Cinquenta anos dedicados aos palcos
O dramaturgo e professor José Luiz Ribeiro demonstra o seu talento nos palcos e nos bastidores. Confira
Repórter
9/11/2013
Diante do lançamento do livro que marca os seus 50 anos de vida teatral, José Luiz Ribeiro (foto ao lado) não esconde a ansiedade. Com uma bagagem de 245 peças dirigidas e 137 escritas, o professor, ator, jornalista e dramaturgo rememora a sua obra reunida nas páginas do livro José Luiz Ribeiro – 50 anos de teatro, de Ieda Alcântara, e confessa: "amigos e alunos estão me inundando de afeto e já começo a tremer ao imaginar o que as pessoas estão falando."
O início da carreira de José Luiz no Teatro foi aos 21 anos. Em 1963, quando ingressou no universo dos palcos, o teatro vivia um período de grande efervescência, no qual, segundo ele, reverenciavam-se os grandes nomes e surgiam revelações em um cenário pós-guerra. "Tivemos um grande eco dos grandes espetáculos da Europa, que reformularam o teatro brasileiro. Nós fomos inundados por montagens importantes, de Pirandello e de clássicos. No fim da guerra, as pessoas não podiam viajar para a Europa para fazer teatro, pois os diretores não podiam atuar na Itália. Era um momento muito rico, quando a televisão ainda não tinha assumido essa postura atual, de virar um balcão de divertimento e de venda de produtos", relembra.
Mas segundo ele, a iniciação ao teatro veio mesmo na infância, em "forma de terror". "Um tio emprestado me deixou no salão São Geraldo, que existia em frente à igreja da Glória, e ali eles faziam peças para crianças. Me puseram para assistir a peça e de repente eu vi um cara gritando com uma espingarda e uma mulher gritando para não matá-la. Fiquei desesperado e sei que enchi o saco do porteiro para sair (risos). Ele atravessou a rua e me levou lá na liga católica", conta.
José Luiz explica as influências que o levaram à sólida carreira nos palcos e bastidores. "O teatro foi uma profissão de fé. Eu não ganhei dinheiro, mas ganhei uma das coisas que o dinheiro não dá, que é a felicidade." A inspiração para a composição das peças vem do gosto pela música, da influência de dramaturgos europeus e dos espaços dedicados ao leitor na página dos jornais. "Essas coisas me influenciam. Aos 14 anos eu li Shakespeare, tudo isso está dentro de mim. Elas formam um laço. A grande influência que eu tenho no teatro são Stanilavski, da parte de interpretação, Bretch, a parte política, Jean Vilar e Jean-Louis Barrault, e García Lorca com esse compromisso com o teatro popular."
Vida profissional e acadêmica
Filho de imigrantes portugueses, José Luiz foi o único da família que nasceu no Brasil. Nasceu em Juiz de Fora em maio de 1942, na maternidade Santa Terezinha de Jesus. Passou por uma educação rigorosa no Educandário Santa Rita de Cássia e morou em uma casa em uma rua nos fundos do Museu Mariano Procópio. "Morei até os 18 anos próximo ao museu. Ele foi o quintal da minha casa. Para estudar, roubar jabuticaba e correr dos homens de lá", conta.
Começou a trabalhar desde cedo num armazém da cidade. As moedas que ganhava serviam para pagar a entrada no cinema. "Lá tinham dois elementos da minha cultura: o rádio e o cinema. Não fui cineasta porque o cinema era muito caro, diferente de hoje, que qualquer um pode fazer. Adorava cinema, mas teatro era uma coisa que passava com circos, não era muito comentada."
Cursou Jornalismo na antiga Faculdade de Filosofia e Letras (hoje UFJF) e ali começou a se envolver em um cotidiano da escrita e da informação. Tornou-se o primeiro diagramador de Juiz de Fora, integrando o extinto Diário Mercantil. "Eu fiz um estágio no Jornal do Brasil e também gostava de pintar. Formei em uma época em que o paraninfo dizia: 'peguem o diploma e joguem fora: vão para a vida prática'. Foi quando me tornei o primeiro diagramador, em 1968, e houve a grande reforma do Diário. O jornal passou de 6 para 8 páginas."
