Seus Direitos
ACESSA.com - Muitas vezes, os alunos fazem c?pias de livros
inteiros ou parte de um livro em vez de comprar. Isso para evitar ou n?o
poder fazer gastos excessivos (os livros nem sempre possuem um pre?o
acess?vel). Como voc? v? a quest?o de alunos fazerem c?pias de livros, tanto
no 2? grau quanto no 3? grau, mesmo sendo proibido? Qual sua vis?o de
escritor?
Darlan Lula - Primeiramente gostaria de frisar que foi a partir da
ascens?o da burguesia nos s?culos XVII e XVIII que passamos a dar um
excessivo valor ? propriedade intelectual de uma obra, de um quadro, ou
seja, de um bem art?stico. Isso porque as coisas come?aram a ser pautadas
pelo valor financeiro, pelo consumo. Nos dias de hoje, os padr?es de
propriedade e mercado se acentuaram ainda mais, vivemos inevitavelmente em
uma sociedade de consumo onde o cart?o de cr?dito ? o nosso brinquedo
predileto. Haja vista, por exemplo, os quadros de artistas famosos sendo
vendidos a milh?es de d?lares no mercado. Como podemos controlar isso?
Principalmente se pensarmos que estamos diante de um pa?s subdesenvolvido,
emergente, ? claro, mas subdesenvolvido mesmo assim. As pessoas n?o t?m
dinheiro para comprar livros. Muitas vezes recorremos aos sebos, ?s
bibliotecas, e at? mesmo a c?pias de livros. Isso ? inevit?vel. Se os alunos
n?o tiverem a op??o de copiarem seus textos, simplesmente eles ir?o deixar
de l?-los. Acredito ser prefer?vel uma pessoa copiar um determinado texto
para poder ler, aprofundar-se em conhecimentos, em cultura, do que ficar ?
merc? de valores estipulados pelas editoras e livrarias (que at? sei tamb?m
que as coisas n?o est?o f?ceis para elas). Eu, como escritor que sou,
acho que tamb?m n?o posso controlar isso. At? porque n?o sou um escritor que
vivo da escrita. Gosto de escrever, de desenvolver cada vez mais o processo
criativo da depura??o da escrita, mas n?o preciso seguir calend?rios de
grandes editoras. Sendo assim, sustento-me por outros meios, sou professor e
gosto de s?-lo tamb?m. Estou querendo dizer com isso que n?o me pauto
pelo mercado de consumo, da venda de livros. Se meus livros est?o sendo
vendidos, e as pessoas est?o lendo, ?timo! Mas se meus livros est?o sendo
copiados, e as pessoas est?o lendo, tamb?m ? ?timo! Em contrapartida,
acredito que a Nankin Editorial (a editora com a qual eu trabalho) tenha
pre?os de tabela muito acess?veis, que n?o valer? a pena uma pessoa
fotocopiar o texto. Ela ir? preferir t?-lo do que copi?-lo.
ACESSA.com - E qual sua vis?o de aluno que foi?
Darlan Lula - ? interessante a pergunta porque eu n?o "fui", eu ainda
"sou" aluno. Fa?o mestrado, e acredito que mesmo quando conclu?-lo serei
aluno em muitas outras ocasi?es da minha vida, ? claro que sob outra
perspectiva. E como aluno que sou, confesso que tenho alguns trechos de
livros fotocopiados, mesmo porque muitas vezes n?s acabamos por precisar de
um artigo de 10 p?ginas que est? em um livro de 600 p?ginas e custa, por
exemplo, R$ 100,00. Como n?s iremos fazer? Como j? disse, ? inevit?vel.
ACESSA.com - Como isso acontece h? anos, e as pr?prias
universidades possuem diversos pontos de xerox em seus campus, voc? pensa
ser poss?vel acabar ou, pelo menos, diminuir este tipo de crime, que,
algumas vezes, os alunos nem sabem que est?o cometendo?
