Oscar 2020 e a consagração da denência: "Parasita"
Oscar 2020 e a consagração da denúncia: "Parasita"
Quando vi Jane Fonda entrando no Teatro Dolby, não tive mais um pingo da esperança que ainda me restava. Digo isto, porque me lembrei, no mesmo momento, do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1999, quando a convidada para entregar a estatueta foi, nada mais, nada menos, que a italiana, vencedora do Oscar de melhor atriz por "Duas Mulheres", Sophia Loren. Com certeza, o vencedor seria "A Vida é Bela". Vi meu querido "Central do Brasil" não levar o prêmio.
Eu fiz essa comparação, porque Jane Fonda é conhecida por sua postura ampla e publicamente crítica e seu ativismo político. A classe artística americana, em regra, vem se posicionando bastante contrária à forma como o atual presidente dos EUA, Donald Trump, conduz o país, em especial no que diz respeito a sua absurda promoção da xenofobia. E "Parasita", o grande vencedor da noite, trata-se de um longa extremamente crítico.
"Parasita", além de ser um filme estrangeiro, toca com força na ferida da gritante desigualdade socioeconômica existente, e persistente, na maioria dos países do mundo. Utilizar um momento em que milhões de pessoas estariam focadas num mesmo evento, bem como consagrar o filme que denuncia a gravidade dos sofrimentos que esse abismo social causa nas pessoas, é uma forma muito inteligente de mostrar as possibilidades de se fazer arte. No caso de "Parasita", uma arte para a reflexão.
O filme conta a história de três famílias, em situações socioeconômicas muito diferentes. As duas principais são: uma miserável, e uma riquíssima. Um dos membros da família pobre passa a dar aulas particulares para a filha do casal rico. Pouco a pouco, seus familiares vão se "infiltrando" naquele lar, em busca de condições melhores de vida. A terceira família chega para desestabilizar a situação dos mais pobres e dará a tônica de suspense do longa.
Eu não concordo em reduzir "Parasita" a uma obra que fala sobre o quanto os pobres são sofridos. Ele é muito mais que isso. Existe ali muito a ser observado, porque o comportamento dos membros da família pobre, para adentrar naquela casa, é torpe, até mesmo cruel. Com relação à família rica, choca demais os momentos em que o filme mostra o verdadeiro nojo que eles têm da pobreza. E é importante, também, que se discuta a forma com que pessoas de classes financeiramente abastadas tratam seus empregados, como se fossem seres inferiores, que têm que se submeter a todo e qualquer desmando, pelo simples fato de receberem um salário.
Não se trata de um filme somente de suspense ou para fazer julgamentos. É uma obra que traz reflexões muito sérias a respeito de um mundo que insiste em não mudar seu modo de ser, com tantas pessoas vivendo tão mal. A cena do alagamento é de estremecer na cadeira, de tão triste. Desigualdade socioeconômica já passou mais que da hora de acabar.
No entanto, apesar do enorme valor de se levar esse tipo de questionamento ao público, isso não significa que o filme seja melhor nas categorias existentes no Oscar.
E aí eu me questiono, depois de tantas cerimônias assistidas, para que, afinal, serve o Oscar? É muito comum eles entregarem prêmios de cunho político, ou para corrigir erros do passado, até mesmo para privilegiar determinada produtora. Ou seja: ele é ou não uma premiação? Queriam premiar a película mais crítica? Dessem então para "Jojo Rabbit", esse longa fantástico sobre um menino fanático pelo Nazismo que, após conhecer uma garota judia, busca o conhecimento, a fim de entender as coisas que lhe eram ditas. "Jojo Rabbit" fala de algo muito em voga no mundo atual, que é o fanatismo político. É lindo, sensível, impecável.
Uma coisa é a força da história de "Parasita". Outra coisa é o roteiro de "Parasita". Deixar de dar o Oscar na categoria roteiro original para Sam Mendes, por seu "1917", ou Quentin Tarantino, por "Era Uma Vez Em... Hollywood", foi um crime! Roteiros muito mais bem construídos, elaborados, amarrados, fechados e inovadores. O que Tarantino fez foi um trabalho genial, uma homenagem emocionante e tocante ao cinema. Sam Mendes fez um roteiro primoroso, com uma história de companheirismo e de uma outra visão da guerra. É dada no longa importância a pessoas que estavam sofrendo, e não a um patriotismo que só gerou mortes e mais mortes. Mendes contou uma história em tempo real. Ele foi um mestre! O roteiro de "Parasita" não tem a robustez e a quase perfeição desses dois. Difícil demais entender a decisão da Academia.
E aí, para completar o absurdo, vão e dão o Oscar de melhor direção para Bong Joon-ho. Gente! Isso foi de uma falta de respeito com os diretores que estavam concorrendo! Pelo menos, Bong fez várias menções honrosas a eles. O trabalho deles foi tão, mas tão superior (apesar de que, não concordei de Todd Phillips, por seu "Coringa", ter sido indicado)! Caso alguém esteja eventualmente lendo este texto, e que já tenha assistido "O Irlandês" (não levem em consideração a extensão do filme, caso isso lhes tenha incomodado). É possível falar que Bong foi melhor que Scorsese? Honestamente? Fora tudo que Mendes fez em "1917".
Uma coisa que me chamou muita atenção neste momento em que "Parasita" está sendo tão aclamado, é que aqui no Brasil tivemos, em 2019, um filme chamado "Bacurau". "Bacurau" fez críticas gravíssimas. Denuncia uma série de situações que se vive aqui. Um Nordeste que sofre um enorme desdém por parte de determinada população brasileira, população esta que chegou, inclusive, a falar que ele deveria ser retirado do Brasil. Estrangeiros que nos consideram inferiores a eles. Estrangeiros mandando e desmandando em um "governante" que é um completo fantoche, e que trata com repugnância e desmazelo uma população que deveria zelar. Um povo obrigado a lutar sozinho, com pouquíssimas condições de subsistência. "Bacurau", foi muito pouco aplaudido por nós. O que é uma enorme pena.
Eu insisto em dizer que "Parasita" é, sim, um filme muito bom. Mas houve um indiscutível exagero por parte da Academia. Um desrespeito com quem se ocupou de fazer trabalhos indiscutivelmente melhores e tiveram suas obras desconsideradas.