'A Morte de Vivek Oji' narra agruras de jovem não binário na Nigéria
FOLHAPRESS - "Queimaram o mercado no dia em que Vivek Oji morreu." É assim que se inicia e encerra o primeiro capítulo do livro de Akwaeke Emezi. A narrativa inverte a ordem do mistério, revelando já em seu título -"A Morte de Vivek Oji"- o fim do protagonista. Com o fato revelado, nos resta descobrir como e por quê.
Vivek é uma pessoa não binária, ou seja, que não se identifica com o binarismo de gênero homem-mulher -condição que é compartilhada com Emezi, que se identifica como ogbanje, palavra da cultura igbo que se refere a um terceiro gênero. Por sua condição e o prenúncio de sua morte, imaginamos estar diante de uma história sobre fobia dos LGBTQIA+. Não só.
Vivek se comporta como um homem diante da família e de outra forma quando está com amigos. Sua morte ocorre com sua feminilidade à mostra numa de suas raras saídas às ruas de Ngwa. No livro, o personagem não se importa de ser tratado pelos pronomes "ele" ou "ela" -talvez uma forma de traduzir o pronome "them" da língua inglesa.
No segundo capítulo, a narrativa apresenta o seio familiar de Vivek por meio de fotos banais e entre cortes abruptos, como se estivessem sendo passadas em um projetor. Nostálgicas, as fotos mostram o toque das mãos, um passeio em família, um menino segurando colares junto ao peito. É um pequeno álbum sobre o luto e o amor que os cercam.
No mesmo dia em que Vivek nasceu, o coração de Ahunna, sua avó paterna, parou de bater. A morte da matriarca instalou uma dor incapacitante ao redor do recém-nascido -e que o acompanhou por toda a vida.
A narrativa avança e retorna, ora sendo guiada por um narrador onisciente, ora por Osita, primo e posterior amante de Vivek. O protagonista narra pequenos capítulos ao longo livro, que mais parecem bilhetes, como alguém que partiu e nunca foi capaz de dizer. Não por acaso, Vivek é quem tem menos espaço para narrar sua própria história em primeira pessoa.
A família assiste ao flerte de Vivek com a feminilidade de forma preocupada. Sua mãe teme que passem a ver o jovem como mulher na rua e, ao descobrirem a verdade, queiram machucar o filho; seu pai prefere dizer que ele sofre de algum distúrbio psicológico. O assunto permanece silenciado. Ninguém nunca perguntou o que Vivek é ou gostaria de ser.
Ele cresce como uma criança incompreendida, se recusa a cortar os cabelos; prefere dormir no quintal, com as galinhas, do que na própria cama; e passa a sofrer espasmos mentais, como se seu cérebro se descolasse da realidade.
Como tantas pessoas LGBTs, seu primeiro contato com o amor acontece fora de casa. Até então o jovem era cuidado e acarinhado pela família, mas nunca foi acolhido e, portanto, amado -aqui, entendemos amor como defendido por bell hooks, como uma prática, não um sentimento.
Na sua rede de apoio, composta de amigos realmente dispostos a ouvir, o jovem deixa de ser a pessoa melancólica que os pais conhecem. Seu corpo se permite dançar, vibrar, gozar; usa vestido, passa batom, penteia o cabelo. Ele é entendido como um ser humano para além de com quem escolhe transar. Ali, Vivek começa a morrer e nasce Nnemdi.
Sua morte física, no entanto, não é fruto de um assassinato, trágico fim de tantas pessoas LGBTQIA+ mundo afora. Morre por acaso, por acidente.
Dois escritores, ambos consagrados com o prêmio Nobel de literatura, inspiraram a estrutura e a condução da história, Gabriel García Márquez e Toni Morrison. Do autor colombiano, Emezi se inspirou no quebra-cabeças narrativo de "Crônica de uma Morte Anunciada". De Morrison, o tom memorialístico que permeia a narrativa de ódio e paixões de "Amor". Tanto Gabo quanto Morrison constam nos agradecimentos finais de Emezi.
"A Morte de Vivek Oji" é um drama familiar em que vida e morte se misturam, uma bela mostra da proeza literária de Akwaeke Emezi.
A MORTE DE VIVEK OJI
Avaliação Ótimo
Preço R$ 69,90 (80 págs.); R$ 49,90 (ebook)
Autor Akwaeke Emezi
Editora Todavia