Red Hot, Arctic Monkeys e Lizzo esquentam verão em Lisboa no festival NOS Alive

Por LUCAS BRÊDA

LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - Uma das barracas de hambúrguer no festival português NOS Alive traz uma frase escrita na parede, qual o comentário de um crítico no pôster de um filme: "O melhor hambúrguer do mundo. -The Weeknd".

A avaliação do astro pop canadense foi feita para seus quase 60 milhões de seguidores no Instagram, quando ele visitou a filial de Lisboa da hamburgueria angolana no mês passado. O sanduíche favorito do cantor foi apenas uma das mais de cem atrações do NOS Alive, que chegou ao fim no sábado (8) e reuniu cerca de 165 mil pessoas durante três dias de shows, entre eles os de Red Hot Chili Peppers, Arctic Monkeys, Lizzo e Sam Smith.

O evento aconteceu no mesmo Passeio Marítimo de Algés em que cantou The Weeknd --um espaço à beira-mar onde na fronteira entre Lisboa e o pequeno município suburbano. Não se trata de uma praia em que os portugueses costumam se banhar, já que fica bem onde deságua o rio Tejo, levando consigo dejetos da capital.

Ainda assim, há um charme praiano no Passeio Marítimo, cercado por dezenas de barcos, estacionados em terra, com vento e sol até quase 21h. O palco foi emoldurado pela vista com as casas nos morros ao fundo.

Este foi o cenário para shows gigantes, como o do Red Hot Chili Peppers, que tocou na quinta-feira para uma multidão ávida para a ver a banda novamente com seu guitarrista clássico, John Frusciante. O músico, que voltou ao grupo após anos longe, é a atração da mais recente turnê dos americanos.

E sua presença transforma o quarteto, que leva este show ao Brasil em novembro. Apesar de ter lançado dois álbuns inéditos em 2022, o repertório da banda é calcada nos clássicos dos anos 1990 e 2000, renovados com a química entre Frusciante, Flea, Anthony Kiedis e Chad Smith.

O show começou com o sucesso "Can't Stop", e o público europeu cantou o riff de guitarra e fez os backing vocals em falsete de Frusciante na faixa. Mais que um tecnicista, Frusciante se destaca pela criatividade. Nunca repete um solo do jeito que foi gravado em estúdio. É como se as músicas estivessem vivas.

O primeiro dia do NOS recebeu um público mais velho e teve o show do Black Keys. Os revivalistas do blues americano não estão no auge, mas mostraram que ainda conseguem agradar a grandes plateias com sua música contagiante.

Na sexta (7), era notável a presença de adolescentes para assistir ao show de Lizzo. Ela subiu no palco deixado pelo Idles, grupo inglês que dá vazão à raiva com um punk sujo, à altura da herança do gênero musical no país.

Honrando o legado do Clash, a banda encontrou eco em Lisboa para seu discurso político antifascista e contra o fechamento da Europa aos imigrantes. A plateia botou os punhos ao alto e mandou o rei inglês às favas.

Já Lizzo protagonizou seu ativismo com outra abordagem. Ela exaltou todos os tipos de corpos, incluindo os gordos, com bom humor e originalidade, tanto nas letras quanto nos vídeos exibidos no telão -em que surge sexualizada e sedutora-- e nos discursos, oferecendo também um ombro amigo aos fãs.

Mas seu show passa longe de se resumir a qualquer tipo de mensagem panfletária. Lizzo canta como poucas artistas pop da atualidade, é carismática e conduz a apresentação interagindo com uma plateia fanática.

Fez um show pop que se baseou nas várias pontas da música negra americana, com rimas espirituosas à la Cardi B, guitarras no estilo Prince, baladas do tipo Etta James e batidas que lembram Beyoncé. É difícil entender como ela não foi escalada para um grande festival no Brasil.

Outro artista pop que causou comoção foi Sam Smith, no domingo. Em sua terceira passagem pelo festival português, disse que seu show tratava de liberdade, e explorou a palavra através das performances vocais sempre exuberantes e das danças.

