28/01/2014
Daniela Aragão entrevista o escritor Edmar Pedreira Ferreira
Daniela Aragão: Como se deu o seu primeiro contato com a palavra?
Edmar Pedreira: Sempre tive facilidade para escrever, me lembro que quando eu tinha por volta dos dez, onze anos, uma redação minha feita na escola foi lida em classe. Depois ao quatorze, quinze comecei a dar minhas primeiras colaborações no jornal. Participei do Suplemento Literário do Diário Mercantil em Juiz de Fora escrevendo poemas. Escrevi em 1956 um ensaio em defesa de Françoise Sagan, na época áurea do existencialismo. Comecei depois juntamente com meu irmão Luiz Affonso Pedreira a escrever na Gazeta Comercial, ele tinha uma coluna de cinema e eu eventualmente também contribuía, mas parti para uma crônica que chamava "Ontem, hoje e amanhã", da qual cheguei a reunir uns quinze números. Enfim, sempre fui um homem voltado para a literatura, sempre li muito. Até que fui para o Rio de Janeiro em fins dos anos sessenta para trabalhar no banco Crédito Real, nesse mesmo período vi por acaso um anúncio da Air France, que solicitava alguém que soubesse francês para trabalhar. E eu na ocasião era francófono, adorava francês como toda criança cheia de ilusões, acreditava que a França era a terra dos justos. Larguei então meu emprego no Crédito Real e fui trabalhar na Air France no serviço de recepção.
Daniela Aragão: Você é fluente em francês?
Edmar Pedreira: Sou professor de francês, me formei pela Universidade de Nancy, na França.
Daniela Aragão: Você trabalhou como Comissário de Bordo?
Edmar Pedreira: Exatamente, durante todo esse tempo me afastei da literatura para ganhar a vida, garantir minha sobrevivência. Entrei para a viação e a Panair foi falida pela ditadura, o que me gerou muitas dificuldades. Trabalhar na Panair foi bom, pois me possibilitou de certa maneira conhecer o mundo. Consegui depois ir para a Varig em função da minha fluência no inglês, após um longo tempo de desemprego.
Daniela Aragão: Quantas línguas você fala?
Edmar Pedreira: Correntemente falo umas cinco ou seis e transito ao todo por umas dez. Falo, escrevo e leio correntemente francês, inglês, espanhol e italiano. As demais vou progredindo com o tempo como o Alemão, nesta língua contabilizo a leitura de uns vinte livros. Latim e grego passeio de vez em quando. Então retomando a questão da Varig, trabalhei por lá durante três anos, mas como ela era beneficiária da ditadura e não respeitava os horários de vôo fui ficando esgotadíssimo, até que as difíceis condições me impulsionaram a provocar a minha demissão e peguei uma indenização. Com esse dinheiro tive um tempo para poder me dedicar à escrita, o Pedro Camargo fez um curta a partir de uma história escrita por mim intitulada "Só vale quem tem". Esses diretores de cinema sãos geniais, mas raros são os que produzem o próprio argumento. Ele fez esse curta, gostou e resolveu depois partir para um longa e me propôs um argumento, como eu tinha vagamente umas ideias para um romance, desenvolvi aquilo numa idéia que era praticamente um roteiro. Foi "O estranho triângulo", que embora não estivesse com detalhes técnicos, apresentava o formato de argumento. O filme conseguiu uma crítica maravilhosa do Globo, bonequinho batendo palma, passou no Brasil inteiro.
Daniela Aragão: É possível termos acesso hoje a esse filme?
Edmar Pedreira: Consegui recentemente uma cópia para se ver em Dvd.
Daniela Aragão: A partir de então você prosseguiu a vida por meio da literatura?
Edmar Pedreira: Infelizmente não dava para sobreviver da escrita e nem do argumento do filme e voltei a trabalhar em atividade diversa da literatura, fui para Furnas e fiquei como auxiliar administrativo, mas logo estava partindo para outras funções, ou seja, o sujeito fazia uns textos e eu tinha que fazer vez ou outra a versão, passar para o inglês. O que desencadeou minha saída de Furnas foi o meu chefe, que me exigiu que fizesse em uma semana a versão para inglês da concorrência internacional das linhas de transmissão de Itaipú. Furnas não faz nada, quem faz é Odebrecht, Camargo Correa, o que a Itaipú são contratos, eles administram. Mal ou bem quando voltei para a literatura eu estava com uma situação econômica um pouco mais satisfatória. Publiquei em 1973 e 1974 dois livros de poesia "Lágrimas da redenção" e "Catarse", ambos pela editora Pongetti. Consegui um editor para o meu romance "O estranho triangulo", que desenvolvi a partir daquele argumento feito para o filme, o editor da Nórdica se interessou após eu ter sido recusado em nove editoras. Então voltei a publicar, mas as ordens da ditadura se acirraram contra mim, pois eu abordava um tema muito perigoso que era o homossexualismo, o estranho triângulo, então começou uma má vontade contra a minha pessoa. Em seguida lancei "A falência", que foi uma porrada na ditadura, na verdade um dos poucos livros em que eu defendia o João Gullar como personagem. Fiquei com esse cabedal, dois livros de poesia, um romance da Nórdica da qual nunca tive uma segunda edição e "A Falência", que obteve uma excelente recepção.
Daniela Aragão: Você chegou a ganhar condecorações até do escritor Pedro Nava, não é?
Edmar Pedreira: Enviei um exemplar para o Nava e recebi dele uma carta, uma surpresa já que ele não era um homem de muita conversa. Ele me pos nas alturas, me atribuiu uns dez adjetivos como genial, magistral... No final ainda agradeceu pela magnífica noite de insônia que lhe proporcionei. Ele cita por exemplo um arguto mineiro, Rodrigo Melo Franco de Andrade, que lia no máximo umas três ou quatro páginas de um livro, caso ele não agarrasse nessa leitura inicial jogava fora. Nava comentou que ficou lembrando do Melo Franco de Andrade ao ler meu livro, pois não conseguia largar mais. Isso para mim é um prêmio.
Daniela Aragão: Quais são os seus escritores de cabeceira, os que mais o influenciaram ?
Edmar Pedreira: Atualmente ando é desbancando os mitos, o Brasil está cheio de mitos. Às vezes encontro um bom romancista, mas está longe de ser um gênio. Não gosto da maioria dos poetas modernos que ficam fazendo charadinhas, tipo genial, genial. Sou um poeta que gosto de metrificação, rima. A maioria das coisas que me tocam não são do gosto popular, sobretudo universitário. Fui comparado a Graham Greene pelo Antônio Carlos Villaça, tive uma formação francesa, mas ele achou que eu tinha mais afinidade com o Greene. Gosto do Greene sobretudo pelos temas que ele aborda, Greene Land. Quando ele ia escrever um livro colocava uma flecha sobre o mapa mundi e o lugar onde a flecha chegasse ele pegava um avião e ia para lá. É um inglês católico que acho muito importante, descendente do país do anglicanismo que gerou a revolução industrial. Você pode reparar que os grandes escritores ingleses são católicos. Eu também me considero um escritor católico. Gosto muito também do Cronin, que era Irlandês.
Daniela Aragão: Quem você destacaria da literatura francesa?
Edmar Pedreira: Gosto muito dos que não são muito conhecidos. Um que viveu no Brasil como refugiado, o Bernard Rose. Quando me deparo com algumas tendências filosóficas com as quais não me simpatizo, dificilmente vou utilizar o cara como modelo. O Camus por exemplo é um deles, suas idéias filosóficas não me agradam. Não sou escritor católico, mas com tendências católicas, acredito que essa é a minha missão. Bernard Rose era um católico autêntico, "Journal d'un cure de campagne", acho esse livro excelente. Ele é um ferrenho inimigo da burguesia sem ser comunista, assim como eu que também sou um ferrenho inimigo da cultura burguesa, mas não sou comunista. Garimpo livros por aí, o que cai na rede é peixe.
Daniela Aragão: E o seu livro "O alienado"?
Edmar Pedreira: Neste me reporto ao tempo em que fui estudante de canto no Conservatório Brasileiro de Música, eu queria ser um grande barítono. O personagem de "O Alienado" era um grande barítono que brigou com o pai, pois este não queria que ele desenvolvesse a carreira de cantor. Ele é considerado meio louco no livro, o grande recado que deixo é que esse mundo capitalista está podre, isso fica bem claro. Ele termina o livro cantando uma área de ópera, "O prólogo dos palhaços", canta isso para o pai que o tinha renegado, mas que ele vai salvar da morte quando tem um derrame. Não sei se este livro está vendendo, mas se pode lê-lo pela internet, acho que se paga dez reais e a pessoa tem direito a leitura do livro na íntegra. Recentemente criei um selo na qual lancei meu último livro que é "O telefone". Resolvi publicar este livro, pois já tinha um prêmio literário e considerei que podia substituir a chancela de uma editora. Criei a "Prodinp", que quer dizer produção independente. O livro ficou bem produzido, mas estou com um problema que é a distribuição, apesar de eu já ter escoado metade da edição, ainda estou com vários volumes em casa. Tenho muita dificuldade para colocar os livros nas livrarias, o que não ocorreria se eu tivesse uma distribuidora.
Daniela Aragão: Como tem sido a recepção a este livro?
Edmar Pedreira: Ele tem me rendido boas críticas, Raquel Jardim que junto com o Pedro Nava é uma das mais importantes memorialistas do Brasil, me disse frases interessantíssimas. Segundo ela meu livro merecia todos os prêmios, pois se destaca no meio de uma enxurrada de coisas publicadas que não são literatura, pois as pessoas confundem material impresso com literatura. Afirmou que eu estava fazendo a verdadeira literatura e que mostrei em certas passagens certo humor ácido, que somente os mineiros são capazes de ter. Achei esse elogio dela fantástico, sobretudo porque aqui em Juiz de Fora sou boicotado por alguns "donos da literatura" que me ignoram. Raquel Jardim e Pedro Nava são ilustres escritores da terra e me exaltaram.
Daniela Aragão: E os próximos projetos?
Edmar Pedreira: Se eu voltar a publicar poesia retornarei ao meu selo, até porque poesia não vende muito. Caso volte para o romance, retornarei ao meu selo Prodinp. Tenho uns dez originais em casa, só de romance tenho uns cinco ou seis, incluindo memórias, chama-se "Balanço do meio-dia", vai até quando fiz quarenta anos. Está tudo datilografado, não digitalizado.
Daniela Aragão: Você deu uma relida recentemente nesse material, revisou acrescentando ou tirando partes?
Edmar Pedreira: É tanta coisa que tenho em casa que não tenho paciência. O que está na frente é um romance que se chama "A cureta de ouro" em abordo o tema do aborto, contra ele. Aprendi com Pedro Nava quando ele narra como médico o horror do aborto, que não passa de um verdadeiro assassinato. Fiquei tão impressionado com essa passagem descrita por ele. Então se eu encontrar uma editora vou publicar este, depois possivelmente as poesias que reuni em dois volumes, chama-se "Joeira".
Daniela Aragão: Não posso deixar de te perguntar um fato que você me confessou antes de iniciarmos a entrevista, trata-se da escrita como missão, conforme suas próprias palavras.
Edmar Pedreira: Não gosto muito de tocar nessa questão, pode parecer um pouco pretensioso de minha parte, um pouco fantasista. Cheguei à conclusão de que não poderia ser coincidência, desde que fui demitido de Furnas há trinta e tantos anos, nunca mais comprei uma caneta. Encontro uma atrás da outra, essa semana mesmo achei quatro. Vou andando na rua e encontro uma caneta. Inclusive cheguei a contar isso para algumas pessoas e elas disseram que nunca encontram caneta. Em função disso acabei me convencendo de que Deus me quer escritor, contra tudo e contra todos. Por isso estou insistindo, apesar das injustiças, dos bloqueios, das portas fechadas, das picuinhas, dos falsos intelectuais que boicotam de todas as formas e não nos dão espaço na imprensa.
Daniela Aragão: Independentemente das canetas, penso que as palavras devem permear sua cabeça insistentemente, tal qual um pintor com suas tintas e cores.
Edmar Pedreira: Leio muito, então estou sempre pensando por palavras. Mesmo assim comigo o maior sinal é a tal caneta, sabe o que é ficar quarenta anos sem comprar uma caneta? A última que achei foi quando eu fazia a minha corrida matinal, passei diante do santuário de nossa Senhora Rosa Mística e quando olho para o lado, tinha uma caneta inteira. Chego a ficar até emocionado. Essa então é a minha missão na vida, acredito que tenho que escrever, escrever.
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Daniela Aragão é Doutora em Literatura Brasileira pela Puc-Rio e cantora. Desenvolve pesquisas sobre cantores e compositores da música popular brasileira, com artigos publicados em jornais como Suplemento Minas de Belo Horizonte e AcheiUSA. Gravou, em 2005, o CD Daniela Aragão face A Sueli Costa face A Cacaso.
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