a médica que atendeu a família constatou o óbito e ao suspeitar do crime, acionou a polícia, mas só no Instituto Médico Legal (IML) que o laudo oficial confirmou que a morte tinha sido causada pelas agressões que a criança sofreu. "Durante toda a oitiva eles agiram com naturalidade, sem demonstrar arrependimento ou nervosismo. Uma equipe fez varredura na residência deles e nenhum vestígio de entorpecente ou bebida alcoólica foi encontrada. Eles mesmos tinham falado que não fazem o uso de nenhuma substância", conta o delegado titular Rodrigo Rolli.

Desde bebê, a menina era criada pelos tios maternos, que, semanas antes, tiveram que entregar a criança à mãe, por não terem sua guarda legal. A mãe de Luana também teve outra menina, que está com dois meses. Neste caso, a Vara da Infância e Juventude recebeu a denúncia e fez os encaminhamentos necessários. "Quando ela nasceu, o hospital fez contato com o órgão, pois a mãe não tinha condições de cuidar do bebê. Antes da tragédia acontecer, a recém-nascida foi encaminhada para a tia paterna (o pai era o padrasto de Luana), que estão com sua guarda provisória", completa Maurício Alvin.

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Acolhimento em JF

Em casos como este, em que não é possível a permanência da criança com a família, o comissário completa que o primeiro passo é procurar o responsável mais próximo (tio, avó, irmão), chamada família extensa. Se não houver, a vítima é encaminhada para uma família acolhedora ou abrigo credenciado. Em Juiz de Fora, existem, atualmente, três abrigos oficiais e uma organização não governamental (ONG), que são Lar de Luana, Instância Juvenil, Vivendas do Futuro e Aldeia SOS, além do programa gerido pela Associação Municipal de Apoio Comunitário (AMAC), que é o Acolhimento em Família Acolhedora. Segundo dados contabilizados no último dia 13 de maio, da Vara da Infância e do Adolescente, 96 crianças e adolescentes estão acolhidos nos abrigos, enquanto um adolescente está em uma família acolhedora.

A comissária da Vara da Infância e Juventude, Verônica Cristina Condé, afirma que todos os encaminhamentos são avaliados individualmente, e que de seis em seis meses todos os processos passam por nova análise. "Também atendemos conforme solicitação da família. Mas, além disso, obrigatoriamente, temos que reavaliar necessidades de permanência ou não de cada criança nos abrigos", ressalta.

Falta dados de violência

Juiz de Fora não possuí um sistema de informação sistematizado com relação aos casos de violência contra a criança e o adolescente, conforme afirma a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Juiz de Fora (CMDCA/JF), Valéria Martins Pereira. Ela destaca que números não estão reunidos em um banco de dados para que seja feita uma análise geral e mesmo os que já existem estão subnotificados, pois a sociedade não reconhecer todos os tipos de violência ou não registram as denúncias por outros motivos, fazendo um pacto de silêncio. "Com os dados teríamos maior facilidade em identificar a incidências, motivos e reincidências para auxiliar na elaboração propostas de ações e atuação da rede como um todo", comenta.

Entre os dias 25 e 27 de maio, acontece a VII Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente que tem como tema o plano decenal e políticas de direitos humanos para criança e adolescentes. As temáticas provocam a sociedade organizada e a rede de proteção para uma discussão sobre questões relacionadas a este assunto. "São expostas as dificuldades que a rede tem de assegurar o que é direito, onde estão as lacunas na rede e o que temos que elaborar de ações e policias públicas para a prevenção e o enfrentamento da violência. Todas as propostas tem legitimidade para integrar o plano plurianual (2017), e todas as peças orçamentarias do executivo para o próximo ano. A conferência é a maior a instância social para garantir propostas", afirma. Além disso, ela pontua que o maior desafio é o diálogo entre os órgãos de proteção em rede. Para auxiliar neste diálogo, será feito um Comitê Intersetorial, por exigência do Conselho Nacional de Justiça e um dos eixos de discussão será a exploração sexual e violência.

Comportamentos suspeitos: o que observar?

As violências mais comuns em Juiz de Fora são as de negligência (abandono e violência física), violência psicológica e sexual (exploração e abuso), segundo a psicóloga o Creas Centro 2, Mirian Marques de Carvalho. Ela avalia ainda que a maior parte das assistências são para situações dentro de famílias em vulnerabilidade social. "Também recebemos encaminhamentos de famílias de classe média e alta, mas, normalmente, preferem buscar atendimentos particulares".

A psicóloga afirma que os pais devem estar sempre atentos as atitudes dos filhos, principalmente, quando mudam seus comportamentos de rotina. Outra atitude suspeita é quando a criança para a ter medo excessivo de um conhecido, evita encontrá-lo ou chora quando sabe que será levado aonde a pessoa está. Fazer xixi na cama associada a uma das atitudes citadas também pode ser um indício, e perda no rendimento escolar. "Nestas situações o primeiro passo é afastar a criança do suporto agressor e procurar os órgãos de proteção. A melhor forma de não expor a vítima é solicitar ajuda a rede, pois os profissionais são treinados e já agem da melhor forma para garantir o sigilo dentro da escola e comunidade. O Creas além de fortalecer a família para o enfrentamento do problema, faz o acompanhamento, nos casos confirmados, para garantir a proteção e fim da violência", conclui Mirian.


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