Sem retroagir, Ficha Limpa ainda é deficiente Critérios de inelegibilidade podem vigorar a partir das eleições de 2012 e apenas para políticos condenados após publicação da lei. Aprovação é considerada avanço

Clecius Campos
Repórter
20/5/2010

A falta da aplicabilidade retroativa do Projeto de Lei 58/10 ainda é apontada como a principal deficiência do Projeto Ficha Limpa. A proposta foi aprovada por unanimidade pelo Senado Federal, na noite da última quarta-feira,19 de maio, e segue para a sanção do presidente Luís Inácio Lula da Silva. Uma vez lei, o projeto entra em vigor na data de sua publicação.

No entanto, os novos critérios de inelegibilidade — principalmente o que torna incapaz de disputar as eleições o político que for condenado por órgão judicial colegiado, o que só pode acontecer em decisões levadas à segunda instância — só poderão ser aplicados a candidatos que entrarem nessa situação após a publicação da lei. Aqueles já condenados anteriormente não correm o risco de serem atingidos pela norma.

Outra questão ainda pendente é se a futura lei vigorará já nas eleições de 2010 ou apenas a partir do pleito de 2012. A Presidência da República tem até 5 de julho para sancioná-la, prazo final para o registro de candidaturas no Tribunal Superior Eleitoral. O órgão pode, porém, decidir se aplica o projeto em 2010 ou se julga improcedente sua sanção imediata, sob a alegação de que a proposta altera o processo eleitoral, o que só poderia ocorrer até um ano da data de sua vigência.

A coordenadora do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) em Juiz de Fora, Déa Emília Andrade, acredita que o Ficha Limpa não altera o processo eleitoral. "O projeto apenas cria novos critérios de inelegibilidade. Não mexe com o método das eleições. Espero que possa valer já para essas eleições, mesmo que não vá obstruir a candidatura de políticos já condenados por decisão colegiada."

Líderes querem aplicação imediata

Essa é a expectativa de alguns líderes partidários de Juiz de Fora. O presidente do diretório local do PMDB, Adelmir Romualdo de Oliveira, crê que é necessária a ratificação do projeto o quanto antes. "Não há como colocar candidatos comuns, seja em qualquer nível de disputa, na mesma condição em que outros que tem o passado sujo por condenações." O presidente do PTC na cidade, vereador Luiz Carlos dos Santos (Dr. Luiz Carlos), também sentiu falta da aplicabilidade retroativa. "O nome de um político não deve ser colocado para apreciação do voto popular se há problemas com a Justiça. O candidato tem que se preservar de tudo o que macule a sua imagem."

O presidente do PSC Juiz de Fora, Marcelo Detoni, é outro que apoia a aplicabilidade nas eleições de 2010. "As pessoas que estão representando o povo precisam ter um passado sem problemas. Os crimes que causam a inelegibilidade são sérios. O projeto é um bom filtro para excluir aqueles que não têm merecimento." Outro que deseja que a lei vigore imediatamente é o presidente do PV local, Eduardo D’Oxóssi. "Este é o primeiro passo para a moralização da política no país. Temos que tirar da disputa aqueles que não se credenciam para responder pelo cidadão. Com o projeto, esperamos uma representação de qualidade em todas as esferas do governo."

Esta é a mesma opinião do secretário-geral do PSDB, Luís Eugênio Bastos. Para ele, a pressão dos representantes do partido na Câmara Federal e no Senado foi crucial para o desenrolar da matéria. "Agora aprovado, temos que comemorar. A Justiça Eleitoral tem mecanismo para impedir a candidatura de condenados por colegiado."

Divergências podem facilitar recursos

O cientista político Rubem Barboza pensa que o projeto pode causar impacto a médio prazo. Porém, problemas de ambiguidade, principalmente relativos à divergência com a Constituição Federal, são apontados. "A aprovação é um avanço, mas a possibilidade de recurso pode levar o Supremo [Tribunal de Justiça] a permitir candidaturas, diante da premissa de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. O que vamos descobrir dentro de pouco tempo é se as costumeiras figuras políticas, sempre relacionadas com escândalos e processos, vão encontrar brechas nas leis e efetivar suas candidaturas."

O presidente do PT, Rogério de Freitas, considera a aprovação uma vitória da sociedade, mas teme que a morosidade nas decisões judiciais possa permitir o ingresso na política de candidatos sob a mira da Justiça. "De qualquer forma, a matéria disciplina o eleitor a escolher melhor seus candidatos. Ela fará uma depuração dos políticos e deixará o povo mais atento. Déa Emília acredita que a conscientização é um dos principais ganhos. "Na prática é um reforço para que o eleitor participe mais. Para que o cidadão veja que a política é coisa séria e que o voto não pode ser dado para qualquer um."

Iniciativa popular

O Ficha Limpa é um projeto de iniciativa popular proposto com a apresentação de cerca de 1,7 milhão de assinaturas de eleitores de todo o país, até 6 de maio. Segundo Déa Emília, em Juiz de Fora 5.830 pessoas participaram da proposta. Minas Gerais lidera entre os Estados, com a coleta de 338.703 assinaturas. São Paulo conseguiu adesão de 225.213 pessoas, enquanto o Paraná agrupou 184.341 eleitores na causa. Desde 2008, o MCCE trabalha na causa.

Os textos são revisados por Madalena Fernandes


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