Coração de estudante
"Vai um bombom aí, cara? – É só 1,50!"
Ainda estava tão atordoado pela aula de Cálculo, que não entendi a pergunta do colega da cadeira de trás. Sabe como é, jornalista se metendo a fazer faculdade de engenharia elétrica só poderia dar nisso. No entanto, isso não era o mais importante, quando o fundamental é não deixar o velho e o empoeirado coração de estudante parar de pulsar. E aprender é fundamental nesse intento. Mas, sempre lembrando, claro que sou jornalista! – Por formação e vocação – vale repetir. Ixi! Esqueci o camarada vendendo o bombom lá na pergunta inicial. Portanto, voltemos às atenções a ele.
"Como é que é?", apenas perguntei.
"Bombom, cara!", sacodiu uma caixa de sapatos toda decorada com estampas, repletas de chocolate com várias embalagens e diferentes sabores.
Pensei bem. As aulas na Faculdade de Engenharia na Universidade Federal de Ouro Preto, no campus de João Monlevade, estavam me impossibilitando de praticar minhas corridas rústicas à noite. Sim, além do coração de estudante, havia em mim, ainda, uma relutante alma de atleta. Bastava um sopro ou uma dose caprichada de açúcar do bonito bombom, para quem sabe apagá-la de vez. Fui firme e declinei à oferta. Já ostentava a silhueta de um funcionário público. Não podia dar mole.
"To a fim, não, brother..."
O rapaz não se fez de rogado e continuou na argumentação. Boa essa juventude!
"Compra aí pra me ajudar. Leva pra esposa, pra sua mãe..."
Tentei entender o teor de tanta insistência.
"É pro seu fundo de formatura?"
"Antes fosse, cara! A grana do bombom é para complementar minhas despesas aqui em João Monlevade..."
Foi aí que um pequeno flash back passou pela minha cabeça, remontando a uma década atrás, quando eu também era um jovem, "apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior", e fazia de tudo um pouco para somar dinheiro para pagar o aluguel, pegar condução para a faculdade, comer e, porque ninguém é de ferro, tomar uma cervejinha e sair para ouvir um som. Não tive dúvidas, saquei o dinheiro da carteira e entreguei para o colega de faculdade.
"Pegue esse aqui de morango, cara! É o melhor!", ele só me chamava de "cara".
"Faça o seguinte: não quero o bombom. Comprei pra te dar uma força."
Ele não entendeu.
"Ué, cara! Leve a mercadoria!"
Tive uma ideia.
"Aproveita que esse já está pago e faz uma graça para alguma gatinha que você estiver interessado aí no campus.
Ele gostou da ideia e eu sabia do que estava dizendo. Embora um pouco enferrujado, o coração de estudante ainda pulsava por aqui.
Juliano Nery acredita que Minas Gerais é mais que um Estado. É um estado de espírito. João Monlevade pode ser encontrada na latitude 19° 48' 36" S e longitude 43° 10' 26" O
Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.
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