Museu da Casa Brasileira, único de design e arquitetura do país, vai ser despejado
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A partir de 30 de abril, o Museu da Casa Brasileira (MCB), o único do país dedicado à arquitetura e ao design, vai ser despejado do endereço que ocupa há mais de 50 anos, o solar Crespi Prado, um casarão em estilo neoclássico na avenida Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste de São Paulo.
Responsável pela gestão do MCB desde janeiro do ano passado, a Fundação Padre Anchieta (FPA) encerrou o convênio de administração com a instituição à qual o museu pertence, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. Ele valia até 2026.
Por também ser dona do casarão, a fundação decidiu despejar o museu, cujo acervo é composto por móveis e objetos de design históricos, como poltronas e louças, além de quadros de artistas incontornáveis do país, como Candido Portinari e Di Cavalcanti.
A decisão foi divulgada em comunicado enviado à imprensa no fim da noite desta sexta-feira, dia 31. A nota diz que o museu "será transferido para outro espaço na capital paulista, mantendo os mesmos padrões voltados à preservação e difusão da cultura material da casa brasileira", mas não especifica qual será o novo endereço.
O museu não tem previsão de reabertura depois que fechar as portas no fim de abril, mas o casarão será transformado num espaço cultural "que abraçará todos os tipos de arte", nas palavras da fundação, e seguirá aberto para receber exposições e eventos. O restaurante Capim Santo também continuará funcionando.
A fundação e a secretaria de Cultura não responderam aos questionamentos da Folha sobre o que motivou o rompimento da parceria. Eles se restringiram a dizer que não houve problema em relação ao convênio e que a decisão foi tomada em acordo.
O rompimento marca a primeira grande mudança que o governo de Tarcísio de Freitas, do Republicanos, promove em relação às 62 instituições culturais que estão sob o comando do governo de São Paulo, entre elas a Pinacoteca e a Osesp.
O despejo, no entanto, já era ensaiado há quase cinco anos, ainda na gestão do PSDB, com Geraldo Alckmin à frente, quando a fundação informou ao museu que não planejava renovar o contrato de comodato do casarão, que venceria em 2021.
Há quem considere o Museu da Casa Brasileira indissociável de sua sede. O casarão foi doado à fundação por Renata Crespi em 1968, cinco anos após a morte de seu marido, Fábio da Silva Prado, ex-prefeito de São Paulo.
A viúva, eternizada em um busto esculpido por Victor Brecheret, não só estabeleceu que sua antiga casa fosse usada para fins culturais como doou um acervo de móveis e objetos que é considerada a semente original do acervo do museu.
Professora de design na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Maria Cecília Loschiavo dos Santos diz que o casarão é um elemento central do Museu da Casa Brasileira, do qual já foi curadora. Autora de um livro que é referência na área, "Móvel Moderno no Brasil", ela considera que "vai ser muito difícil outro espaço dar conta" de abrigar a instituição.
"A arquitetura do museu caracteriza a identidade de um período e de uma classe social brasileira --a aristocracia. O casarão é um documento vivo, porque, em contraste com algumas de suas peças mais simples, mostra as contradições e a desigualdade do Brasil."
O acervo, aliás, será desmembrado. Isso porque as peças doadas pelo casal Crespi Prado pertencem à fundação, num regime de comodato com a família, enquanto o restante, adquirido durante os últimos 50 anos, é propriedade do governo estadual.
A secretaria de Cultura afirmou à Folha que suas peças serão guardadas em uma reserva técnica e levadas ao novo endereço do museu assim que ele for reinaugurado. A fundação, por sua vez, disse que sua parte do acervo seguirá exposta no casarão.
Diretor técnico do MCB, Giancarlo Latorraca, por sua vez, vê a mudança com bons olhos. Ele diz que, embora a tensão criada pela arquitetura aristocrata com as demais peças seja interessante, o museu não é dedicado ao mobiliário do século 20.
Ele lembra que, na verdade, o MCB teve como sua primeira sede um prédio na alameda Nottingham, nos Campos Elíseos, bairro do Centro de São Paulo --isto é, já teve vida fora do casarão na Faria Lima. "Agora, é como se o museu estivesse saindo do aluguel e indo para uma casa própria", diz.
Transformar o casarão em espaço cultural era um desejo antigo da fundação, que já planejava ampliar o uso do local para abrigar ao mesmo tempo o museu e outras exposições, entre elas uma dedicada a "Castelo Rá-Tim-Bum".
Nos bastidores, circulou que o programa da TV Cultura, da qual a fundação é dona, poderia ter até um museu dentro do casarão. A FPA diz que o seriado poderá ser tema de exposições temporárias no local, mas que está descartada a criação de um museu dedicado à obra de Cao Hamburger e Flávio de Souza.
Independente de qual tenha sido o motivo para as mudanças no espaço, fato é que o programa infantil, criado em 1994 e exibido com episódios originais até 1997, pode aumentar exponencialmente a arrecadação da FPA com o casarão.
Exposições que reconstruíram ambientes onde viviam personagens como Nino, uma criança de 300 anos, e a bruxa Morgana, sua tia-avó, fizeram sucesso sem precedentes na última década.
O Museu de Imagem e do Som, que abrigou a primeira montagem, recebeu 410 mil pessoas em seis meses, um recorde que é mantido até hoje e fez o MIS se tornar o museu mais visitado do estado de São Paulo em 2015.
O sucesso foi ainda maior na segunda montagem, que ficou em cartaz por 11 meses no Memorial da América Latina entre 2017 e 2018. Ao todo, foram 821 mil visitas, com ingresso vendido a R$ 20 --valor que subiu para R$ 48 no ano passado, quando a exposição voltou, ocupando o Santana Parque Shopping.
As exposições do MCB, por sua vez, sofrerão o impacto da mudança. Para este semestre, estava prevista uma mostra com obras inéditas de John Graz, artista e designer suíço que é considerado o introdutor do art déco no Brasil. Ela será adiada para quando o museu for reinaugurado.
O MCB previa ainda, já para este mês, uma exposição sobre a história do rádio e a memória fonográfica, haja vista os 100 anos da criação da primeira emissora brasileira em abril de 1923. Esta deve ser mantida, de acordo com a FPA.