Juros altos e consumo maior de serviços travam comércio e indústria

Por LEONARDO VIECELI

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O comércio varejista e a produção industrial patinaram em agosto no Brasil, enquanto o setor de serviços continuou em alta em meio ao processo de reabertura da economia, sinalizam dados de pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Para economistas, há uma combinação de fatores que ajuda a explicar o contexto. Parte do varejo sente mais o efeito dos juros altos. O crédito mais caro dificulta o consumo de bens, sobretudo aqueles de maior valor.

Isso respinga na indústria, já que o comércio é destino de mercadorias produzidas nas fábricas. O aperto dos juros vem após a inflação reduzir o poder de compra da população.

Com o fim das restrições na pandemia, também houve uma mudança no consumo, apontam economistas. Recursos que antes eram direcionados somente para as compras no varejo passaram a ser divididos com gastos em serviços presenciais, como bares, restaurantes, hotéis e eventos.

"Há resquícios da saída da pandemia, o que está afetando positivamente os serviços. As pessoas agora estão consumindo mais serviços e menos bens", afirma Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.

"A gente também começa a ver uma demanda por crédito desaquecida em razão da alta dos juros. O comércio se ressente", diz.

Essa avaliação ganhou força nesta sexta-feira (14), após o IBGE informar que o volume de serviços prestados no país cresceu 0,7% em agosto, na comparação com julho. Foi o quarto mês seguido de alta.

O avanço superou as projeções do mercado financeiro. Analistas consultados pela agência Reuters esperavam ganho de 0,2%. Com o novo resultado, o setor ficou 10,1% acima do patamar pré-pandemia, registrado em fevereiro de 2020.

Segundo o IBGE, esse desempenho foi puxado por serviços mais voltados a empresas e que tiveram a demanda aquecida mesmo na crise sanitária. É o caso do transporte de cargas e de informação e comunicação.

Com a trégua da Covid-19, atividades presenciais também passaram a contribuir mais para o avanço do setor. Os serviços prestados às famílias, por exemplo, que reúnem bares, restaurantes e hotéis, cresceram em agosto (1%) pelo sexto mês consecutivo.

Esse ramo, porém, ainda está 4,8% abaixo do nível pré-pandemia. Os transportes estão 20% acima, e informação e comunicação superam fevereiro de 2020 em 14,1%.

No Brasil, o consumo de serviços é mais associado às famílias de maior poder aquisitivo, justamente aquelas que tiveram mais condições de acumular alguma poupança durante o período de restrições na crise sanitária.

"Os serviços vêm subindo bastante. Estão muito ligados à reabertura da economia", diz a economista Claudia Moreno, do C6 Bank.

"Na parte do varejo, os segmentos que em geral estão mais relacionados ao crédito sofrem mais", acrescenta.

Em agosto, as vendas do comércio varejista ficaram estagnadas no país, com variação negativa de 0,1%, segundo o IBGE. Foi o terceiro mês consecutivo no vermelho.

O setor encontra-se 1,1% acima do nível pré-pandemia. Já o varejo ampliado, que inclui veículos, motos, peças e material de construção, está 3% abaixo de fevereiro de 2020.

"As pessoas anteciparam o consumo [no comércio] durante a pandemia. Renovaram móveis, eletrodomésticos", diz Moreno.

A produção industrial, por sua vez, recuou 0,6% em agosto, após avanço de 0,6% em julho, revela o IBGE. O setor ainda está 1,5% abaixo do pré-pandemia.

O economista Rafael Cagnin, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), concorda com a avaliação de que a migração do consumo para serviços impacta a produção de bens na indústria e as vendas no comércio.

Ele também cita os efeitos dos juros altos e avalia que, mesmo em recuperação, o mercado de trabalho ainda apresenta fragilidades. Esses fatores, conclui, desafiam a retomada consistente das fábricas.

"Tudo isso é importante para a indústria. O consumo interno é um canal de escoamento da produção de bens."

AUXÍLIO AINDA NÃO GERA GRANDE EFEITO

Segundo Cagnin, os dados das pesquisas do IBGE ainda não mostraram grandes reflexos da ampliação do valor do Auxílio Brasil para R$ 600. O aumento do benefício foi uma das principais apostas do presidente Jair Bolsonaro (PL) para tentar melhorar seus índices de popularidade entre os eleitores de baixa renda.

"Temos muitas famílias endividadas. É possível que as primeiras parcelas sejam direcionadas para o pagamento de dívidas", analisa.

De acordo com o economista, o auxílio de R$ 600 tende a ficar mais concentrado em atividades como hipermercados e supermercados, que vendem produtos de primeira necessidade.

Sergio Vale, da MB, vai na mesma linha. "Com a inflação recente, esses recursos estão sendo mais direcionados para alimentos ou contas atrasadas. Não sobra muito para outros bens", indica.

Após a divulgação do desempenho de serviços em agosto, a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) elevou nesta sexta sua projeção para o crescimento do setor em 2022. A alta prevista para serviços passou de 2,9% para 3,4%.