Quem é a pesquisadora que cria cheiros para as lojas e os desfiles da Balenciaga
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) - Durante dois anos, uma pesquisadora coletou e catalogou os cheiros de itens pessoais e do arquivo de Cristóbal Balenciaga, o fundador da grife francesa que leva seu sobrenome. Ela também extraiu aromas das paredes do ateliê de costura da marca, em Paris. O trabalho de Sissel Tolaas resultou em 2.000 moléculas olfativas, a partir das quais ela criou uma vela comercializada junto à coleção de alta-costura da grife.
Com preço de EUR 450, o equivalente a cerca de R$ 2.500, a vela da Balenciaga mistura aromas de incenso queimado, fumaça de tabaco, pele quente, papel velho, couro curtido, lã envelhecida, seda, pele de animal exótica, carvalho e óleo de máquina de costura, diz a cientista.
"Onde tem vida tem cheiro. O cheiro é uma coisa concreta. Então é preciso estar onde as substâncias físicas estão", afirma Tolaas, em meio aos milhares de frascos que forram as paredes de seu laboratório em Berlim, ao comentar sua pesquisa para a marca de roupas.
Tolaas também desenvolveu o aroma da principal loja da Balenciaga na capital alemã e de alguns desfiles da marca, exceto o último, que não teve cheiro. A apresentação de março, na Semana de Moda de Paris, foi a primeira depois da polêmica em que a grife se envolveu no ano passado por uma campanha publicitária acusada de incitar a pedofilia. Era uma tentativa de restabelecer a reputação da grife. "Não ter cheiro algum também quer dizer algo", diz ela.
A Balenciaga é talvez o nome mais conhecido associado à carreira desta artista e colecionadora de olfatos de 64 anos. Há décadas, Tolaas --que em nenhum momento da conversa com um grupo de jornalistas se definiu como perfumista-- viaja o mundo coletando aromas e os empregando para os mais diversos propósitos, como provocar reações que levam as pessoas ao choro, ajudar no tratamento de quadros depressivos ou ativar as propriedades de cura no ar do interior de um prédio.
Ao entender os cheiros como portadores de conteúdos e histórias, Tolaas virou referência internacional em seu campo de atuação. Hoje, seu acervo conta com 20 mil moléculas ligadas a olfatos, todas organizadamente catalogadas em seu estúdio, localizado numa rua tranquila de Berlim. "Eu era um cachorro que escaneava o mundo pela perspectiva do nariz", ela afirma, em tom de brincadeira.
Para exemplificar a importância do conteúdo do ar que respiramos, ela lembra que um vírus, isto é, um ser invisível, causou uma pandemia e paralisou o mundo. Tolaas defende que exercitemos o sentido do olfato assim como exercitamos os músculos do corpo, o que ela propõe ao público com seus trabalhos artísticos.
Na Bienal de Arquitetura de Veneza do ano passado, por exemplo, a artista replicou numa redoma de vidro o aroma de uma flor do Havaí extinta em 1912 pela criação de gado decorrente da colonização do local.
Para sua exposição individual no museu Astrup Fearnley, um dos principais da Noruega, em Oslo, cada pessoa que comprasse uma entrada ganhava um vidrinho de perfume com cheiro de dinheiro. O visitante, então, podia acessar quantas vezes quisesse a mostra desde que cheirasse a dinheiro. Também podia emprestar o frasco para que outros fizessem o mesmo, desta forma visitando o museu sem pagar.
Mas nem tudo é lúdico ou provocativo no universo de Tolaas. Ela desenvolve agora um projeto para a Unesco sobre Pompeia com o objetivo de reconstituir o passado e compreender as ruínas da cidade romana a partir das moléculas do ar, ao invés de procurar artefatos e objetos antigos no solo. "O cheiro é uma verdade", ela diz.
O jornalista viajou a convite do prêmio de design iF Award