Empresário é pragmático e tem resistência zero a Lula, diz anfitrião após jantar com petista
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - João Camargo, presidente do grupo de empresários Esfera Brasil e anfitrião do jantar que reuniu Lula com os maiores nomes do empresariado na semana passada, precisou tirar os móveis da sala para conseguir acomodar as 137 pessoas que confirmaram presença, entre elas, nomes como Abilio Diniz (Carrefour), André Esteves (BTG) e Rubens Ometto (Cosan).
Os sofás não couberam no elevador e saíram içados pela janela da cobertura de seu apartamento no Morumbi.
A princípio, seriam menos de 50 convidados, segundo Camargo, porém, foi tão grande o interesse em ouvir o líder nas pesquisas dias antes da eleição, que ele expandiu a lista. Apesar das ressalvas feitas no setor privado em relação aos rumos que Lula pode dar à economia, Camargo diz que o petista estava afinado. "Empresário é um ser pragmático. Eu acho que a resistência ao Lula, aqui, não existiu", diz.
Fundado em 2021, o grupo Esfera se apresenta como um think tank que reúne representantes do setor público com o setor privado para pensar o Brasil. Tem semelhanças com o Lide, do ex-governador de São Paulo João Doria. Mas Camargo afasta a comparação e nega qualquer interesse de entrar na política no futuro.
"Fiz um compliance em que não posso exercer cargo público, dar declaração política nem ser filiado a partido", diz.
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Folha - Dias antes do 1º turno, o sr. reuniu Lula com dezenas de empresários e já havia feito o mesmo com Bolsonaro semanas antes. Como a Esfera Brasil, um grupo formado há pouco tempo, conseguiu isso em meio à polarização?
João Camargo - Acho que sou uma pessoa de relacionamento nato. Antes da Esfera, fui convidado para 15 confrarias. Eu quis fazer uma coisa mais pró-Brasil e esquecer esse assunto de confraria. Eu pensava muito em montar a Esfera, quando veio a Covid.
Aí, fui formulando, fiz um compliance bem-feito, em que não posso exercer cargo público nem dar declaração política nem ser filiado a partido. Tem altas multas em algumas empresas com as quais eu assinei. Em julho [de 2021], comecei a fazer [reuniões] em casa com protocolo sanitário, PCR, álcool em gel e máscara.
Começamos a fazer a Esfera assim, e teve sucesso. Veio Paulo Guedes, quatro vezes, Guilherme Boulos, o Fernando Haddad, três vezes, veio o Emídio [de Souza, deputado estadual do PT]. Fizemos reunião com vários presidentes de partidos, a Gleisi Hoffmann, do PT, o Bruno Araújo [PSDB], Carlos Lupi [PDT].
Começamos a estimular essa classe geradora de empregos, que gera riqueza para o país, que corre risco, a conversar com o poder público.
Folha - Como foi o evento com Lula na terça?
João Camargo - Nós não tínhamos certeza de que íamos fazer com o Lula no primeiro turno. Eles só confirmaram no domingo. Eu estava na praia, descansando, e me ligaram às 11h da manhã. Voltei correndo e comecei a chamar os 45 membros [do grupo Esfera]. Aceitaram de primeira. Foi o primeiro evento com 100% de presença dos membros.
Mas, como a campanha está muito dinâmica, e está no final, e o Lula está em primeiro nas pesquisas, muitos membros quiseram trazer algum sócio e outras pessoas que não pertencem à Esfera. Eram muito representativos. Então, acabei abrindo exceção, e 137 pessoas apareceram no dia.
Tive de chamar uma empresa de engenharia para trazer um guindaste no meu apartamento [para tirar os móveis]. Eu moro na cobertura, o sofá não cabia no elevador para descer. Tive que içar os móveis e depois colocamos umas 80 ou 90 cadeiras para comportar essas 137 pessoas que vieram a um evento recorde que a Esfera fez com Lula.
Folha - O que sentiu por parte dos empresários? Alguma resistência ao candidato? Como foi o clima?
João Camargo - Empresário é um ser pragmático. O empresário é pró-Brasil. Não tem isso de paixão. O empresário é uma pessoa mais fria. Eu acho que a resistência ao Lula, aqui, não existiu. Acho que foi zero de resistência. Agora, ele realmente estava muito afinado.
Ele falou para eu escolher três pessoas para dizerem qual é o Brasil que eles querem, e ele diria se seria possível atender. Depois de ouvi-los, concordou, desde que ele consiga cumprir uma promessa dele de inclusão social e de tirar da miséria 31 milhões de pessoas que estão passando fome. Falou que vai fazer vários comitês que vão ter vários tipos de empresários, mas com trabalhadores juntos.
Foi um discurso muito proveitoso, sincero, honesto. Acho que as pessoas saíram daqui satisfeitas, aliviadas.
Folha - E a ocasião com Bolsonaro, como foi?
João Camargo - Bolsonaro foi um mês antes. Foi no dia em que o ministro Alexandre de Moraes fez aquela busca e apreensão naqueles empresários [do grupo de WhatsApp em que se defendeu golpe]. Então, foi um momento tenso.
