Lars Von Trier e seu incrível "Ninfomaníaca"
Como encarar a verdade de Ninfomaníaca?
Como encarar toda a verdade revelada nua e cruamente em cada cena de Ninfomaníaca?
A verdade, termo tão defendido por todos os que se permitem dizer serem bons, ou querer serem bons, significado que pode dizer se alguém respeita ou não seus reais valores e reais medos e reais defeitos, não necessariamente é bem recebido caso incomode. Verdade que incomoda não é bom. Boa é a verdade que não incomoda.
Mas é claro que Lars Von Trier não está a fim de ser bonzinho. E é claro também que ele é um gênio! Então, podemos pensar o seguinte: de um gênio que gosta de dizer verdades, o que sai? Sai um trabalho esplendorosamente fabuloso chamado Ninfomaníaca! Uma obra que, permito-me novamente usar a expressão, é genial, fantástica, de uma inteligência além do ordinário (e olha que não me sinto à vontade de dizer que Lars Von Trier é inteligente, porque o cara é tão bom que dizer que ele é inteligente parece que eu me acho apto a julgá-lo – quem sou eu...).
Em Ninfomaníaca - Volume I, Lars mostra que parece gostar muito de trabalhar com a francesa Charlotte Gainsbourg e com o ator sueco Stellan Skarsgard (que também foi o cruel Martin Vanger da versão sueca de "Millenium – os homens que não amavam as mulheres"), pois ambos estiveram com ele em Melancolia, filme estrelado por Kirsten Dunst, em 2011. Volume I é a primeira parte de Ninfomaníaca, filme que, dividido em dois volumes, conta a história de Joe (Charlotte), uma mulher encontrada na rua, desmaiada e com vários ferimentos, por Seligman (Stellan), o qual a leva para sua casa, no intuito de ajudá-la. Lá, Joe começa a contá-lo sobre sua história de vida. A todo momento, Joe se diz uma pessoa horrível, detestável, indigna de qualquer sentimento de piedade ou compaixão. Suas histórias englobam sua família, em especial a relação com o pai; fala sobre seu primeiro e maior amor, Jerôme (Shia LaBeouf); e, principalmente (muito principalmente), sobre sua vida sexual. No entanto, a cada fato aparentemente grotesco e tórrido, Seligman vai isentando-a de culpa, trazendo explicações que vão retirando a carga de "maldade" ou "perversão" dos acontecimentos, o que, de certa forma, vai incomodando Joe, na medida em que ela tem muita certeza do quão ruim ela é. Seligman é a sensatez, que parece tão difícil de ser atingida por tantos e tantos que tanto se esforçam para não aceitar suas próprias verdades. Muitas vezes, essas verdades nem são tão difíceis assim de serem reconhecidas, mas prefere-se ignorá-las, ou pensar-se mau, pensar-se errado, não vivendo-as.
Na medida em que as histórias se desenrolam, é possível notar muito daquilo que se reconhece por "chocante". A começar pelas duas meninas, Joe e a amiga B., ainda crianças – vividas por duas atrizes CRIANÇAS - esfregando-se no piso do banheiro molhado, num claro intuito de mostrar que a intenção das meninas é a excitação da vagina friccionando-as no chão. Ou então nas cenas em que o sexo é mostrado com o pênis recebendo sexo oral da personagem, num momento em que, provavelmente, foi usado algum tipo de prótese, mas que é extremamente real. Ou, simplesmente, a coragem/libertinagem da personagem no que tange a sua vida sexual e à decisão tomada, desde bem nova, juntamente com a amiga B., de ser sexualmente "livre", com vida sexual muito, muito ativa. Não obstante, todo esse choque causado por essas e tantas outras cenas, já é uma boa demonstração da visão de Trier, que arremessa com a força de um jogador de beisebol, todas as censuras sociais no público, mostrando questionamentos do tipo: é assim gente! É assim gente! E daí? Algum problema com isso? Por que há algum problema nisso tudo? Reflitam antes de julgar! Mas reflitam esforçando-se por atingir mais pontos de vistas que não somente os seus ou os de quem você gosta.
Se existem obras de arte nas áreas da escultura, da pintura, da música, não há dúvida de que Ninfomaníaca - Volume I é uma obra de arte - ou a metade dela – cinematográfica. Não é à toa que o cinema é chamado de a sétima arte! Cada palavra do roteiro parece ter sido milimetricamente pensada. Cada colocação de Joe diante de Seligman parece ter um propósito, uma razão de ser muito superior à que parece ter naquele momento. O uso do preto e branco quando do padecimento do pai é um espetáculo. O uso da música de Bach mostrada em três momentos, ao mesmo tempo em que ela fala sobre o homem que era só amor, o homem que era só sexo, e o homem que representava ambas as coisas, caramba, é incrível! Seu desespero ao não sentir nada, quando do reencontro com Jerôme, foi de revirar os olhos.
Ninfomaníaca ainda trás Uma Thurman num dos melhores momentos do filme. Ela aparece uma única vez, dá um show e sai encerrando uma cena magistral.
A quem se aventurar a assistir Ninfomaníaca, não vá somente pela "graça" de ver cenas de nudez e sexo "explícito". Permita-se apreciar! Permita-se imaginar cada noite que Lars Von Trier passou pensando em cada detalhe. Viaje nos possíveis significados de cada diálogo e suas ligações com cada momento da história. Permita-se sentir o que é tratar o cinema como arte, como forma de expressão de opinião ou sentimento. O cinema, forma de diversão é, para Lars, uma arte. Uma linda e magnífica arte!
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Victor Bitarello é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Ator amador há 15 anos e estudioso de cinema e teatro. Servidor público do Estado de Minas Gerais, também já tendo atuado como professor de inglês por um período de 8 meses na Associação Cultural Brasil Estados Unidos - ACBEU, em Juiz de Fora. Pós graduando em Direito Processual Civil.
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