O Palavrão sem a conotação social vira palavrinha
Qual a diferença entre educar dentro de casa e fora de casa? A presença do entorno social. Este convidado, em estado sempre de graça, é capaz de coibir as nossas certezas, de invalidar a nossa autenticidade e, até mesmo, de questionar o nosso papel como Pais.
Que as pirraças ocorrem dentro e fora de casa não é novidade para nenhum de nós, porém a forma com que enfocamos a atitude do pequeno se diferencia. Quando estamos sendo observados, o Ego fica em estado de alerta e, consequentemente, logo arma a sua defesa. Ao menos, é nisso que ele acredita.
Então, nosso filho está brincando livremente com os amiguinhos até que uma palavra é dita: Porra!! Não sei se me expliquei o suficiente, porém foi a minha filha quem a disse! No segundo seguinte, silêncio. Não fugindo à regra, repreendi a vocalização desta palavra. Enquanto a repreendia, em meus pensamentos passava: o que pensarão de mim, da nossa educação, da minha filha, será aceita? Serei aceita como mãe? Nesse momento, tudo fervilha, o sangue, a vergonha, a rigidez, enfim, o EGO! O segundo passo vem as explicações: Ela nunca falou isso! Não sei onde aprendeu! Sim, damos satisfação para ver se colhemos uma penalização social menor.
Durante esse espetáculo, minha filha seguia leve e sem nada entender. Ela simplesmente verbalizou uma palavra sem consumi-la. Naquele contexto genuíno, esta palavra poderia ser equiparada a qualquer outra, pois não tinha significado para ela. Era oca. Ela ouviu e reproduziu, sinal que seu desenvolvimento vai bem.
E eu, a mãe, monumento soberano e em evidência, dizendo a mesmice de todas as mães em estado latente de insegurança: Isso é feio, não fale mais isso! Ela? Riu! Claro, percebeu que chamou atenção, eu totalmente rendida e todos olhando para nós!
Nesse momento, a consciência entrou e ficou no contexto. Comecei a questionar minha contradição, sabia que aquele papel não era o meu. Não era a educação que eu entendia como adequada para minha filha, porém fraquejei diante do entorno social. Percebi que o que me preocupava mais era a imagem que ficaria na cabeça alheia e não em aproveitar aquela situação e educar minha filha de acordo com os meus princípios. Provavelmente, ela voltará a reproduzir esta palavra, pois percebeu que o circo foi armado. No entanto, se tivesse acontecido dentro de casa, só entre nós duas, o EGO não teria ficado tão machucado e com isso mais autêntica, respeitosa com a minha maternidade teria sido.
Situações como esta se repetem constantemente em nosso dia a dia. Somos colocados à prova por eles, filhos, e por eles, convidados transitórios. Porém, o entorno social não deve ter "poder" diante da nossa atitude, ele é muito retraído, totalmente vulnerável e com ausência absoluta de autenticidade.
Acredito muito na educação dialogada e construída em conjunto, isso não significa abrir mão do seu posto de Pai e Mãe. Porém, se conseguimos tirar a conotação social das palavras e atitudes, o olhar já formado por tudo que vemos, ouvimos e falamos, atingiremos outro nível de educação. Começaremos a ouvir palavrinhas ao invés de PALAVRÕES.
O fato já está consumado, porém dentro da minha ousadia me permito voltar no contexto e criar uma nova possibilidade para nós duas em conjunto com o nosso novo entorno social, você que está me lendo agora.
Rebubinando a cena:
Fillha: Porra!
Mãe: Não conheço esta palavrinha, filha!
Mâe: O que quer dizer?
Filha: (silêncio)
Mãe: Humm, prefiro a palavra brincar! Vamos brincar?
Não consumimos a palavra, seguiu oca, sem sentido e, logicamente, sem importância.
Com gratidão e afeto,
Até a próxima.
Raquel Marcato, mãe da Marta de 4 anos, blogueira do portal mamaesavessas.com, escritora, questionadora por essência, ativista pelo autoconhecimento e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Autônoma de Barcelona.
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