Juro real sobe em meio a batalha do BC contra expectativas de inflação

Por EDUARDO CUCOLO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A queda da inflação nos últimos meses pode ser explicada por uma combinação de redução de tributos, queda de preços de commodities em reais e efeito da política monetária.

Para que esse processo se mantenha nos próximos meses, no entanto, será necessário acrescentar nessa equação uma solução para o problema fiscal desenhado para 2023, que afeta as expectativas de inflação e, desse modo, o juro real.

A taxa real de juros pode ser medida pela diferença entre as expectativas para os juros e para a inflação nos próximos 12 meses. Atualmente, está em 8,2% ao ano, segundo cálculo da MCM Consultores, que considera a média no atual trimestre. É o maior valor em uma lista tem 40 países, segundo o ranking da gestora Infinity Asset Management.

Esse é o maior nível em sete anos, desde os quase 10% alcançados no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff (PT).

Mesmo com a taxa básica de juros mantida em 13,75% ao ano por um longo período, como indicou o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) na sua última reunião, o aperto monetário deve crescer nos próximos meses, levando o juro real a aumentar ainda mais.

A economista do Itaú Unibanco Julia Gottlieb afirma que a queda recente da inflação é uma combinação entre redução de impostos, preço de commodities e efeitos de política monetária. O indicador diário de atividade da instituição (Idat), por exemplo, mostra desaceleração em setores mais ligados a crédito, como móveis, eletrodomésticos e veículos, há algum tempo, reflexo da alta dos juros.

"Se a gente olhar o juro real, só passou acima do patamar neutro no último trimestre do ano passado, ficou mais contracionista ao longo deste ano, e o efeito maior disso tende ainda a aparecer ao longo do segundo semestre e de 2023", afirma.

Ela diz que a intensidade e o início do ciclo de corte de juros ficarão condicionados à sinalização de como vai ser o arcabouço fiscal, e como vai evoluir a atividade econômica e os impactos disso sobre a inflação.

O economista Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, afirma que grande parte da queda recente da inflação está ligada a preços de commodities e corte de tributos, mas que, sem a atuação do BC, a economia estaria ainda mais aquecida, e a inflação mais pressionada.

Segundo o economista, a inflação foi impulsionada pelos choques de oferta provocados pela pandemia e pela Guerra da Ucrânia, mas tem também um componente de demanda. E o BC deve agir para evitar que esses choques sejam repassados para toda a economia.

"O BC se antecipou neste ajuste e agora está terminando, enquanto outros bancos centrais ainda estão talvez na metade do processo. Mesmo com a Selic parada agora, fatalmente vai ter uma taxa de juros real crescente nos próximos meses."

José Júlio Senna, ex-diretor do BC e chefe do Centro de Estudos Monetários do FGV Ibre, afirma que o Brasil está vivendo um momento de convergência de vários fatores que estão ajudando a trazer a inflação e as expectativas para baixo. Entre eles, a atuação do BC.

Mas ele diz que esse cenário de melhora pode ser revertido caso o próximo governo decida primeiro pedir uma licença para gastar (o chamado "waiver fiscal") e deixe para depois a definição de uma nova regra para os gastos públicos.

"As duas coisas têm de vir juntas. Se você só aprovar a licença para gastar, se colocar o carro na frente dos bois, as expectativas de inflação para o ano que vem não vão melhorar", afirma.

"Não dá para deixar o combate à inflação inteiramente nos ombros do Banco Central. O lado fiscal e institucional precisa ser conduzido adequadamente para dar suporte à política monetária. E, até agora, esse lado fiscal e institucional não tem ajudado muito. Pelo contrário, tem prejudicado a condução da política monetária."

Elisa Machado, economista-chefe da ARX Investimentos, afirma que é importante o BC manter o discurso de que continuará comprometido com o combate da inflação. "O Banco Central ainda tem uma batalha para ganhar, que é a batalha das expectativas de inflação. As expectativas para 2022 reagiram muito a essas mudanças tributárias, mas elas ainda estão acima da trajetória de metas para 2023 e 2024."

Na ata da última reunião do Copom, o BC afirmou que a redução recente da inflação foi fortemente influenciada pelo corte de impostos e, em menor medida, pela queda dos preços internacionais de combustíveis.

Já os componentes mais sensíveis ao ciclo econômico e à política monetária, que apresentam maior inércia inflacionária, mantêm-se acima do intervalo compatível com a meta para a inflação.

O BC também diz que o repasse da taxa Selic para as taxas finais de diferentes modalidades de crédito tem ocorrido conforme o esperado e que grande parte do impacto da política monetária ainda está por ser observada, tanto na atividade econômica quanto na inflação. Citou ainda como riscos a incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos adicionais que impliquem sustentação da demanda.