No primeiro programa do HPGE, disputas sobre quem representa a mudança e sobre quem é "prefeito de verdade"
Jean-Marie Domenach, um dos autores mais importantes para os estudos da propaganda política no século passado, afirmava que a redução da complexidade constituía uma estratégia bastante racional para se fazer entender por públicos muito extensos. Numa de suas célebres leis da propaganda política, ele listava a chamada "lei da simplificação". Em si mesma, uma estratégia que, em termos éticos, não seria nem boa nem má – como todo instrumento, passível de bom ou mau uso.
Domenach sugeria que houve bom uso por Lênin: ao proclamar "pão, paz e terra", as três palavras sintetizavam de fato o programa que os bolcheviques queriam implementar e facilitavam a compreensão da complexa realidade por parte dos mais variados segmentos da sociedade russa. Mas Domenach oferecia um contraexemplo: ao prometer que, com a vitória nazista, haveria um marido para cada mulher alemã, Hitler não apenas simplificava algo complexo, mas deliberadamente empulhava e mentia.
A remissão a Domenach é importante para ressaltar que, num processo eleitoral, todas as forças políticas têm absoluta clareza da necessidade de tratar de poucas ideias, e de tratá-las com a maior simplicidade possível. Com base nas ênfases que cada candidatura apresenta nos programas televisivos, oferecem-se indícios relevantes de como cada ator quer se posicionar em relação aos demais e de como pretende participar do jogo eleitoral. E obviamente, nessas rotinas de simplificação, podem fazer bom ou mau uso, do ponto de vista ético, da redução da complexidade do real.
Importa-nos, no presente artigo, apontar quais foram essas ênfases simplificadoras dos seis candidatos à Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) nos programas de estreia, apresentados na última quarta-feira, 22 de agosto. Que imagem os candidatos tentaram projetar sobre si mesmos? Que sentidos eles imbuíram às suas próprias candidaturas? Ao dizerem algo sobre si mesmos, apresentavam, direta ou subliminarmente, suas supostas diferenças em relação aos concorrentes.
Entre os três primeiros colocados na pesquisa Ibope divulgada na semana anterior - por ordem, Margarida Salomão (PT), Bruno Siqueira (PMDB) e Custódio Mattos (PSDB) - ficou patente que alguns títulos estão sendo fortemente disputados. A primeira ideia em disputa é a da "mudança/renovação". Tanto Margarida quanto Bruno fizeram desse mote o centro de seus programas, buscando associar-se a ele de diferentes e reiterados modos.
Margarida afirmava que a "cidade quer mudança" e dizia-se preparada para conduzi-la; um dos apresentadores de seu programa, o jornalista Ricardo Ribeiro, reiterava acreditar nessa mudança. O jingle de Bruno falava em "quero o novo, quero mudar", "chega de ficar parado, resolvi andar" – a as frenéticas movimentações de Bruno no vídeo (ao estilo publicidade Nextel) reiteravam a ideia de que ele representaria um deslocamento da atual situação da cidade.
Uma leve nuance distanciou as duas estratégias: enquanto Margarida tratou mais da mudança do modo de fazer política (o jingle falava em "voto não é mercadoria"), a ênfase de Bruno foi mais calcada numa associação com uma de suas características pessoais – "ele é o futuro", "cidade rejuvenescida". O programa do PMDB foi o que mais investiu tempo na apresentação da biografia do candidato, em função de ele disputar agora a Prefeitura pela primeira vez.
O mote da mudança foi onipresente nos programas dos outros três candidatos de oposição. Laerte Braga (PCB) e Victória Mello (PSTU) fizeram uma apresentação marcadamente ideológica – ambos sugerindo que as verdadeiras mudanças se dariam em transformações estruturais da sociedade: "para além das eleições", disse Laerte; mostrando a cidade real, "sem maquiagem", asseverou Victória. Já Paschoalin (PRP) utilizou a maior parte do programa para contar sua trajetória política.
Mesmo o prefeito Custódio, candidato à reeleição, não apresentou somente a clássica fórmula da defesa da continuidade. Mesmo que esse discurso tenha estado sempre presente (o mote "seguir em frente", continuar no "rumo certo"), grande parte do programa foi discursivamente reativa: dominaram as explicações de por que iniciativas de governo demoraram a aparecer (a herança do governo anterior, que teria deixado "dívidas e mais dívidas", "era tudo ruim", "prefeitura praticamente falida").
A avaliação do atual governo, bem como os indicadores de rejeição ao prefeito apontados pelas pesquisas de opinião, certamente explicam a estratégia de dedicar tanto tempo do primeiro programa à crítica da gestão anterior, culpando-a por eventuais problemas ainda hoje identificados pela população. Mas Custódio utilizou a fórmula discursiva também para reivindicar para si uma outra ideia também evocada por Bruno: a de "prefeito de verdade".
Tanto o candidato do PSDB ("nessas eleições, prefeito de verdade, só tem um") quanto o do PMDB ("quero um prefeito de verdade, para cuidar da nossa cidade") utilizaram literalmente a mesma expressão. Custódio associando-a à sua experiência ("prefeito não nasce da noite para o dia"), Bruno associando-a à afirmação crítica de que hoje "Juiz de Fora está parada" – diagnóstico similar ao apresentado pelo programa de Margarida no apontamento de problemas vivenciados pela cidade.
Quem representa a mudança e quem é "prefeito de verdade"? Resta esperar que o bom senso do eleitor o leve a essas respostas ao longo da campanha. E resta esperar que os candidatos, munidos de igual bom senso, utilizem a campanha para fazer como sugerido por Jean-Marie Domenach: para a sociedade, boa propaganda política é aquela que simplifica a realidade, facilitando sua compreensão, mas tomando o cuidado de nunca deturpá-la.
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Paulo Roberto Figueira Leal (professor da UFJF; doutor em Ciência Política pelo Iuperj) e Vinícius Werneck Barbosa Diniz (doutorando em Ciência Política pelo Iesp-Uerj)
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