Turbanismo como símbolo da resistência negra
Pri França fala sobre a valorização da cultura afro-brasileira e a quebra de estereótipos de beleza impostos a mulher negra
Repórter
22/07/2015
Há menos de uma semana para o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, lembrado no sábado, 25, a luta pela reafirmação da identidade da mulher negra em Juiz de Fora ganhou forma e cor. Adotado pela bancária Priscila Nascimento França Fontoura, 28 anos, o turbante tornou-se símbolo contra a opressão do estereótipo de beleza imposto pela sociedade que quer, enfim, "mudar todos nossos traços, grosseiros e fora do convencional. Não queremos ter uma beleza eurocêntrica, queremos ser como somos, respeitadas e representadas como merecemos", afirma. No último sábado, 18, Pri França, como é conhecida, e outras mulheres chamaram à atenção durante intervenção titulada como 'Turbantaço', na rua Halfeld. A ação foi em conjunto com o Coletivo PretAção e #ahbrancodaumtempo.
Mãe aos 17 anos, Pri decidiu se livrar das químicas e alisamentos e adotar o adorno no ano passado. Em época de Carnaval, a agência da Caixa Econômica em que trabalha resolveu fazer um baile e, como de costume, propuseram a ela que fosse de 'globeleza'. "Além de não combinar com o que acredito a sexualização da mulher negra não é valorização". Por este e tantos outros motivos, a bancária decidiu pesquisar na internet algo que destacasse a beleza e encontrou o turbante. Após assistir vídeos no Youtube, ela aprendeu a fazer e foi com o acessório na festa. "Impactei mais do que se tivesse ido realmente fantasiada", destaca.
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Aquele baile seria o 'divisor de águas' em sua vida. A partir dali ela não tirou mais o turbante. Causar impacto era um dos objetivos para que continuasse usando, mas em um dia comum de trabalho Pri França entendeu que sua decisão afetava de forma positiva outras pessoas. "Uma senhora negra e bem idosa ficou emocionada em me ver ocupando aquele posto e afirmando minhas raízes. Ali percebi que tenho um compromisso social de preservar minha cultura". A atitude também despertou curiosidade e interesse de mais mulheres, que queriam aprender a fazer os trançados e comprá-los para usar. Hoje, Pri divide funções no banco, em casa – com seu esposo e dois filhos (11 e 2 anos) e o seu novo empreendimento. Todos os modelos, palestras e oficinas são divulgadas em sua página no Facebook Sublime Quilombo. As principais modelos para os acessórios são a mãe Elza e a irmã Melina França, estudante de medicina veterinária, pela UFV.
A simples atitude virou coisa séria e além das vendas ela está com o projeto #empodereumamulherpreta, que será a produção de uma sessão de fotos com mulheres negras de todas as áreas. "Quero que outras mulheres se sintam representadas e reconheçam sua beleza. Além disso, recebi convites para levar as oficinas para colégios e faculdades. Trabalhar com a questão de representatividade nas diversas faixas etárias", explica. O Turbantaço também terá novas versões uma vez por mês, que será uma feira 'preta' com todos os empreendedores da cidade que vendem acessórios afro, além do 'Encrespa Geral' que já acontece duas vezes no ano em Juiz de Fora. No evento, ativistas se reúnem para debater, trocar ideias e incentivar o uso do cabelo crespo natural, sem produtos químicos.
Símbolo de resistência
O turbante está presente na história desde o Egito Antigo. No oriente, ele é símbolo na fé islâmica e sikh, na Índia. Os negros africanos trouxeram essa cultura para o Brasil e era possível diferenciar culturas diferentes como Jeje e Banto pela forma que amarravam o turbante. "Sofremos preconceito porque o turbante é associado a religiões de matriz africana, o que nos foi ensinado como sendo coisa demoníaca. O Ojá turbante utilizado no candomblé é usado para proteger a cabeça dos filhos de santos e não tem nada a ver com o turbante que usamos no dia a dia", detalha.
O uso do turbante é a consequência da militância contra o racismo e discriminação. Os ativistas, como Priscila França, não consideram o uso do turbante como moda, mas como símbolo da cultura e que se torna diferente quando usado por uma pessoa branca. "Se é uma negra dizem que é macumbeira, mas se é branca dizem que fashion". Há vários movimentos negros no Brasil que têm como objetivo difundir a história afro-brasileira mais aprofundada do que é passada nas escolas. "Escondem nossos heróis e menosprezam nossa contribuição na cultura, economia e política. Para mim o turbante tem sido uma missão de vida e minha contribuição para disseminar a cultura africana. Além de ensinar a amarrar faço uma reflexão sobre o que é ser negro e o nosso lugar na sociedade".
Mesmo com toda luta, Pri afirma que é difícil desconstruir todo um racismo costurado em meio a sociedade, que são misturados a piadinhas dos colegas do colégio, de trabalho, do namorado, da sociedade em geral dizendo que seu cabelo é duro, bombril, que é feio e tem que ficar preso. "Quando assumimos o crespo assumimos a nossa identidade, abandonamos todo ritual de tortura que é a utilização de produtos que ferem o couro cabeludo, danificam os fios, chapinha , mega hair e tudo mais que nos aprisiona. Resistimos à sociedade que quer nos embranquecer alisando nosso cabelo, afinando nosso nariz, diminuindo nossos lábios... Enfim, mudando todos nossos traços grosseiros e fora do convencional. Não queremos ter uma beleza eurocêntrica, queremos ser como somos, respeitas e representadas como merecemos", concluí.
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