Juliano Nery Juliano Nery 21/2/2013

Secos & molhados

IlustraçãoHavia sido um dia de muito trabalho. Dezenas de visitas em cidades do sul fluminense até o findar da atividade, ali na comunidade Fortaleza, já em Belmiro Braga, na Zona da Mata de Minas Gerais. O tempo era escasso e a urgência era o imperativo naquela demanda da companhia. Tanto que só fui ouvir o estômago reclamar quando já eram mais de três da tarde. Foi aí que veio, também, um problema. Ao chegar ao centro urbano do município e passar pela prefeitura, que estava fechada, descobri que era feriado local. O único restaurante da cidade havia servido sua última refeição há pelo menos umas duas horas. Estava num mato sem cachorro. Ou melhor, com fome e sem ter onde comer. Foi quando olhei ali no canto, lado oposto da praça central, um comércio timidamente aberto...

Era um armazém daqueles bem típicos de cidade do interior. Aqueles que a minha mãe, dona Laura, contava com entusiasmo, rememorando os tempos de criança pequena lá em São Lourenço. E como bem dizia ela, não havia fronteiras para a segmentação de mercado, nem pelo mínimo que fosse. "Nos secos & molhados a gente encontrava de tudo", ressaltava. "Não é como essas mercearias de hoje em dia, que você acha uma coisa, mas volta com mais da metade da lista de compras para trás." Pois, estava ali, à minha frente, uma dessas.

E na tarde do feriado, enquanto degustava um delicioso pão com mortadela, ainda mais saboroso com a fome que assolava o meu interior, pude ver a senhorinha buscar dois pés de couve e um par de chinelos havaianas. A mãe, preocupada com a criança, sair com a dipirona em gotas. Ver que o freezer da famosa marca de sorvete dividia espaço com uma farta sessão de pescados e espetinhos de frango congelados, prontos para serem aquecidos para a turma que bebia cerveja perto da balança analógica. E havia superbonder para colar o salto do sapato. E acetona para desgrudar o dedo colado de superbonder.

Animado com tanta coisa, resolvi pedir um cafezinho. E fui servido em um copo americano, de um café que saía cheiroso de um bule e o inconfundível sabor do fogão à lenha. Ali, literalmente, havia café no bule. E queijos mineiros mal curados no freezer. E coalhada. E leite puro da fazenda. E a cerveja que o pessoal bebia no balcão lá de trás. Além, é claro, do display de uma famosa marca de salgadinhos chips, que virou abrigo para quitandas feitas por alguma mão habilidosa da região.

Ao partir, saciado da fome e fortalecido no espírito ao ver tanta variedade na desconexão daquele comércio, que se tinha alguma missão, era a de tentar agradar que entrasse por ali, senti um gosto do passado que não vivi nessa anacrônica Minas Gerais das pequenas cidades. Que bom que são anacrônicas! Que bom que ainda existem e que Deus lhes conservem! Ao sair, completamente satisfeito e imerso em reflexões, na hora de receber o troco, nova surpresa. A moça do caixa rodou aqueles antigos baleiros e me disse que não tinha moedas e perguntou se eu não preferia trocar por balas. Aceitei a fascinante troca na mesma hora. Se a falta de moedas é geral, rodar o baleiro era o grande barato.

Juliano Nery acredita que Minas Gerais é mais que um Estado. É um estado de espírito. Belmiro Braga pode ser encontrada na latitude 21° 56' 56" S e longitude 43° 24' 54" O


Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.


* Ilustração: Lucí Sallum

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