'Serotonina' de João Donato traz alegria impensável para hoje
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Terra de João Donato não é plana. É o que ele testemunha nos versos "Balanço do mar, ritmado com o ar/ Órbita circular do planeta", de "Órbita". A canção integra a safra de dez inéditas presentes no álbum "Serotonina", que ele lançou na quinta-feira (11) nas plataformas --e leva aos palcos no dia 21, na Casa Natura Musical.
Donato, porém, vai além de reafirmar a certeza da forma circular --da Terra, da vida, da música, como cravam suas melodias, quase sempre de poucas notas que giram em torno de um eixo. Suas composições têm algo de desafio da gravidade, numa fantasia quase infantil, que se torna real ao se materializar no piano. "Serotonina" é, nesse sentido, a celebração de uma alegria pura, química e natural (como o nome sugere), de uma leveza flutuante quase impensável neste 2022.
Não é um acaso, portanto, que o universo donatiano esteja representado fielmente nos versos das nove canções (a faixa-título é a única instrumental), mesmo elas tendo sido entregues a letristas tão diferentes: a forrozeira Anastácia, os poetas arrudA e Jorge Andrade, Maurício Pereira, Rodrigo Amarante, Felipe Cordeiro, Céu e o produtor do disco, Ronaldo Evangelista, autor das letras de três músicas, entre elas a citada "Órbita".
Ideias como "sonho", "mar", "azul", "doce", "simples", por exemplo, além do campo semântico que as cercam, aparecem em mais de uma canção. Ou seja, são quase reflexos do que sai das teclas acústicas e elétricas (Rhodes, clavinet, Multivox e piano) e do canto suave e cheio de ar de Donato.
O "Brindar tim-tim/ Tocar tom-tom" de "Azul Royal" (de Donato e Pereira) ecoa o neologismo "Bonsbons" (da canção de Donato e Evangelista). Esta, por sua vez, atua na mesma língua --com duplo sentido-- de "Doce de Amora" (Donato e arrudA), em seu paladar de açúcar, alegria química, serotonina. Assim como também é sensorial o "cheiro de Pará" de "Eu Gosto de Você" (de Donato, Cordeiro e Andrade).
Há mais o que se puxar do diálogo das letras neste que é o primeiro disco solo de canções inéditas do artista em 20 anos --já que "Donato Elétrico", de 2016, era instrumental, e "Síntese do Lance", de 2021, é dividido com Jards Macalé.
Composta por Donato e Anastácia, que a cantam em dueto, "Simbora" abre o disco num convite de amor feito à musa e, por que não, ao ouvinte. Sua letra traz "carinho" e "abraço" em forma de baião, enquanto "Eu Gosto de Você" oferece "mão na mão" e "cafuné".
Da mesma forma, a "Estrela do Mar" (da parceria de Donato e Amarante) e a "rosa em botão" de "Floriu" (Donato e Céu, que participa da gravação) se espelham como síntese da beleza que dá sentido ao planeta Donato.
As letras, portanto, giram numa órbita em torno do compositor e de sua música. Música que ele apresenta ao lado de um time de instrumentistas mais jovens, satélites do pianista e compositor de joviais 88 anos.
Estão ali, entre outros, Zé Nigro (contrabaixo), Thiago França (flautas), Douglas Antunes (trombone) e Sergio Machado (bateria). Nos arranjos, há reverência à linguagem que Donato construiu e segue construindo. Mas há respeito também à vitalidade e inventividade que cada um deles --o mestre, inclusive-- carrega em si.
Os arranjos de sopro, concebidos pelo pianista (a exceção é "Eu Gosto de Você", que Douglas Antunes fez a partir das ideias do compositor), trazem essa vitalidade de forma mais brilhante. A alegria, no entanto, atravessa todo o disco: em Donato dobrando no canto o desenho que faz nas teclas em "Doce de Amora"; na cadência do híbrido de baião e funk de "Floriu"; nos solos do artista carregados de surpresa mesmo quando são variações mínimas da melodia central; no prazer sereno de "Serotonina". Última do álbum, a faixa se encerra com a fala de Donato: "Serotonizou, hein?". Mesma síntese leve que ele mostra em música.
SEROTONINA *****
Onde Disponível nas plataformas de streaming
Autor João Donato
Direção Ronaldo Evangelista
Gravadora Sete Mares/ Natura Musical