Darlan Lula - Acredito ser poss?vel diminuir este crime, sim. Mas
acredito que n?s s? iremos diminu?-lo quando diversas coisas mudarem em
nosso pa?s. N?o d? para se pensar em aquisi??o de livros em um pa?s que n?o
oferece oportunidades amplas e iguais a todos. N?o d? para uma pessoa
comprar um livro sem ter o que comer em casa, ou mesmo aquela que anda a p?
quil?metros at? ? sua escola ou ? sua faculdade s? para economizar e poder
comer algo mais tarde. Isso ? um absurdo! N?o ? culpa s? das editoras,
livrarias ou os chamados "atravessadores" de livros que o fazem encarecer.
Se tiver culpados disso, ? de todo um sistema, pol?tico-s?cio-econ?mico. E
os alunos n?o sabem que est?o cometendo esse crime, at? porque isso j? se
banalizou, como voc? mesma disse, h? diversos pontos de "xerox" no campus
universit?rio. N?o h? como negar que essa lei existe no papel, mas que j?
sofreu um abalo s?smico cuja fenda ser? dif?cil de reparar.
ACESSA.com - Qual sua opini?o sobre a "pasta do professor" (pasta
com livros e textos que o professor disponibiliza na ?rea de xerox da
faculdade)? Sua exist?ncia deveria ser proibida ou ? um "mal
necess?rio"?
Darlan Lula - Com essa pergunta, voc? acabou me rememorando um
fato que aconteceu com o compositor e m?sico Tom Z? o ano passado. Houve um
q?iproqu? entre ele e o estilista mineiro Ronaldo Fraga por conta de seus
direitos autorais. O estilista queria fazer uma homenagem ao cantor e expor
a sua trilha sonora (sem pagar nada por ela) em um evento de moda
organizado por ele. S? que o Tom Z? cobrou um cach? pelos seus direitos
autorais, e o Ronaldo entrou em desacordo com o autor. Agora, cheguemos ao
nosso caso, ou seja, ? "pasta do professor". L? temos textos de diversos
autores, suponho, que possuem os seus direitos de comercializa??o da obra
resguardados.
Bom, agora tamb?m temos que os textos disponibilizados pelos
professores s?o endere?ados aos alunos. Vejamos o caso particular de Juiz de
Fora: muitos desses alunos n?o s?o daqui, s?o de cidades pr?ximas e que j?
gastam em condu??o, alimenta??o, e, muitas vezes, com moradia tamb?m. Os
pais fazem de um tudo por eles.
Se pensarmos na seguinte situa??o
hipot?tica: o professor indica aos alunos diversos textos que n?o est?o
dispon?veis nem na biblioteca e nem na chamada "pasta do professor" (aquela
que est? dispon?vel no espa?o da fotocopiadora), quer dizer, eles ter?o que
compr?-los. Eles ir?o comprar? ? ?bvio que n?o. E acabar?o se defasando em
seu processo de Ensino-Aprendizagem. Temos que levar em conta que estamos
falando de pessoas que ainda n?o est?o inseridas no mercado de trabalho,
pessoas com dinheiro contado para estudarem e sobreviverem neste mundo louco
em que n?s vivemos.
Com rela??o ao Tom Z?, por exemplo, ele cobrou cach? de
uma pessoa provida de recursos financeiros para pag?-lo: Ronaldo Fraga tem
uma carreira j? s?lida, conhecido no exterior e etc. O m?sico chega a nos
dizer, em um artigo que escreveu para se defender dos achaques do estilista,
que concede uma m?dia superior a dez autoriza?es por m?s da divulga??o
gratuita e livre de sua obra. Diz-nos ainda mais: "Em tais casos, estou
dialogando com a nova gera??o, ainda desprovida de recursos, e
concedendo-lhe, na minha medida, o que considero meu dever, um m?nimo de
possibilidades."
Bom, acho ent?o que estamos aprendendo com ele, e a "pasta
do professor" nada mais ? do que uma oportunidade que o professor concede ao
aluno de ter um m?nimo de possibilidades nesse mundo t?o pautado pelo valor
e pelo turbilh?o financeiro. E mais: a "pasta do professor" n?o ? nenhuma
caixa de Pandora. ? um ponto t?nue, mas prof?cuo, de contato com o mundo e
com o que o rodeia.