Filme A Falta que nos Move rompe barreiras entre cinema e espectador

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Paula Medeiros 4/7/2011


A Falta que nos Move: rompendo barreiras entre cinema e espectador

O cinema pode ser encarado como uma ferramenta capaz de realizar releituras da realidade. Sua principal condição é a representação, ou seja, ele é uma grande encenação de situações. Mas, em alguns casos, essa barreira que separa a tela do espectador é tecida tão sutilmente que nos transportamos para dentro do filme intensamente, de forma que nos assustamos quando os créditos sobem e as luzes se acendem. É isso que acontece com A Falta que nos Move.

A técnica de filmagem, seguindo os padrões do realismo cinematográfico, rompe efetivamente qualquer distanciamento que a história poderia criar entre trama e espectador. A ligação estabelecida é tão forte que, propositalmente, em algumas cenas, os próprios atores lembram que aquilo é um filme — para eles mesmos e para nós.

O enredo narra o encontro de cinco amigos/atores na véspera do Natal para um jantar/cena. Todos têm que esperar uma sexta pessoa, que não conhecem, para definir os rumos daquela gravação. O espectador está ciente de que aquilo é uma filmagem. Mas a condução dos fatos e o desenrolar das tensões latentes dos cinco, criam situações que brincam com essa certeza de que aquilo é mesmo um filme. De maneira quase que inversa, você é transportado para dentro daquela realidade criada e, mesmo com todos os elementos que reafirmam a condição do longa como uma grande encenação, você começa a duvidar de que as ações são roteirizadas e dirigidas.

A Falta que nos Move nos faz olhar para aquele mundo com os olhos deles, atores/personagens. Nossa visão está no ponto de vista que a câmera nos proporciona e, ao longo das ações, tornam-se idênticos aos olhares dos personagens. Dessa maneira, a tensão criada pelas discussões também nos atinge. A fome causada pela espera sem fim do convidado misterioso torna-se a nossa fome, já que participamos de todo o processo culinário. A curiosidade acerca de quem é a pessoa que se juntará a eles é a nossa curiosidade. Através desses e de muitos outros elementos A Falta cria uma ligação profunda e consistente com o espectador, como poucos do gênero fazem.

O realismo ditado pela "câmera na mão" e pela espontaneidade das ações conduz o filme de maneira instigante, quase misteriosa. A atuação do elenco — brilhante — vai ao encontro das técnicas de filmagem, reiterando a proposta de A Falta. Os cinco atores presentes em cena conseguem ditar emoções que vão de um limite a outro: da mais pura felicidade ao caos do desentendimento. Além disso, mostram um entrosamento cênico admirável.

Estreia de Christiane Jatahy, diretora de teatro carioca, no cinema, o roteiro é adaptado da peça A Falta Que Nos Move ou Todas as Histórias São Ficção. A transposição do teatro para as câmeras cinematográficas se dá de maneira natural e consegue, efetivamente, misturar as duas vertentes sem pecar. A filmagem, que remete em alguns momentos aos preceitos do Dogma 95 — em algumas cenas lembramos perfeitamente do filme de Thomas Vinterberg, Festa de Família —, consegue fugir do teatralismo exacerbado que poderia causar certo incômodo, se mal conduzido.

Além das influências teatrais, podemos enxergar alguma semelhança com elementos do reality show televisivo, que flagra momentos íntimos, registrando brigas, romance, sexo e, o que sempre diverte: lavagem de roupa suja na frente das câmeras.

Toda essa discussão é uma tentativa de definir ou mesmo dar uma cara a A Falta que nos Move. Mas, antes disso, devemos senti-lo, devemos encará-lo da maneira que ele se propõe, devemos fazer parte dele como ele sugere. Ou seja, A Falta é a mais pura representação do sentir. E nada mais prazeroso do que fazer parte tão intrinsecamente de uma verdadeira obra de arte.


Paula Medeiros
é estudante de Comunicação Social com participação em Projetos Cinematográficos.