Alex Turner abre o jogo sobre 'The Car', álbum dos 20 anos dos Arctic Monkeys
LOS ANGELES, EUA (FOLHAPRESS) - Alex Turner não está satisfeito com a luz do quarto escolhido para servir de base para nossa entrevista. É um pequeno e aconchegante hotel hipster no bairro de Los Feliz, em Los Angeles, daqueles que ficam acima de um café com mesas ocupadas por jovens no computador e sem filas nas caixas registradoras que não aceitam pagamento em dinheiro vivo.
O líder do Arctic Monkeys, a maior banda de rock a sair do Reino Unido nos últimos 20 anos, mexe nos interruptores até encontrar o equilíbrio perfeito de luminosidade. "Está bem para você?", ele pergunta , mas sem parecer se importar muito com a resposta.
Turner gosta de ter controle total sobre seu ambiente. "Onde quer se sentar? Aqui será o melhor lugar, certo?", pergunta ele, de café na mão, já se postando diante de uma pequena mesa bege abaixo da tal luminária que teimava em não liberar a luz adequada.
Tímido ao ponto de nunca completar uma frase inteira, como se a boca não acompanhasse seu cérebro veloz, Turner tem plena consciência da sua obsessão por controle e atenção aos detalhes, algo que se tornou maior nos últimos anos à frente da banda. Mas o vocalista, guitarrista e compositor viveu algo diferente na criação de "The Car", sétimo álbum do grupo, que será lançado em todo o mundo nesta semana.
Depois de compor as demos no piano sozinho, durante boa parte da pandemia, ele se reuniu com o resto da banda durante o verão do ano passado, numa casa isolada que fazia parte de um monastério do século 12, em Suffolk, na costa leste da Inglaterra.
"Não fazíamos isso desde o primeiro álbum. Estava com filme sobrando e levei minha câmera 16 milímetros para filmar tudo e me manter ocupado durante a gravação. No início, queria só registrar a lembrança, mas isso pareceu ajudar no ambiente de trabalho, porque me deixou um pouco fora do processo e deu mais espaço para todo mundo", conta ele.
"James [Ford, produtor do disco] ficou maravilhado, porque não fiquei o tempo todo olhando sobre seus ombros sendo um pentelho."
O hobby do músico como cineasta não foi a única novidade nas três semanas de trabalho no estúdio improvisado com direito a piano emprestado de um morador dali e o arsenal tecnológico transferido de Londres. O período foi essencial para o Arctic Monkeys lembrar que ainda é um grupo de rock formado por amigos.
"Demos muitas risadas e assistimos à Eurocopa juntos. Foi importante ter novamente essa energia de banda", conta Turner, revelando que "Body Paint", single mais recente de "The Car", só tomou a forma final por causa dessa integração. "A guitarra distorcida do fim só veio porque deu vontade de fazer aquele solo com eles. Soa óbvio, mas estarmos juntos muda a dinâmica de como toco."
Ironicamente, o tema principal do álbum parece circular em torno de personagens que não parecem se encaixar no ambiente em que estão inseridos. Na própria "Body Paint", que não faria feio numa das produções repletas de orquestrações de George Martin para os Beatles, Turner canta que está "mantendo a fantasia e chamando isso de instrumento de escrita".
"Jet Skis On a Moat", levada numa guitarra sensual e no ritmo quebrado que lembra "The Playboy Mansion", do U2, traz um clima psicodélico hollywoodiano --"jet skis num fosso/ filmaram tudo em CinemaScope, embora seja a última vez que você vai andar neles".
"Estava imaginando essa percepção de morarmos como estrelas do rock num castelo fantasioso sobre uma montanha, andando de jet ski, desconectados de tudo", diz Turner.
Já em "I Ain't Quite Where I Think I Am", ou não estou exatamente onde penso que estou, ele parece descrever um estranho passeio num iate de luxo na costa da França, país onde costuma ir com a namorada, a cantora francesa Louise Verneuil, desde que se mudou de Los Angeles de volta para a Inglaterra. "Passo menos tempo aqui, mas amo essa cidade. É onde tenho meus amigos", diz ele.
Extremamente protetor da sua intimidade, Alex Turner não confirma nenhuma teoria que possa se referir à sua vida além da música. Contudo, admite que o sentimento de se sentir um peixe fora d'água é um dos temas do disco. "Definitivamente, escrevi aqui sobre alguém que não se encaixa", diz ele ao tirar duas folhas dobradas de papel do casaco verde com suas letras e diversas anotações.