Com muito dourado nas roupas e no palco, Smith fez uma espécie de cabaré gay progressivamente profano -de "Stay With Me", seu primeiro sucesso, até a despudorada "Unholy", mais recente.

Também britânicos, os Arctic Monkeys foram os headliners do dia anterior, mas entregaram um show mais comportado. Alex Turner, vocalista da banda, hoje se comporta mais como um cantor romântico dos anos 1950 do que como o líder de um dos principais grupos de rock do mundo nas últimas décadas.

Foi bastante numerosa a plateia para os Arctic Monkeys, mas a apresentação foi um tanto irregular. Quando parecia que ia decolar, voltava a minguar. Isso aconteceu porque o repertório intercalou canções mais antigas, em geral mais aceleradas, e as novas, baladas em que Turner mais parece um bêbado num karaokê.

Se o grupo vive uma espécie de crise de identidade, como se fosse duas bandas numa só, o Queens of the Stone Age mostrou que continua com poder de fogo. Josh Homme, vocalista, recuperado de um câncer, falou ao público sobre dançar e aproveitar o momento, e o show refletiu isso.

Em geral, no NOS Alive, o público português não se mostrou tão participativo quanto os brasileiros, e nem tão amalucados quanto a fama dos britânicos. Mas isso não significa que a plateia era apática. Pelo contrário, jogou copos de cerveja para o alto, cantou junto nos grandes sucessos e até fez uma roda de bate-cabeça --justamente no show do Queens of the Stone Age, no domingo.

Além do palco principal, o NOS Alive teve outros cinco espaços para shows, incluindo um para comédia. O WTF Clubbing, em especial, pareceu ideal para aquilo que ofereceu, um retrato da cena de músicas urbanas de Portugal e de outros países.

No caminho entre o palco principal e uma tenda da Heineken, o Clubbing estava com som no talo, fácil circulação e com plateias dançantes. Colocar o espaço de música eletrônica no centro, e não num canto isolado, é um acerto que pode servir de exemplo para festivais brasileiros.

Quem passou por ali pôde ver o grupo experimental português Club Makumba, que dá uma abordagem punk a estilos mediterrâneos e do norte da África, ou o kuduro pop rock do Throes + the Shine. É onde se apresentaram DJs e produtores que comandam a cena de música dançante contemporânea de Lisboa, como Pedro da Linha e Nídia, além do trapper local Lhast e da rapper dominicana Yendry, entre muitos outros.

Os artistas indie passaram pela tenda da Heineken, um amplo espaço coberto que recebeu da banda de rock Spoon à cantora norueguesa de pop alternativo Girl in Red, além de Angel Olsen, Ibibio Sound Machine, Sylvan Esso e City and Colour, entre outros. Mas os melhores shows do palco foram no domingo.

Primeiro, a cantora nipo-britânica Rina Sawayama mostrou porque é um nome ascendente no pop global. No palco, ela subverte a tradição japonesa do teatro com uma abordagem pop cheia de sarcasmo, botando uma plateia eufórico para berrar.

O público não parou de pular em seu show, que tem de tudo um pouco, do rock mais pesado, com influência do nu metal, ao pop mais doce e chiclete. Mesmo com um som um tanto estranho -e, por isso mesmo, bastante original-, ela deu uma aula de presença de palco, das danças à performance vocal.

Quem fechou a tenda no domingo foi Branko, como é conhecido um dos fundadores do Buraka Som Sistema, João Barbosa. Seu show foi um set de DJ em que ele tocou um sampler com baquetas, e teve no palco a cantora carioca Biab.

Branko mostrou seu estilo cosmopolita, mesclando batidas eletrônicas que podem vir de Angola, do Brasil ou de Portugal. É um desdobramento do trabalho que o tornou conhecido no Buraka Som Sistema, representado na apresentação com o hit "Hangover (BaBaBa)", cantado em conjunto pelos portugueses na plateia.

Veterano da cena local, ele fez de sua apresentação uma celebração à cidade e sua vivacidade, encerrando com dezenas de pessoas dançando no palco. Nada mais significativo para o NOS Alive, que mostrou uma Lisboa quente à beira-mar.