Como a peça 'O Avesso da Pele' discute racismo e a precariedade do ensino
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A diretora Beatriz Barros se juntou ao Coletivo Ocutá, grupo recém-formado por atores jovens, negros e gays, para levar aos palcos "O Avesso da Pele", livro de Jeferson Tenório com drama, humor e dança.
A peça homônima, em cartaz no Sesc Avenida Paulista, conta a história de Bruno, um professor assassinado, pela perspectiva de Pedro, seu filho, que tenta reconstruir o passado dos pais para seguir em frente.
A plateia entra na sala de exibição por uma porta que dá acesso ao palco. A meia-luz azul e a fumaça que preenchem o ambiente dão ao público a sensação de entrar em uma instalação sensorial. O espectador atravessa o espaço de performance e tem que desviar de uma pilha de livros que ocupa o centro da sala para chegar às cadeiras. Ao se sentar, mesmo que nas últimas fileiras, fica a apenas alguns poucos passos do palco.
Na faixa dos 20 e poucos anos, os quatro atores do coletivo -Marcos Oli, Bruno Rocha, Alexandre Ammano e Vitor Britto, que também são assistente de direção da peça- se revezam entre os personagens, como fragmentos de um único narrador. Eles já tinham se juntado para atuar como coletivo quando convidaram Barros para a direção.
Enquanto procuravam a história que iriam contar, o livro de Tenório caiu nas mãos dos artistas. Eles conseguiram permissão para adaptar a obra poucos meses depois que ela foi publicada, quando ainda era desconhecida. Ao longo dos últimos três anos, o grupo acompanhou "O Avesso da Pele" ganhar o Jabuti de romance literário no ano retrasado e ganhar popularidade na mídia.
O grupo conta que fazia os ensaios no apartamento de Alexandre, ambiente que antecipava a intimidade do teatro do Sesc. Atores e diretora trocavam perspectivas sobre a obra, construindo aos poucos a performance que chega ao público.
"Vitor e Bia colocaram a mão na massa para trazer partes do livro para a encenação e eu, Bruno e Marcos -e Vitor também, como ator- ficamos mais responsáveis por essa investigação física, de pegar as palavras e transformar em cena", diz Alexandre.
Os conflitos raciais marcam a vida dos personagens da peça. Permeiam seus relacionamentos, com outras pessoas negras ou com pessoas brancas, e estão na raiz de todas as perdas, especialmente a do pai pelo filho.
Bruno dava aulas de português para alunos desinteressados, mais preocupados com o mundo fora da sala de aula e revoltados com o ambiente escolar, que os reduzia à posição de fracassados. Queria acreditar que podia mudar a vida dos jovens, mas tinha que lutar contra o desânimo e a desilusão.
O avesso do título é tudo que há por dentro e que define um indivíduo para além da experiência social. O que está além da pele. Sem dar respostas, a peça reflete sobre como conciliar a individualidade e as dores coletivas. O humor surge para mediar as reflexões.
"A gente está falando de temas muito importantes, mas muito pesados. O humor é um caminho muito inteligente para falar deles. É importante o constrangimento social que o riso traz quando é bem utilizado", diz Barros. "E há diversos risos. Tem o do constrangimento, o do reconhecimento, o riso de 'olha, estão falando o que sempre quis falar!'. Depende de quem está assistindo."
Barros compara a disputa pela atenção da plateia ao que fazia quando mais nova, ajudando a família a vender roupas em feiras de Pernambuco. "Na feira, você tem que seduzir muito rápido, porque a todo momento tem outra pessoa vendendo do seu lado", diz a diretora, que tenta levar a mesma sedução ao teatro. "Não posso perder a plateia. Não tenho esse direito."
**O AVESSO DA PELE**
Quando Qua. a sáb. às 20h; dom. às 18h. Até 2/4
Onde Sesc Avenida Paulista - av. Paulista, 119, Bela Vista, São Paulo
Preço R$ 10,00 a R$ 30,00 em www.sescsp.org.br
Classificação 14 anos
Elenco Alexandre Ammano, Bruno Rocha, Marcos Oli e Vitor Britto
Direção Beatriz Barros