Questiono a razão de manter esse material por perto e o cantor deixa a guarda cair. "Penso que, assim, posso ter essas conversas mais facilmente, ficar no mesmo nível das outras pessoas. Você leu as letras, ouviu o disco e achei que deveria fazer o mesmo para o encontrar no meio do caminho", diz, logo trazendo de volta sua defesa bem-humorada. "E isso também serve para intimidar as pessoas."
Não que ele pareça querer intimidar alguém. Turner mal consegue levantar o olhar, mais preocupado em se fixar em algum objeto e encontrar as palavras certas para suas respostas. Manter as letras em seu bolso serve para redescobrir os versos.
Um dos compositores mais brilhantes do rock britânico moderno e alguém que conseguiu retratar anseios e sentimentos de toda uma geração millennial, ele diz que suas letras saem de um espaço entre o consciente e o inconsciente.
Em "The Car", elas parecem ainda mais abstratas. "Adoro deixar espaço para letras não serem completamente compreendidas e se tornarem mais interessantes com o passar dos anos. Gosto de explorar coisas que são difíceis de falar."
Isso significa que o Alex Turner que, há duas décadas, fazia ensaios numa garagem com Jamie Cook, na guitarra e nos teclados, Andy Nicholson, no baixo, depois substituído por Nick O'Malley, e Matt Helders, na bateria, em Sheffield, finalmente está percebendo o inevitável correr dos minutos?
"Engraçado, é difícil aceitar que já faz 20 anos", afirma. "Mas estamos vivos e ativos. Isso acontece muito quando estou cantando as músicas antigas agora. Lembro algo, não necessariamente a letra, mas o ambiente, uma pessoa e as sensações do passado."
Um passado rico, devemos acrescentar. O Arctic Monkeys passou por diversas fases nessas duas décadas. Começou com o rock enamorado do hip-hop confessional dos dois primeiros álbuns, fórmula que jogou o grupo para a estratosfera da fama. Ganhou peso com o stoner rock de Josh Homme, do Queens of the Stone Age, em "Humbug", de 2009, e o hard rock de estádio de "AM", de 2013. E culminou com a viagem para longe da Terra no jazzístico "Tranquility Base Hotel & Casino", de 2018.
"The Car" continua a exploração sonora do trabalho anterior, mas traz guitarras de volta para as músicas e um Turner interessado em usar sua voz como instrumento. "Não sei se o Alex de 20 anos atrás gostaria deste som", especula ele. "Secretamente, eu queria algo nesse sentido, mas não estava ainda ao meu alcance naquela época. Pensando bem, acho que ele gostaria. Mas, se não gostar, que se dane", brinca.
Ele admite que mudou sua maneira de enxergar música e até de compor. Nos discos anteriores, o britânico escrevia as letras e depois pensava na melodia. A música, agora, vem antes.
"Fiz um esforço de pôr as letras em sincronia com uma melodia que me dá permissão de usar certas palavras", afirma o músico. "Não enfocava isso no passado, acho que começou no 'AM', quando comecei a mudar as letras ao ser influenciado pelo som no estúdio."
De volta aos palcos há algumas semanas, Turner acredita que a pandemia mudou a relação entre banda e público. "A primeira vez que nos apresentamos foi poderosa", diz. "Há uma energia nova que me encoraja. Estou tentando não me comportar da mesma maneira no palco. Acho que parte disso vem do público mais jovem."
O Brasil vai sentir isso em alguns dias. O Arctic Monkeys fecha o primeiro dia do Primavera Sound, em São Paulo, em 5 de novembro, já azeitando o espetáculo com um novo repertório. "Quando chegarmos ao país, quero testar duas músicas novas e deixar algumas antigas para trás", conta o vocalista, que já adianta que o próximo álbum pode sair mais rápido do que se espera depois da longa gestação de "The Car".
Impossibilitado de fazer shows, o grupo passou um ano lapidando o álbum na pós-produção. "Tivemos mais tempo para trabalhar no disco e gosto de pensar que isso teve uma influência positiva no resultado final, já que tivemos mais espaço para lapidar, pensar e brigar por certas ideias", afirma Turner. "Amo a ideia de fazer algo diferente, como escrever, gravar e lançar em uma semana. Talvez seja uma ideia divertida para o projeto seguinte."