Saudades do Jo?o sem medo
? certo que a passagem do tempo embevece o esp?rito, principalmente nessa ?poca, com a "noite feliz, noite de paz" ? espreita. ? um tempo em que a gente, mesmo sem querer, fica enternecido, mais em fun??o do final do ano.
Mais grave ainda ? quando o tempo passa e a gente n?o v?. O lan?amento de um livro, e tamb?m de um document?rio de 90 minutos, sobre Jo?o Saldanha nos faz pensar nisto, na saudade de um outro tempo. Pelo que me contaram, as obras fazem justi?a ? mem?ria do grande personagem, o Jo?o sem medo.
Lembro de sua ?ltima apari??o no v?deo, nos est?dios da TV Manchete em Roma, durante a cobertura da Copa do Mundo de 1990. Ele estava, como sempre, furioso ? uma f?ria santa, como de costume. Naquela oportunidade, o alvo de sua ira era a mediocridade da sele??o brasileira de Sebasti?o Lazaroni, que acabara de ser eliminada pela Argentina. Disse: "N?o gosto de perder. Tor?o para o Botafogo, Gr?mio e para o escrete canarinho. Sei que perder faz parte do esporte, mas n?o tenho sangue de barata".
Nunca teve sangue de barata, o nosso Jo?o. Pol?mico, g?nio, dono de uma cultura impressionante, corajoso, incoerente e de uma personalidade vulc?nica, Saldanha sempre foi um mito e, como tal, personagem de hist?rias nem sempre verdadeiras ou que, no m?nimo, ganharam mais de uma vers?o.
A sua dispensa da sele??o brasileira, antes da Copa de 70, talvez seja o assunto mais comentado do futebol brasileiro. Os manique?stas de plant?o e os simplistas sempre colocaram a culpa no presidente- general Medici, que teria imposto a convoca??o de Dario - da? a famosa frase: " O senhor escala o seu minist?rio e eu escolho o meu time".
Outros, os que gostam das explica?es mirabolantes, atribu?ram sua sa?da ao fato dele ter dito que Pel? era m?ope e, al?m disso, n?o poderia jogar junto com Tost?o. Outra bobagem. O pr?prio Saldanha contesta: "Se dissesse tal frase seria como passar um atestado de burrice. E isso eu n?o fa?o".
Nunca protagonizou cenas burras, o nosso Saldanha. Nem quando, rev?lver em punho, quis matar - ou assustar - o goleiro Manga. S? lances pol?micos.
Hoje, a sua aus?ncia deixa no ar uma s?rie de hip?teses. Cr?tico agu?ado, como ele analisaria, por exemplo, a mediocridade da sele??o de Dunga? Acho que o "comentarista que o Brasil inteiro consagrou" diria: "Meus amigos, vou pegar meu bon?".
Mais ou menos como fez no escrete canarinho, em 1969. Depois de montar um time com 11 feras, duas sele?es, a A e a B, classificar o Brasil para o Tri, Saldanha perdeu o grande momento: a consagra??o no M?xico. E nada teve a ver com futebol a sua sa?da. Comunista e ateu, inimigo da "patriotada" - coisa muito comum naqueles anos de chumbo ? sua forte personalidade foi decisiva na sua substitui??o pelo "cordeiro" Zagallo.
Sobre essa sua dispensa da sele??o, fato que o incomodou at? o fim da vida, h? um outro dado. Na verdade, alguma coisa aconteceu a Saldanha, em um pequeno giro que fez ? Europa. Na Inglaterra, depois de dialogar asperamente com comentaristas esportivos locais, algo mudou na sua cabe?a, em rela??o ? vida e ao futebol.
Jo?o Saldanha tinha uma mentalidade al?m de seu tempo. Era aquele tipo de pessoa fadada a passar para a posteridade, n?o s? pela presen?a f?sica, mas pelo que produziu no campo verbal e dos fatos.
"O filho de Jos? e Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do sangue de sua m?e, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em sil?ncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorar? por esse mesmo e ?nico motivo, porque a humanidade assim quer"
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Jos? Saramago
Ailton Alves ? jornalista e cronista esportivo
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