173 anos de Juiz de Fora: Sentimento e visão de quem vem de fora
O crítico literário, teatrólogo, poeta e membro fundador da Academia Mineira de Letras, Albino Esteves, escreveu há exatos 89 anos, um artigo para o Diário Mercantil titulado: “Quem foi o Juiz de Fora? “. O texto, disponibilizado pelo acervo do Arquivo Central da UFJF ao ACESSA.com conta que o doutor Gonçalo Teixeira de Carvalho foi nomeado ‘Juiz de Fora’ em 11 de abril de 1778, no Rio de Janeiro. Ele visitava parentes em Minas Gerais e ficava hospedado na Fazenda Vargem. O local, depois, segundo Esteves, passou a ser referido informalmente como ‘a fazenda do Juiz de Fora’.
Em publicação também do Diário Mercantil, datada de 26 de fevereiro de 1842, Antônio Armando Pereira fala sobre a casa mais antiga do município, que pertenceu ao juiz de fora. “(...) o velho solar em ruínas e ainda existente na pequena quadra situada no triângulo formado pelas Avenidas Garibaldi, Sete de Setembro e pelas Ruas Almada Horta e Barão de Juiz de Fora”. Debruçando-se sobre o trabalho de Albino Esteves, Armando comentava no artigo que, na época, certamente, a fazenda era a mesma que ele via, onde foram feitas modificações, mas “(...) mantinha o aspecto de construção dos velhos tempos”. Pedia ainda, que a Prefeitura comprasse a edificação e a transformasse em um monumento histórico. Ele foi além e sugeriu que o prédio pudesse ser utilizado como uma escola pública.
No artigo titulado “História de uma estrada”, Paulino de Oliveira, escrevendo também para o Diário Mercantil em 3 de agosto de 1882, citava a viúva do juiz Gonçalo Teixeira Carvalho, dona Teresa Maria de Jesus, que ficou com a fazenda após a morte do marido, assim como os dois filhos. Paulino dizia que acreditava que o Caminho Novo, depois de passar por Matias Barbosa, seguia pela margem esquerda do Rio Paraibuna, e passava logo pelo “Juiz de Fora Velho”, como passou a ser chamada a ‘Fazenda do Juiz de Fora’, embora, não tivesse encontrado registro formal dessa configuração.
Em 1977, O Lince resgatou parte do que havia sido publicado sobre a origem da cidade, no qual cita a descrição de Saint-Hilaire: “A uma légua e três quartos de Marmelos, encontra-se a habitação de Juiz de Fora, nome que vem sem dúvida do emprego que ocupava o primeiro proprietário. Da venda de Juiz de Fora tem-se sob os olhos uma paisagem encantadora. Essa venda foi construída na extremidade de uma grande pastagem cercada de morros por todos os lados.”
Seguindo com a citação de Saint-Hilaire, há: “O Paraibuna corre perto do caminho; sobre um pequeno regato que aí desemboca, depois de haver atravessado a estrada, foi construída uma ponte de efeito muito pitoresco; perto está uma cruz. Mais longe vêem-se uma capela abandonada e as ruínas de um engenho de açúcar.” No mesmo texto, o berço da cidade é descrito por Luckock, que se refere a Burton no livro “Viagens aos Planaltos do Brasil” como “uma capelinha e poucas pobres casas”.
Embora os documentos descrevam as paisagens, elementos que ajudam a fazer uma imagem mental da organização da cidade no início dela, há uma lacuna sobre a forma como esses primeiros habitantes viam e sentiam o local, inclusive, o próprio juiz de fora. Em busca da visão e do sentimento de pessoas que vêm de fora e constroem suas vidas e o seu presente na cidade. O ACESSA.com ouviu três pessoas sobre sua vivência e ligação com o município, suas primeiras impressões e suas memórias afetivas com a cidade.
“O que me salvou foi a Escola Pública”
José Anísio Pitico da Silva, assistente social e gerontólogo,
Natural de Porciúncula, noroeste do estado do Rio de Janeiro, José Anísio da Silva, conhecido como Pitico, veio para Juiz de Fora com a mãe, Lúcia, o pai, Adalberto e o irmão, Jeter. Ele conta que vieram no caminhão de seu Lair Ferreira. A família passava por dificuldades financeiras. Adalberto veio para a cidade trabalhar como representante comercial da Incolafer, na sede que ficava na Avenida Francisco Bernardino, próximo à Praça da Estação.
