Quem é jovem?
Projeto de lei que estabelece direitos para pessoas de 15 a 29 anos foi aprovado pelo Senado, em abril. Estatuto desperta questionamento: como definir o grupo compreendido pela juventude?
O ano de 2013 é sinônimo de expectativa para cerca de 52 milhões de brasileiros e brasileiras. São pessoas de 15 a 29 anos de idade, faixa etária cujos direitos passam a ser estabelecidos pelo Estatuto da Juventude (PLC 98 / 2011), aprovado em abril pelo Plenário do Senado. Em debate desde 2004, o texto, que passou por alterações, deverá voltar à Câmara dos Deputados, onde havia sido aprovado em 2011.
Apesar da grande mídia, em geral, ter se limitado a citar que o projeto estabelece meia-entrada para jovens de baixa renda e passagens gratuitas ou com desconto em viagens de ônibus, a proposta do documento vai muito além. Com 48 artigos, o Estatuto também assegura à população jovem acesso a educação, profissionalização, trabalho e renda. Entre os princípios norteadores do documento estão a igualdade de oportunidades, respeito à dignidade e à autonomia do jovem e a não-discriminação. Veja aqui a nota técnica da Secretaria Nacional de Juventude sobre o projeto de lei.
Em resumo, o texto aponta diretrizes e princípios para as políticas públicas de juventude, além da identificação da população a ser contemplada como jovem no país. Porém, é neste último aspecto que reside uma das polêmicas em torno do projeto: a definição do grupo compreendido por ‘juventude’. O questionamento levou à mobilização do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), que publicou artigo sobre a questão.
Tal debate também motivou-nos a refletir: o que é juventude? Simples faixa etária? Uma representação sociocultural? Potencial força de transformação da sociedade? Uma construção social reforçada pela mídia? Como conceituar este grupo, para muitos, marcado pela instabilidade e, por isso, também definido como um problema social? Seria apenas a etapa da vida humana em que se efetua a transição da criança para o adulto? O significado, certamente, é elástico. Longe de mim passa a pretensão de esgotar o conceito. No entanto, a reflexão sobre alguns aspectos que envolvem a juventude faz-se pertinente, sobretudo neste momento em que tanto se fala e investe neste grupo (no campo social, cultural, religioso...).
Entre a infância e a vida adulta, o presente que prepara o futuro. Utilizando uma visão extremamente simplória, poderíamos dizer que é neste vão que se encontra a juventude. No entanto, é certo que esta categoria, se assim podemos classificar, abrange outros significados e até conflitos. Para entendê-la, além do aspecto da transitoriedade, também é preciso considerar a noção de projeto – sendo a juventude o período de construção de uma vida adulta “sólida” – e a de crise e ruptura – fase de conflitos por compreender a necessidade de tomada de decisão, de fazer escolhas.
Muitos pesquisadores defendem que a juventude é socialmente construída e, por isso, variável conforme o contexto sócio-histórico em que os seus sujeitos estão inseridos, sendo também uma categoria suscetível às diferenças de gênero e etnia dos indivíduos que a compõem. Só por estes elementos, poderíamos acrescentar um “s” ao termo juventude, uma vez que já se evidencia a existência de várias juventudes: a da periferia, a negra, a católica, a juiz-forana, a universitária, por exemplo. Concordamos e entendemos a juventude como uma fase de transição em que as transformações biológicas dos seres humanos são acentuadas e dão origem às mudanças psicológicas e sociais que marcam o processo de saída da infância para o ingresso no mundo adulto.
No campo da Sociologia, José Machado Pais (1993) levanta a questão da juventude como um problema social, um grupo complexo, muitas vezes marcado pela instabilidade: desemprego, falta de moradia e até marginalidade. Para ele, se os jovens “não se esforçam por contornar esses problemas, correm mesmo o risco de serem apelidados de irresponsáveis ou desinteressados. Um adulto é responsável, diz-se, porque responde a um conjunto determinado de responsabilidades: de tipo ocupacional (trabalho fixo e remunerado); conjugal ou familiar (encargos com filhos, por exemplo); ou habitacional (despesas de habitação ou aprovisionamento). A partir do momento em que vão contraindo estas responsabilidades, os jovens vão adquirindo o estatuto de adultos”. Ou seja, esta fase de transição para a vida adulta significa conflito – social, pessoal e até familiar - para o indivíduo que não consegue corresponder – por motivos diversos – às expectativas nele depositadas pela própria sociedade em que vive. No que tange ao comportamento juvenil, Pais propõe que a juventude tem uma capacidade típica de “interconectividade”, de aproximação e afastamento de estranhos. O jovem está constantemente experimentando, circulando, trocando de lugares e de afetos.
Tomando a “juventude como um sintoma da cultura”, a psicanalista Maria Rita Kehl apresenta a categoria como “um estado de espírito, é um jeito de corpo, é um sinal de saúde e disposição, é um perfil do consumidor, uma fatia do mercado onde todos querem se incluir”. Isso se deve, resumidamente, a dois fatores básicos. Por um lado, a competitividade do mercado e a escassez de emprego colaborariam para que o indivíduo prolongasse seu status de “jovem”, dependente da família e apartado de decisões importantes. Por outro, a juventude ganhou prestígio, revelou-se consumidora potencial e por isso passou a ser considerada “cidadã”.
Kehl faz uma dura crítica à difundida “sociedade do ter para ser o sujeito reconhecido”, na qual “ser jovem virou slogan, virou clichê publicitário, virou imperativo categórico – condição para se pertencer a uma certa elite atualizada e vitoriosa”. Do ponto de vista da Psicanálise, o consumismo encontra mercado fértil entre os jovens porque eles se apegam aos “objetos fetiche” utilizados para sustentar o crescimento do corpo. Ora, a necessidade de consumir surge a partir da demanda imaginária tão coercitiva quanto qualquer necessidade biológica, sendo os objetos dotados de “poder” de realização pessoal.
Mas, segundo a psicanalista, as consequências da transformação do jovem em fatia do mercado são alarmantes. De um lado, a associação entre juventude e consumo favorece o florescimento de uma cultura juvenil extremamente hedonista. Temos o indivíduo – que não é criança e nem adulto - desfrutando de todas as liberdades da vida adulta, mas poupado de quase todas as responsabilidades. Há, ainda, outro fator preocupante, conforme Kehl: com a difusão da sociedade teen e o espelhamento dos próprios adultos nestes ideais, os jovens ficam sem parâmetros para pensar o futuro. Como ingressar no mundo de “gente grande” onde nenhum adulto quer viver?
O debate é longo. Mas, aqui faço uma pausa para sua reflexão.
PAIS, José Machado. A Transição dos jovens para a vida adulta: Correntes teóricas da Sociologia da Juventude. Culturas Juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1993, p.21-63.
KEHL, Maria Rita. A juventude como sintoma da cultura. In: Novaes, Regina; Vannuchi, Paulo. (Orgs.). Juventude e Sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005. p.89-114.
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Aline Maia é jornalista e professora universitária. Graduada e Mestre em Comunicação pela UFJF, tem experiência em rádio, TV e internet. Interessa-se por pesquisas sobre televisão, telejornalismo, cidadania e juventude.Também é atuante em movimentos populares e religiosos.
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