Paulo César Paulo César 24/12/2012

Fé e existencialismo no deslumbrante espetáculo em 3D As aventuras de Pi

Quando começou a circular no meio cinematográfico que o próximo trabalho do premiado e cultuado diretor Ang Lee era uma aventura em 3D, as opiniões se dividiram, pois alguns acreditavam em um fracasso, já que se trata de uma história difícil de se adaptar, e os que vislumbravam o sucesso levavam em conta a experiência do diretor oriental em desfilar pelos mais variados gêneros e conseguir triunfar na maioria. O resultado foi um drama fabuloso, com visual deslumbrante e questionamentos existenciais, muito maiores  do que a luta de um jovem para sobreviver por meses em alto mar.

Pi (Suraj Sharma) sempre procurou pelo divino, o transcendental, a força que rege tudo e todos, desde quando era bem pequeno. Conheceu diversas religiões e divindades diferentes, e soube extrair tudo de bom de cada uma delas. Mas ainda lhe faltava a prova de que tudo isso não era apenas crendice barata. Quando seu pai decide fechar o zoológico do qual é dono na Índia e partir para a América para vender seus animais e começar uma nova vida, um naufrágio encerra seus sonhos e coloca o jovem Pi à deriva no vasto oceano, apenas na companhia de uma zebra, uma hiena, um orangotango fêmea e um voraz tigre de Bengala, que se revelar depois. Esse, aliás, é Richard Parker, o único dos animais que sobrevive e duela com o rapaz pelo domínio do pequeno bote, Entretanto, quanto mais provações o garoto passa, mas ele vai ententendo que nada daquilo é por acaso e que o perigoso felino não é está ali para decretar seu fim, e sim o início.

O best-seller A vida de Pi de Yann Martel, que venceu o Man Booker em 2002, é considerado pelos especialistas um livro quase impossível de se adaptar, mas o roteirista David Magee conseguiu transferir o pensamento central, que é uma discussão intimista, meio surreal, para algo que levasse o público não apenas ficar apenas acompanhado a saga do garoto, mas sim participar com ele das implicações que são levantadas pelo Pi adulto (Irrfan Khan) e o jornalista (Rafe Spall) que pretende escrever sua história. A dualidade que cresce a cada dia e que ele passa à deriva e sua interação com Richard Parker delineam a linha narrativa, que dialoga com os elementos do ambiente e deixam o espectador diante de uma dúvida sobre se tudo é verdade ou apenas invenção.

Ang Lee entrou de cabeça na produção e usou seu olhar clínico em criar situações em que o público necessita muito mais do que a visão para ter um entendimento melhor de todo o universo do longa. A opção pelo 3D foi feliz, já que a transcendentalidade da viagem do garoto, que só tinha como cenário o céu e o mar, lhe dava a grata opção de explorar o magnífico, o surreal, pois se trata de memórias, um ponto de vista singular que permite que a imaginação aflore. Além disso, o companheiro de viagem do protagonista, o tigre Richard Parker, foi feito inteiramente em CG (Computer Generated), pois precisava estar em um ambiente limitado que, obviamente, não daria para utilizar um de verdade, mesmo adestrado. E ele foi essencial para que o elo cognitivo história/ambiente/pensamento fizesse sentido.

No fim, percebemos que a discussão não era a respeito de religião, mas sobre a fé. Fazendo com que resgatemos do fundo de nossa alma o fogo que nos guia, que nos faz tomar decisões importantes. O diretor soube explorar o que o cinema hi-tech tem de melhor a oferecer e, a exemplo de Martin Scorcesse com A Invenção de Hugo Cabret, mostrou que há espaço para arte no mundo digital que está em evidência. Talvez seja esse o futuro do cinema, ser artístico sem abandonar os artifícios que levam o público a comprar a ideia. Ter a possibilidade de entrar em uma sala de exibição para ver um espetáculo em três dimensões e também sair intrigado sobre em que se deve acreditar ou não. Se mais diretores resolverem optar por essa visão de tecnologia, será muito bem-vindo.


Paulo César da Silva é estudante de Jornalismo e autodidata em Cinema.
Escreveu e dirigiu um curta-metragem em 2010, Nicotina 2mg.

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