Juliano Nery Juliano Nery 23/05/2013

Três pastéis

imagemFoi por ocasião do lançamento do "Um livro, um filho, uma árvore" no Café Filosófico da UFV, que estive em Viçosa. Após o encontro com escritores e amigos do quilate de Julio Satyro, Diogo Torino, Bella Mendes e Daniela Alves, e muitas cervejas, varando a madrugada, resolvi partir para o hotel e descansar, já que partiria para Juiz de Fora logo pela manhã. Já no táxi e com os reflexos visuais um pouco alterados pela bebida, chamou-me a atenção uma grande movimentação na esquina da Avenida Santa Rita, na área central da cidade. Um pequeno grupo de gente se amontoava em torno de um senhor e um tacho com óleo de soja borbulhante. Gente que assim como eu, ainda estava na noitada, vale ressaltar. O cheiro que saía da gordura era inconfundível: o rapaz fritava pastel às duas da manhã.

Não tive dúvidas em parar a viatura do táxi que me carregava e entrar naquela tumultuada e concorrida fila que o pasteleiro comandava como um maestro, tamanha a habilidade. Anotava mentalmente os pedidos, com uma incrível variação de sabores, decorava o rosto dos clientes, recebia o dinheiro e ainda oferecia o refrigerante. A intriga deu lugar a minha ebriedade ao ver o tamanho daquele pastel, que dificilmente caberia em uma caixa de sapato, para se ter uma noção do quanto era grande. Pedi um de carne. Um tanto pelo impulso de ver tanta gente comendo e um outro tanto para prestigiar aquela inusitada atração na noite de sexta para sábado.

Já novamente no carro em direção ao hotel, com o insondável salgado a pelar a mão e naquela felicidade semi-embriagada, tirei do baú da memória um outro pastel, de mais de uma década, lá de São Lourenço. E mesmo com a distância espaço-temporal, o pastel não estava frio. Em verdade, naquela noite de março, acabei me lembrando com bastante intensidade dos bailes de sábado no Country Club São Lourenço, dos quais a juventude saia atormentada e atormentando a Rua JC Soares, em direção à feira de domingo, que ainda estava na fase de montagem das barracas. Os pasteleiros sempre chegavam antes, para garantir a alimentação da turma que ia pegar cedo no batente, antes do amanhecer na feira livre. E acabava curando a bebedeira da turma, a ressaca de alguns, as ilusões e as desilusões de quem ainda não havia ido dormir... Bons tempos!

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Desde que cheguei em Nova Era, no segundo semestre do ano passado, um fato me chamou a atenção: a substituição dos tradicionais carrinhos de pipoca por barracas de pastel após às missas na Igreja de São José da Lagoa. Ponto turístico da cidade, o templo é um belo exemplo da arte barroca. Minha indagação ganhou voz e questionei ao amigo Gustavo Lage, filho da terra, qual era o motivo da escolha da iguaria e sua resposta foi tão interessante quanto o fenômeno. De acordo com ele, no fim da década de 1980, os fiéis se uniram em torno da reforma da igreja e para levantar fundos, começaram a vender pasteis na saída das missas. O resultado foi a reforma da igreja que, vale registrar, é muito bonita e a manutenção do ritual ao fim das celebrações, que é feita, até os nossos dias, com a participação integral da comunidade. Nada como rechear o pastel com boas iniciativas.

Juliano Nery acredita que Minas Gerais é mais que um Estado. É um estado de espírito. Viçosa pode ser encontrada na latitude 20° 45' 14" S e longitude 42° 52' 55" O


Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.

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