“Foi o seu Lair Ferreira que motivou o meu pai a mudar para cá. Ele falou: ‘Ô Adalberto, traz os meninos para cá, para Juiz de Fora, vem dar educação para eles aqui. ’Então, a gente veio para cá, nesse caminhão, em 1968. Meu pai não tinha toda a grana para pagar a mudança desse frete. Já tinha alugado uma casa modesta, na Rua General Gomes Carneiro, número 39, apartamento 101, no Bairro Fábrica, na rua do Quartel do 10º Batalhão de Infantaria”, narra Pitico.
Para ele, o novo início da família tinha um contorno de tristeza. “Era novo, tinha sete anos de idade, ficava muito preso à emoção da minha mãe, do meu pai e do meu irmão, que tem uma diferença de idade para mim de três anos. Minha mãe chorou horrores, muitas lágrimas por conta da separação dos pais dela, dos nossos avós. Eu criança, sem entender quase nada do que estava acontecendo. Mas a minha mãe, sempre muito protetora, sempre muito amorosa, venceu esse sofrimento”. A dificuldade foi vencida pela insistência de Adalberto, já que, por Lúcia, eles voltariam para Porciúncula no dia seguinte à chegada, como explica o gerontólogo.
Esse primeiro contato com Juiz de Fora causou estranhamento por esse conflito. Com o tempo, Pitico e Jeter foram matriculados na Escola Estadual Professor Quesnel. Na adolescência, foram transferidos para a Escola Estadual Sebastião Patrus de Souza, no Bairro Santa Terezinha. “Nessa época, já tinha evoluído na idade e na mentalidade. Sentia falta dos meus familiares, dos meus primos, que eram e são como irmãos que eu tive. Em férias escolares, a gente já estava instalado em Juiz de Fora, meu pai financeiramente estava um pouco melhor. Minha mãe sempre em casa, fazendo muito para dar a melhor educação para nós.”
“O que me salvou foi a Escola pública. Minha mãe dizia que o estudo é a luz da vida. Eu levei muito a sério, como se fosse um mantra para mim. O que eu sou e, daí, vem a gratidão a Juiz de Fora: Ter a oportunidade de ter estudado aqui. Desde a escola primária, até a nossa Universidade” reflete o assistente social. “O que eu gosto de Juiz de Fora, é que através do estudo e do trabalho eu consegui criar raízes fortes de amizades nesses dois âmbitos. Tenho muitas boas, queridas e amadas amizades e sou muito grato à cidade pela oportunidade que ela me deu de estudar, repito, na escola pública, porque sem ela eu não seria ninguém.”
Pitico se dedica ao conhecimento sobre o envelhecimento na cidade há mais de 30 anos. “Continuando desejando, lutando com tantos outros colegas e da sociedade de forma geral, para fazer da nossa querida Juiz de Fora uma cidade cada vez mais amiga das pessoas idosas e a minha dedicação está toda direcionada para essa condição, para esse desejo. Eu não tenho muita consciência, não foi uma questão muito preparada intencionalmente de que teria no envelhecimento e na gerontologia o campo da minha atuação profissional, mas, certamente, hoje, é o lugar que me cabe, na minha alma, de ser, de sentir e pensar o mundo. Que é buscando essa justiça social, talvez, possa até arriscar dizer que é uma forma de devolver ao meu pai e a minha mãe, ainda mais agora que não estão mais presentes fisicamente comigo, mas estão comigo para o resto da vida, na minha alma. Eles me formaram nessa direção da generosidade, da solidariedade, da luta pelo sonho de que o amor, a participação pública, o bem comum é o que dá sentido à nossa vida.”
Aos 62 anos, Pitico afirma que o que Juiz de Fora tem de especial é o seu povo. “Pode parecer clichê, mas é a sua gente, a sua cultura, essa oferta de buscar uma qualidade de vida. Eu que atuo na área pública com a pessoa idosa, é lutar para que a cidade, efetivamente, seja de todo mundo, seja de todas as idades, transformar nossa cidade em um lugar de encontro com as pessoas, com a sua diversidade, na sua pluralidade e nas suas diferenças.”
“Juiz de Fora é isso! Paradoxal. Uma cidade grande com ar de cidade pequena”
Isabella Dias, jornalista e assessora de imprensa
Nascida em Nepomuceno, cidade do Sul de Minas Gerais, Isabella Dias se mudou para Juiz de Fora há 13 anos. Tendo o irmão dela passado no vestibular de Direito na UFJF, morou alguns anos aqui e sentiram a distância. Ela conta que a mãe dela, “corajosa que só”, nas palavras da filha, resolveu que seria a melhor opção para Isabella e a irmã também, para estudos e carreira.
