Nome do Colunista Victor Bitarello
20/03/2014

Legitimidade, castigo e consciência em "12 anos de escravidão"

Lupita N'yongo e Jennifer Lawrence tiveram uma função fundamental em seus filmes – "12 anos de escravidão" e "Trapaça", respectivamente - e que foi a responsável por premiá-las, uma com o Oscar e a outra com o Globo de Ouro (ambas de atriz coadjuvante): foram a graça do filme! No caso de Lupita, eu diria que ela É o filme e o que faz "12 anos de escravidão" ter algum valor e serventia.

O vencedor do último Oscar conta a história de Solomon Northup, um homem, negro, livre, que em meados do século XIX vivia no norte dos EUA com a família. Dois supostos artistas convidam Solomon para participar de um espetáculo circense como violinista. No entanto, o que efetivamente acontece é que ele é sequestrado e traficado como escravo para o sul do país. E assim ele vive por cerca de 12 anos (ou, ao menos, é o que o título do filme nos ensina), sofrendo e vivenciando todos os martírios que a escravidão representava.

O horror de toda essa situação que perdurou na América até o século XIX é conhecido por todos, e todos sabemos o quanto dói a certeza de que nós, homens, somos capazes de fazer algo assim com outros homens. No entanto, por mais chocante que seja, um filme que trate dessa temática, se não trás nada além de mostrá-la, é chato. É chato porque muito já se mostrou sobre esse crime histórico. Muito. E aí "12 anos de escravidão" chega e não acrescenta nada. Nada! Seu roteiro é pobre, picado, picotado, sem bons elementos de ligação, fazendo até mesmo que algumas situações fiquem sem explicação. Por mais sofrida que seja a história de vida de Solomon, para o cinema, eu, humildemente, em especial para um filme que se tornou tão cultuado nos últimos tempos, penso que deveria ter trazido muito mais do que trouxe. No intuito de tornar a história dramaticamente cinematográfica, o filme ficou vazio de conteúdo.

A questão é que o longa parece não somente nos fazer lembrar da escravidão, mas é como se "achar o filme ruim" fosse errado. É como se "achar o filme ruim" fizesse com que houvesse uma condescendência com tudo o que se mostra ali. Dizer que é bom parece aliviar o enorme peso na consciência de saber que, caso estivéssemos naquela época, quem pode afirmar com certeza que seria contra? Quem pode afirmar que não seria a favor ou que não seria omisso?

E esse é um ponto que quero tocar, até mesmo para tentar valorizar a história contada. A escravidão não era algo ilegal na época. E, também, não era ilegal as punições aos escravos. Um dono de escravos não era punido por torturar homens, mulheres e crianças, na medida em que essas pessoas eram tidas como sua propriedade. Sendo assim, mesmo que houvesse quem fosse contra, o fato é que havia certa legitimidade naquela situação toda. E, já que era algo tão "comum", tão "normal", já que crianças cresciam vendo aquilo tudo, será que realmente podem ser chamadas de "cruéis"? De "más"? Porque é muito fácil pra nós, atualmente, assistir um filme desse e pensar: nossa, como o mundo era horrível! Como algo assim pode ter acontecido? Mas, se era legal e legítimo, o que será que, atualmente, é legal e legítimo e nós nos omitimos? O que será que, atualmente, é legal, legítimo e nós não somente nos omitimos, como concordamos, muitas vezes apoiamos e, por vezes, ficamos contra quem é contra? Apesar de eu achar que muito provavelmente menos de 1% do público sairá da sala do cinema com esse pensamento, se ao menos um pouquinho de gente refletir, já acho válido.

Caso o público esteja afim de assistir a uma cena de Lupita N'yongo que nunca conseguirão tirar da cabeça, vá assistir a "12 anos de escravidão". A cena é o ápice do filme, é o que fez o filme vencer o Oscar e é o momento que leva todos a uma espécie de "catarse cinematográfica". É realmente muito chocante.

Agora, se isso não interessa, não precisa ir. Não há grande coisa a ser vista. "12 anos de escravidão" é o pior filme vencedor do Oscar desde "Onde os fracos não têm vez". Infelizmente.


Victor Bitarello é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Ator amador há 15 anos e estudioso de cinema e teatro. Servidor público do Estado de Minas Gerais, também já tendo atuado como professor de inglês por um período de 8 meses na Associação Cultural Brasil Estados Unidos - ACBEU, em Juiz de Fora. Pós graduando em Direito Processual Civil.

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