José Luiz deu prosseguimento aos estudos, entrando para o mestrado na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), onde formou-se o primeiro mestre em Artes Cênicas do Rio de Janeiro em 1992. O doutorado em Comunicação e Cultura foi concluído em 2001 na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Por 43 anos foi professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (Facom/UFJF). Aposentou-se em maio de 2012, cumprindo a lei do servidor público, que dispõe sobre o afastamento dos servidores aos 70 anos. Ao falar desse tempo, José Luiz silencia-se. "Eu não parei de trabalhar depois disso, mas sinto muita falta do brilho no olho dos alunos. Adorava aquela molecada lá. E depois ver eles formando e acompanhá-los. Diante das manifestações de muitos deles por essa data, eu penso que vou enferrujar o teclado do meu computador, porque é um rio de lágrimas", emociona-se.
O Grupo Divulgação
Uma das peças chaves e que se confunde com a vida teatral do ator é o grupo Divulgação, criado por um grupo de estudantes de jornalismo em 1967, do qual José Luiz fazia parte. Tombado como patrimônio imaterial da cultura da cidade em 2012, o grupo tem em seu currículo peças premiadas como Girança (1985) e Esta noite se improvisa (1984). "Sou aquele fio que une o colar de pérolas. E as pérolas são os atores que passam pelo grupo. Como estou lá desde o começo, a minha história se confunde com a do grupo, porque muitos passaram por aqui e eu fiquei. Num certo sentido, eu tenho a memória do grupo", explica.
Atualmente, o grupo está em cartaz no Fórum da Cultura com a peça O Doente Imaginário, de Molière. A comédia conta a história de Argan, um homem que deseja casar a sua filha Angélica com um médico, para poder se consultar de graça. Na versão livre de José Luiz Ribeiro, o enredo constrói um tom político, com críticas ao programa Mais Médicos e ao Mensalão. "A comédia é o gênero de permanência. Você ri do juiz canalha, do político corrupto e isso já existe desde o tempo de Aristóteles. Quando você pega o Molière, percebe que o poder é uma desgraça na vida do ser humano", analisa.
Os anos de chumbo
O ator relembra das dificuldades que os artistas enfrentavam durante o período militar (1964-1985), principalmente quando depois da deflagração do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em 1968, pelo presidente Costa e Silva. A censura era o mecanismo utilizado para evitar práticas de enfrentamento ao regime. "O AI-5 calou todo mundo no dia 13 de dezembro de 1968, porque demoravam a responder, matavam com a burocracia. A pessoa montava uma peça, demorava a ter resposta e o resultado era que todo o investimento que a pessoa fazia não podia ser colhido", conta.
Uma das peças que sofreu a intervenção dos censores foi O diário de um louco (1969). "Conseguimos uma liberação com cortes. Cortaram tudo. O personagem era um funcionário que enlouquecia com a burocracia. Ele tinha um lenço. Toda vez que chegava na hora do corte, ele punha o lenço na boca. E o público sabia. Falava-se a palavra liberdade e a plateia gritava. O censor vinha ao teatro, pegava o texto e ficava assistindo o espetáculo. E fizemos os piores espetáculos da nossa vida. Eram chatos, todo mundo falando devagarinho, a coisa 'murrinhenta'", recorda.
A essência do teatro
Sobre as transformações que o Teatro sofreu nos últimos 50 anos, o dramaturgo confessa que produz peças para o entendimento do público. "Eu faço teatro infantil que não é para uma criança debiloide, é para o pai vir e gostar, para mãe gostar e a criança adorar. Você não tem um foco só. Teatro sem público não existe. O que dá conteúdo ao espetáculo é o público. E não adianta eu fazer uma coisa belíssima que o público não entenda nada. Isso não quer dizer que o público não tenha sensibilidade para entender as coisas que nunca viram."
Na definição do jornalista, o teatro "é uma arte que se escreve na areia. Você constrói um belíssimo castelo hoje, faz o melhor espetáculo do mundo, mas ele não te serve de crédito para o próximo espetáculo. No próximo, você parte do zero para ser avaliado de novo. Então você se põe à prova à vida inteira. Não importa quantas batalhas eu perdi, o importante é que fui fiel à minha causa."
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