“Meu pai deu todo suporte e a mudança aconteceu. Eu digo que não escolhi Juiz de Fora, não foi amor à primeira vista, foi amor construído diariamente.” Ela avisa que é uma amante de Juiz de Fora enquanto fala sobre a experiência no município. “Eu me reinventei aqui. Me descobri. E me reconectei com a menina que chegou aqui, também. Carrego muitos valores, além do sotaque, do Sul de Minas Gerais. Sou a típica interiorana que adora uma conversa fiada e, por isso, acabo conhecendo várias histórias. Sou fã da simplicidade de ser e viver. Da natureza. Da comida do fogão à lenha e família reunida. De falar alto e abrir o coração. Tá aí uma marca minha: tudo que faço tem meu coração. E isso traz muitas consequências (boas e ruins).”
Ela atribui à vivência em Juiz de Fora o aprendizado de dosar isso. ”A cidade grande é capaz de nos engolir. Aprendi o que tenho que fazer, mas agir são outros quinhentos. Juiz de Fora me abraçou e me fez crescer. Sou menina do interior e mulher da cidade grande.”
Sobre o primeiro contato, a jornalista conta que o céu chamou a atenção. “Achei distante. O da minha cidade parecia que dava pra tocar, sabe? Confesso que cheguei desconfiada. Coração fechado. ‘Me conquista, JF’, dizia internamente. Cheiro de bacalhau. Sotaque neutro. Paixão por time do Rio. A falta de contato. Afetivo mesmo. Pensei que não daria certo. Lembro de ligar pra minha vó e dizer da minha saudade. E que eu não tinha nada a ver com Juiz de Fora. Mas, sem perceber, tudo mudou. Não foi rápido, não. Mas quando entrou no meu coração, parecia que o lugar sempre esteve ali, reservado para a Princesinha de Minas.”
Em Juiz de Fora, ela se diplomou jornalista e está se aproximando do título de mestra. “Me politizei ainda mais. Vi meu irmão se tornar advogado. Vi minha irmã ser médica. Todos nós pela universidade pública. Amei e fui amada. Fiz amigos pra vida toda. Muito do que sou tem um cado de JF.”
Em um texto escrito por ela recentemente, discorre sobre o que a cidade desperta nela.
“Listas e mais listas de gostos aleatórios passam pelas minhas redes sociais. Não cheguei a criar a minha. Gosto de tanta coisa. Algo me intrigou nessa reflexão toda. Eu adoro me sentir um pontinho na imensidão do Universo. Fui perceber que isso me fazia bem quando me mudei para uma cidade grande. Não tão assim. Mas bem maior que a minha. Uma pessoa nascida e criada no interior vai me entender”.
Ela, assim como Pitico, recorre ao clichê para descrever o que sente: “Juiz de Fora é isso! Paradoxal. Uma cidade grande com ar de cidade pequena. Clichê. Mas é isso.”
“Tenho muito carinho e gosto muito de JF, é meu lar”
Lara Nery, tatuadora aprendiz
Quando veio de Machado para Juiz de Fora, Lara ficou encantada. “Tem muitos pontos bonitos na cidade. Lembro de me sentir animada para poder vivenciar a vida juiz-forana, vim de uma cidade pequena então para mim foi um grande choque de cultura e realidade”.
Entre as coisas que chamaram a atenção da tatuadora aprendiz, ela destaca: “A beleza do Parque Halfeld, a arquitetura antiga da cidade, as galerias que conectam todo o centro, sempre achei isso genial, o campus da UFJF, não só por ser gigantesco mas também muito bonito”
A relação com Juiz de Fora, ela construiu desde pequena. Sendo filha de mãe juiz-forana, sempre vinha visitar a família. “Sempre gostei muito de JF e queria morar aqui, também por influência familiar, já que meu pai estudou na UFJF, sempre falou muito bem da faculdade e da cidade.”
Pela familiaridade garantida pelas visitas e pelo apreço familiar que foi transmitido a ela pelo município, além de contar com uma pluralidade grande de pessoas, a adaptação dela à cidade não foi difícil. “Em pouco tempo já me adaptei, o fato de ter muitas pessoas diferentes como artistas fez eu me sentir mais à vontade e animada, além lugares bonitos e legais de se frequentar, a energia e agitação da cidade me passaram uma boa sensação.
Tenho muito carinho e gosto muito de JF, é meu lar”