Bolsonaro chegou apreensivo. Ele veio com ministros. Acho que não estava em um dia muito propício. Mas foi um encontro muito bom, proveitoso. Bolsonaro, no final, também se expressou muito bem, não teve dúvida de urnas.
A gente quer um Brasil seguro para o capital poder investir. Fizemos um seminário com os Três Poderes e falamos da garantia dessas eleições. Também fizemos um seminário com o ministro Lewandowski, vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que falou para mais ou menos 40 pessoas aqui sobre a segurança da urna eletrônica.
Ele nos confidenciou que, quando foi com o ministro Alexandre de Moraes levar o convite da posse deles no TSE para Bolsonaro, ele disse ao Guedes: "Ministro, quando eu faço um Pix para o senhor, o senhor acredita que o dinheiro sai da minha conta e vai para a sua? O senhor tem alguma dúvida? O voto eletrônico é muito mais simples do que isso. Quando vai ao mercado, pega o carrinho, passa no caixa e a soma total é aquela, dúvida daquela soma? A gente não duvida porque sabe que é exata. A urna eletrônica é muito mais simples".
Folha - Após a eleição, qual é o próximo evento?
João Camargo - Estamos fazendo um grande estudo de segurança do capital estrangeiro. Levantamos com os associados quais são as dores do capital estrangeiro, seja na parte jurídica, tributária e criminal. Estamos tentando resolver algumas delas, ou por portarias no novo governo, ou por decreto, ou até por projeto de lei.
Também vamos fazer um seminário para pensar o Brasil, de 25 a 27 de novembro. Fechei o Casagrande Hotel inteiro [em Guarujá], 300 apartamentos. Vou chamar a equipe que formulou o plano econômico, de infraestrutura, tecnologia, saúde e educação do candidato vencedor. Vamos introduzi-los com alguns empresários e fazer lounges, pensando Brasil e onde pode melhorar. Vamos debater com o atual governo, ou pelo menos dialogar.
Folha - A Esfera lembra muito o que era o Lide, anos atrás. A Esfera é um novo Lide. Você é o novo Doria?
João Camargo - A pergunta é interessante. Eu tento desmistificar isso ao máximo. Nós somos um think tank. A gente só pensa Brasil. Não quero passar de 50 sócios. Digo isso desde o primeiro dia em que fundei a Esfera. Demanda para ir para 300 é fácil. Mas é artesanal. Eu preciso ligar para um, fazer um comitê com dois ou três, sentar, pensar Brasil.
Se eu colocar muita gente, não vou entregar o meu propósito, que é um Brasil melhor. Aí vai ficar uma coisa de B2B [business to business ou negócio entre empresas]. Eu não sou B2B e não sou um protótipo de gerente de eventos. A gente faz poucos eventos, mas ricos em conteúdo e sempre para melhorar o país.
Folha - E se vier a possibilidade de ir para a política, como fez João Doria?
João Camargo - Não posso ir, porque o nosso compliance para essas grandes empresas que aceitaram se afiliar à Esfera é muito rigoroso. Eles se sentiram confortáveis de que eu não vou fazer da Esfera um trampolim político ou que vá ocupar um cargo público ou dar uma declaração que possa comprometer grandes empresários.
Fizemos algo apartidário, pró-Brasil e sem grandes paixões. A Esfera é uma bola que não tem lado. E eu percebi que ia dar certo porque, quando eu chego, o time do Bolsonaro diz: "Opa, chegou o nosso amigo lulista". E o time do Lula diz: "Chegou nosso amigo bolsonarista". É porque eu estou no meio de uma esfera. Então, estou sendo bem-aceito por um lado e pelo outro.
Folha - O Esfera conseguiu reunir os empresários com Lula e Bolsonaro, coisa que o Lide já não consegue. Acha que o fato de Doria ter ido para a política quebrou pontes do Lide?
João Camargo - No caso do Lide eu não sei te responder. No caso da Esfera, que é um think tank para pensar Brasil, não dá para misturar um ingresso na política. Se você espera ter um resultado melhor, não dá para misturar. Na Esfera, eu estaria traindo a confiança dos meus associados e pagaria multas por isso.
A Esfera é um think tank pequeno. Para fazer um propósito pró-Brasil, não posso me envolver em partido ou paixão política. O governo dura quatro anos. O Brasil já está com 500 anos, e esse nosso projeto não é para melhorar o Brasil de pirlimpimpim. São maturações, ideias, contratação de profissionais, economistas, para pensar um Brasil melhor.
Para mudar, vai demorar cem anos, 200 anos, mas, se a gente melhorar o Brasil e diminuir os nós de crescimento, todos vamos sair ganhando. Desde a classe da base da pirâmide até o pico da pirâmide vai sair ganhando.
Esfera Brasil
Criado em julho de 2021, o Esfera Brasil tem hoje 43 associados que participam dos encontros com representantes do poder público. O grupo, que se posiciona como apartidário, já recebeu nomes como o presidente Jair Bolsonaro, o ex-presidente Michel Temer e os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco