Grupo Divulgação a um passo de ser tombado pelo patrimônioSó falta a sanção do prefeito para que seja inscrito o nome do grupo teatral no livro de tombo de Juiz de Fora, entre os bens imateriais
Subeditor
20/1/2012
"Eu canto porque o instante existe e minha vida está completa/Não sou alegre nem sou triste/Sou poeta." Os versos de Cecília Meireles foram o sopro que dá fôlego aos 46 anos do Centro de Estudos Teatrais - Grupo Divulgação, entidade prestes a receber o reconhecimento como Patrimônio Cultural de Juiz de Fora. Só falta a sanção do prefeito Custódio Mattos para que o Projeto de Lei 190/2011 vire lei e inscreva o nome do grupo teatral no livro de tombo do município, entre os bens imateriais.
O poema integrou a primeira peça encenada pelo grupo de estudantes de Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Amor em Verso e Canção, um espetáculo montado para entreter o público na abertura da Semana do Laticinista. "Iniciamos como um grupo formado para estudar o teatro. A gente queria ser jornalista e entendia que era necessário ter uma formação cultural ampla. Como todo mundo sabia dos encontros no Diretório Acadêmico Tristão de Athayde, na antiga Fafile [Faculdade de Filosofia e Letras], éramos convidados para fazer saraus e, assim, surgiu o convite para a primeira peça", lembra o diretor do grupo, José Luiz Ribeiro.
Quarenta e seis anos depois, a chegada de mais um reconhecimento, dentre tantos prêmios conquistados pelo grupo, ainda surpreende o diretor. "Nossos grandes prêmios sempre vieram ao sabor do vento e com surpresa. Encaro esse tombamento como um sinal da generosidade de Juiz de Fora, que permitiu ao Divulgação atuar durante 46 anos, em trabalho ininterrupto, aumentando sempre o número de espetáculos e o de espectadores. Tal reconhecimento dignifica nosso trabalho e vemos com muita gratidão."
- Conflito de sentimentos é tema principal em peça do grupo Gattu
- 11ª Campanha da Popularização do Teatro de JF terá 38 espetáculos e apresenta novidades
- Abertas as inscrições para ocupação da Casa de Cultura e da Galeria de Arte
O tombo faz aumentar, segundo Ribeiro, a responsabilidade do grupo que, há 26 anos mantém um programa de arte e educação junto a escolas públicas juiz-foranas, além de promover projetos de extensão, mesmo antes de o termo ter sido difundido no meio acadêmico. "O que vamos fazer? Essa é a pergunta que vem à cabeça. Temos que manter a qualidade dos espetáculos. Uma qualidade ligada à nossa formação, ao pensamento acadêmico, já que sempre fomos muito ligados à pesquisa. São nove espetáculos por ano e estamos sempre concorrendo conosco mesmos. Corremos o risco de encenar algo e alguém dizer: 'O outro era melhor'. É um desafio."
Na opinião do diretor, a busca pela qualidade é dificultade por duas razões: o público e o jovem elenco. Para se ter uma ideia, mais de 500 atores já passaram pelo Divulgação. Além de Ribeiro, apenas duas atrizes integram o grupo por períodos superiores a 25 anos. "Os meninos são novos e chegam, pegando um vagão que já fez uma viagem longa. Costumo dizer que sou o fio desse colar de pérolas. A dificuldade é manter essas pérolas juntas. Mas não é um problema apenas do Divulgação, mas é uma dificuldade típica do teatro. E o teatro é algo que se faz aos poucos. A pessoa tem que ter perseverança, talento e vocação. A vocação pela coisa dá a disciplina."
Disciplina que vale também para o público. "Mesmo com todas as honras dadas a nós e às diversas manifestações artísticas, a cultura no Brasil não é algo de prestígio. Hoje, o público parece dar pouca atenção, não está preparado para ir ao teatro. Aí, vemos a importância da Escola de Espectadores. Druante nossas peças, se há barulho, algazarra, paramos o espetáculo e explicamos o papel do público. Isso faz diferença."
A Morta (1972). No palco, Leda Nagle, Nelma Fróes e Malu Rocha.
Estado de Sítio (1980).
Fausto (1985).
Grito Mudo (1986).
O Mercador de Veneza (1988).
Édipo Rei (1991).
O Rouxinol do Pescador (1991).
O Carteiro do Rei (1994).
A Chapeleira da Rua Azul (1997).
Guairaká (1999).
Girança (2000).
Zé das Covas e a Dona Morte (2003).
A Fábula do Destino (2004).
No Reino da Inventação (2004).
O Canto do Cisne (2004).
Bicho Sim, Bicho Não (2005).
Visitando Volpone (2005).
Visitando Volpone (2005).
A Tempestade (2006).
Os Duendes Imaginários (2006).
Erguei as Mãos (2007).
O Mambembe (2008).
A Lira do Encanto (2009).
Escola de Trapaça (2009).
Juizado de Pequenas Perdas (2010).
Depois da Novela das Oito (2011).
Os Ossos do Ofício (2011).
Sonhos da Rainha da Noite (2012).
Grupo contribui para formação cultural
José Luiz Ribeiro enxerga algumas contribuições dadas pelo Grupo Divulgação ao teatro e à cultura de Juiz de Fora. Segundo o diretor, a companhia teria trazido à cidade a visão de profissionalização do trabalho voluntário. "Fazemos teatro amador — feito por quem ama — e sempre estamos em busca da profissionalização. Há todo um cuidado com o espetáculo, com a produção. Implantamos metas de repertório, já que sempre trabalhamos com grandes nomes da dramaturgia. Acabamos servindo como um diapasão para a produção teatral da cidade."
O projeto escola de espectadores mostrou o teatro aos colégios que sentiram a necessidade de criar grupos teatrais no ambiente escolar. "Além disso, o grupo deu uma cara ao Forum da Cultura, com a inserção de um trabalho de política cultural. Conseguiu, também, visibilidade para o palco e a mídia local começou a olhar para o teatro. Fora a teimosia de não parar de fazer espetáculos."
Mais de 170 montagens desde 1966
Desde 1966, o Grupo Divulgação encenou 178 montagens. Cerca de 60 foram escritas por José Luiz Ribeiro. Mais de 500 atores passaram pelo grupo e muitos consagraram-se em diversas áreas da comunicação. Jornalistas, professores, atores, diretores teatrais, músicos, assessores de imprensa já formaram o grupo. "Para as pessoas que passaram por aqui, tenho certeza de que ficaram conceitos de disciplina e de apreço ao teatro. Uma imagem de amor ao palco e de respeito ao público. O ator do Divulgação sabe que é preciso cuidar bem de um figurino, de um cenário, porque vai ser usado no dia seguinte e porque foi feito por ele mesmo ou por um colega. Sabe tratar do público e não o deixa esperar, já que nossos espetáculos começam na hora certa. Conseguimos deixar bons valores nessa grande turma."
Depoimentos
Estou no Divulgação há 26 anos. Fazer teatro ali foi um divisor de águas na minha vida. Não só pelo que aprendi e continuo aprendendo sobre o fazer teatral, convivendo diariamente com Malu e José Luiz Ribeiro, mas pelo crescimento pessoal, que a atividade cênica me proporcionou — a prazerosa e difícil convivência em grupo; a prática diária de valores éticos; o exercício constante da criatividade e a feliz e emocionante vivência do palco, diante de um público que sempre nos prestigia e é a razão do nosso trabalho; a possibilidade de poder ensinar; fazer parte de uma família teatral, com integrantes espalhados pelo Brasil inteiro e até em outros países. Não tem preço essa experiência. O Divulgação fez do teatro a razão da minha vida, me deu grande parte de tudo que conquistei profissionalmente. Quem passa realmente pelo grupo carrega muitas lembranças boas na mente, uma energia reconfortante no coração e uma marca eterna na alma. Pena que nem todo mundo possa viver e entender o que é isso...
Márcia Falabella, professora
Fiz parte do Grupo Divulgação de abril de 1986 a dezembro de 2005. Quase 20 anos de uma história importantíssima na minha formação profissional e pessoal. Como sempre dizemos, uma escola de teatro e de vida. Seu compromisso com as questões sociais, a cidadania, a sua proposta artística, que nos permite aprender a costurar, montar cenário, lidar com iluminação etc., além da convivência intensa, que gera uma verdadeira família, fazem do Divulgação uma experiência ímpar. Tenho muito orgulho de dizer que passei pelo Forum da Cultura e fiz parte da história desse que acredito ser um dos mais importantes grupos de teatro no Brasil. E à frente dele, essa figura também ímpar chamada José Luiz Ribeiro. O seu idealismo e sua cultura fazem parte do patrimônio artístico brasileiro. Obrigada, Zé e Divulgação.
Marise Mendes, professora
Sempre gostei de cinema e foi quando estudei Estética na faculdade de Filosofia que caiu a ficha: cinema não é só cinema, é uma mistura de tudo. Fui procurar o Zeluiz no Forum da Cultura e há mais de dez anos descobri que o teatro também não é só teatro. Aquela pauleira de fazer tudo para o espetáculo, do ator não ser só ator, ter que conhecer todo o processo de produção, mais as experiências com aulas para o Núcleo de Adolescentes, tudo é influência no dia a dia. A vida tem sempre um tanto de improviso, de estudo, de se virar com o que está à mão e tentar tirar o melhor disso, e boa parte dessa lição me veio no GD. Levo isso, com gratidão, para dentro de casa, para sala de aula, para outros campos pessoais e profissionais.
Gustavo Burla, professor
O Grupo Divulgação representa uma boa parte da minha vida. Foi através dele que a minha mentalidade artística se modificou e também, através de seus acolhedores braços que eu experimentei as mais deliciosas sensações que um artista poderia sentir na arte da representação. A consciência que adquiri ali é única! O respeito, a dedicação e a entrega aos trabalhos realizados são visíveis por todos, mais ainda por aqueles homens e mulheres que deixam suas casas todas as noites, inclusive finais de semana, para que cada detalhe da encenação aconteça. O grupo esteve (e está) presente em todos os meus passos. Desde o tempo de minha permanência no elenco, que teve duração de sete anos, até a minha sonhada formatura em Artes Cênicas (Direção Teatral). Por isso, nada mais verdadeiro em afirmar que "sempre é preciso sonhar" e isso o Grupo Divulgação sempre ofereceu a seu público.
Cristina Braga, atriz e diretora teatral
O Divulgação foi minha casa, minha família e minha grande escola! Lá eu aprendi o que é trabalhar coletivamente, descobri o sentimento de pertencimento a um lugar, a um grupo, que faz você defender com amor estes projetos coletivos. Vivi o prazer de fazer parte de uma obra, de sentir que se produz algo especial. É inebriante a energia que se sente no palco quando abrem as cortinas. Especialmente quando se tem a certeza de que mais que entretenimento, as peças do Divulgação sempre levaram cultura e reflexão a seu público.
Aliás, um público bem heterogêneo, desde doutores, universitários, a estudantes carentes de escolas públicas. Todos se identificaram, se emocionaram, riram e foram também "provocados" a refletir, criticamente, diferentes situações que são brilhantemente abordadas em cena. Eu amo o Divulgação, amo tudo que ele representa para o desenvolvimento da cultura e da cidadania em Juiz de Fora e no Brasil. Amo fazer parte desta história e carregá-la muito viva dentro de mim. Eu só tenho a agradecer aos mestres — José Luiz Ribeiro, Maria Lúcia Campanha Ribeiro, Márcia Falabela, Marise Mendes e Fátima Amorim — e a todos com os quais compartilhei os momentos felizes e também os difíceis no Grupo Divulgação.
Aline Louise, jornalista
Os três anos e meio que passei em meio às coxias do palco do Forum da Cultura, às salas de aula, aos camarins e aos acervos de figurinos e cenários despertaram em mim sentimentos que jamais me deixariam seguir caminhos que não estivessem ligados ao teatro, ao cinema e à TV. Uma espécie de encruzilhada, onde decidi que tomaria a estrada feita de pedregulhos, curvas perigosas e poeira que nos cobre os olhos e não nos deixa enxergar o futuro. Uma estrada que não possibilita voltar atrás, porque o que passamos dentro do Grupo Divulgação fica entranhado na carne. Talvez seja por enxergarmos a trajetória de José Luiz à frente do grupo, um eterno batalhador, trabalhador braçal e intelectual. Ele se torna o exemplo para aqueles que conseguiram caminhar ao seu lado e foram, de fato, componentes do Divulgação. Aquela família me deixou uma herança que eu não nunca poderia dividir com ninguém. Está comigo, guardada. Foi ela a grande responsável pelo meu despertar para a vida artística, independente de eu estar em cima de um palco ou nos bastidores.
Breno Fonseca, ator
Seria estranho se eu dissesse que aprendi a costurar no Divulgação? Pois é. O básico mesmo, colocar linha na agulha com destreza, dar um nó firme e grande o suficiente na ponta, traçar com linha e agulha pontos lineares, sem emaranhados sem sentido, arrematar sem maiores problemas no final. Aprendi mesmo a costurar no Divulgação. Figurinos e personagens. E informações. Conhecimentos. Amizades. Desde os meus 16 anos (e lá se vai mais de uma década já), foi o Divulgação que costurou em mim, mais do que qualquer outra coisa, a vontade de ser jornalista, atando-a também à paixão pelo drama e pela literatura. Devo o que sou hoje aos nós entrelaçados no Divulgação. Zeluiz e Malu são magos com linhas e agulhas, porque fazem do teatro um tecido de gente.
Táscia Souza, jornalista
Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!