Peguem os celulares: a aula vai começar (parte 2)
O tema é mesmo polêmico, porque coloca a relação com o novo, algo a se descobrir; e esta desafiante tarefa carrega suas controvérsias. É preciso, não obstante, evitar leituras precipitadas: a afirmação de que a proibição tácita dos celulares nas Escolas é obsoleta não pretende impor os aparelhos como material didático geral e obrigatório, situação impraticável. Há que se considerar peculiaridades de cada situação escolar, para avaliar (e esta é a palavra de ordem) os potenciais. A ideia é, assim, deixar em aberto, com o fim daquela proibição, a possibilidade de se fazer uso didático dos recursos destes aparelhos tecnológicos (mediante devido planejamento) ou, ao menos, a chance de colocar tais recursos sob reflexão no espaço escolar, de forma que haja contribuição para a formação ética dos educandos frente a este elemento tão massivamente presente na cultura contemporânea. Este tem sido o foco de diversas pesquisas no âmbito da Educação.
As professoras paulistas Ângela Junquer e Elizena Cortez publicaram um artigo (As diversas mídias e o uso do celular na sala de aula) em que afirmam que a inserção do celular na sala de aula é uma forma de ampliar o universo cultural ali abordado, lançando novo olhar sobre a relação com a tecnologia a fim de provocar mudanças de atitudes nos alunos. Dizem as pesquisadoras que negar a presença dos dispositivos eletrônicos é negar a vida neste século, chamando a atenção para a disparidade de tempos e vivências no intramuros da Escola e no cotidiano dos educandos fora dela. Sobre o anacronismo de mecanismos legais de proibição dos celulares em sala de aula, as professoras apontam que eles geram dificuldades para aqueles professores que querem se debruçar sobre estas tecnologias e fazer delas objetos de uso e/ou reflexão na Escola: "A escola serve, entre outras coisas, para ajudar na formação ética e moral de seus alunos, e isso não se faz com imposição, omissão ou simples proibição. Ética e valores são conteúdos transdisciplinares, que devem estar presentes sempre, inclusive ao lidarmos com as novas tecnologias", dizem Junquer e Cortez. No trabalho das professoras, há ainda o relato de um projeto desenvolvido com o uso dos celulares, envolvendo as aulas de Português e Geografia.
Outro interessante estudo na mesma linha é o de Maria Cristina Bento e Rafaela Cavalcante (Tecnologias móveis em educação: o uso do celular na sala de aula). A partir de uma pesquisa de campo com professores do Ensino Médio, as autoras concluíram que há um amplo reconhecimento do potencial do celular como recurso pedagógico, apesar da proibição – a qual se revela, mais uma vez, um obstáculo. Interessante observar que, dos professores entrevistados, a maioria não permite o uso dos celulares em sala de aula, mas insiste no reconhecimento de seu potencial pedagógico. É uma demonstração de que ainda há que se refletir sobre os potenciais e os riscos do uso destas ferramentas e de sua recepção do ambiente escolar. As autoras listam algumas das possibilidades do uso direto do celular na Escola: calculadora, conversor, cronômetro, tradutor/dicionário, câmera/filmadora, e mesmo o acesso à internet ali disponível.
Do Rio de Janeiro vem a pesquisa de Solange Monteiro (Celular na sala de aula como alternativa pedagógica no cotidiano das escolas), na qual a professora afirma que estes "novos" atores do espaço escolar permitem pensar possibilidades pedagógicas de discussões éticas, reflexões sobre o conhecimento e abordagem da inclusão digital nas escolas. Mas há o alerta de que os potenciais do celular ainda são um desafio, sobre o qual é preciso ainda muita reflexão e planejamento – mensagem que subjaz todas as pesquisas aqui apresentadas. Citando Boaventura de Souza Santos, a estudiosa lembra que "discutir o que esses aparelhos estão provocando e de que forma eles podem nos ajudar a trazer um novo sentido à vida é a possibilidade de se fazer emergir um conhecimento prudente para uma vida decente". Vale lembrar que mesmo aqueles jovens que não possuem os aparelhos celulares estão imersos em culturas e relações em que tais recursos se apresentam, e sua abordagem no âmbito educacional contribui para que todos possam se posicionar crítica e construtivamente frente a eles.
Com o fim da proibição, por conseguinte, estaria aberta a porta para que os potenciais acima citados fossem recepcionados na Escola. Mas não é fácil a tarefa, e as dificuldades ainda incitam à reflexão, ao planejamento: se em alguns casos existem experiências de sucesso com o uso direto destes recursos tecnológicos, há situações em que o que impera é o outro lado da moeda: o celular tem um forte potencial dispersivo que é especialmente complicado no âmbito educacional. As pontuais boas iniciativas ainda não encontraram, é preciso reconhecer, uma forma de evitar as complicações que acompanham a entrada do celular na Escola, para que o processo educacional possa contribuir para um "uso ético" das ferramentas tecnológicas, uma relação crítica e refletida com elas. Há muito o que fazer, muito o que pensar. Deixar de proibir é só o começo. Daqui pra frente, é preciso encarar este "novo" para buscar o melhor ponto de equilíbrio e diálogo entre o mundo contemporâneo permeado pelas tecnologias e a riqueza da Escola.
Ivan Bilheiro é Licenciado em História pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), instituição na qual cursa a licenciatura na área. Especialista em Filosofia pela Universidade Gama Filho (UGF) e pós-graduando em Ciência da Religião pela UFJF.
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