Raquel Marcato Raquel Marcato 13/11/2015

Ressignificar um olhar

maeO aprendizado vem de todos os cantos e, principalmente, de onde menos esperamos. Basta querermos viver a vida  consumindo as suas exclamações, interrogações e reticências.

Ontem, fui ao banco e ali dentro uma mensagem me tocou profundamente. Enquanto eu conversava com a atendente ela me perguntou: “é brasileira ou portuguesa?” respondi brasileira. E com olhar apreensivo desabafou: “minha filha está namorando um brasileiro e vai para o Brasil esta semana para vê-lo”... E comentando como um coração de mãe sofre eu disse: “a minha ainda tem cinco anos!” E a sua resposta está viva dentro de mim até agora: “ é a melhor idade, aproveite todos os dias”.

Na verdade, ela não me disse nada que eu já não tenha escutado antes, mas desta vez eu ouvi diferente. O conteúdo da frase não apenas passou por mim, desta vez ele entrou e ficou.

Entendi que ela não foi específica quanto à idade de cinco anos, mas sim, quanto ao período que temos a nossa criança bem do ladinho da gente.

Senti duas emoções muito contraditórias, não sei qual veio primeiro, mas senti um privilégio pleno de poder estar sempre com a minha filha desde o nascimento e a outra foi um tanto perturbadora referente aos infinitos momentos de queixas, de gritos, de impaciência que também estão muito presentes no nosso cotidiano.

À partir deste exato momento, comecei a refletir diferente sobre a frase: “minha filha ESTÁ comigo”. 
Hoje, acordei plenamente agradecida porque “ela AINDA está comigo”.

Através de um diálogo curto, simples e despretensioso passei a ressignificar o meu cansaço, a minha impaciência e as minhas queixas.

“Ela AINDA está comigo” é ter uma recompensa nos braços todos os dias. Ela AINDA está ali, a poucos metros. AINDA posso desfrutar de lavar a sua cabecinha suada, de arrumar um lanchinho gostoso, de levá-la para a escola, de comprarmos o pão juntas depois de brincar no parque, de levantar à noite para cobri-la, de preparar seu prato predileto, de acompanhar as suas descobertas, de ser o seu consolo em dias difíceis, de descascar uma maça quando não quiser comer a casca, de cuidar de uma gripe com uma sopinha caseira, de costurar uma sainha que tanto gosta, de estarmos juntas nas férias, de levar um casaquinho na bolsa caso o tempo vire, de saber onde ela está mesmo fora de casa, de sermos um vínculo constante de companhia, de ainda conviver com uma ingenuidade real, de defendê-la de uma ameaça maior, de desconhecer a “distância” da palavra saudade, enfim, de ainda respirar o mesmo ar dentro de uma vida em comum com ela.

Enquanto escrevo sinto que também rezo através de um mantra que ressoa em cada canto de mim: “ela AINDA está comigo”, gratidão, “ela AINDA está comigo”, gratidão, “ela AINDA está comigo”, gratidão.
Como vamos ficando mesquinhos diante da abundância do privilégio. Somos capazes de seguir vivendo dentro de uma visão egoísta e egocêntrica, muitas vezes.  O cansaço, a impaciência, o estresse, existem? Com toda força! Porém, não necessariamente precisam ocupar o centro das nossas prioridades para nos darmos importância, presença e valor.

Já passei por vários dias que entre um esgotamento físico e outro mental desejei que minha filha tivesse alguns aninhos a mais. Quanta dor sinto agora mesmo dentro deste peito de mãe. Não! Por favor, não! Ainda preciso, DESESPERADAMENTE, tê-la a poucos metros de mim.

Ontem, foi um dia marcante dentro de uma mãe que precisava enxergar AINDA mais a divindade do que vem acontecendo dentro do seu, aparente, simples dia a dia. 

Com afeto,
Até a próxima.


Raquel Marcato, mãe da Marta de 5 anos, blogueira do portal mamaesavessas.com, escritora, questionadora por essência, ativista pelo autoconhecimento e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Autônoma de Barcelona.

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