PEC da Transição faz mercado apostar em alta dos juros pelo BC
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As sinalizações do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a condução da política fiscal a partir de 2023 têm sido recebidas de maneira bastante negativa pelos agentes de mercado.
A PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, que deve ser apresentada pelo governo eleito nesta quarta (16), com a previsão de deixar fora do teto de gastos os recursos para bancar as despesas previstas com o Bolsa Família, tem se refletido em queda da Bolsa de Valores e alta no mercado de juros futuros ?que embutem as expectativas dos agentes econômicos sobre a trajetória da política monetária à frente.
Com a expectativa de deterioração fiscal a partir da proposta de gastos fora do teto, os investidores já passam a prever a necessidade de o BC (Banco Central) ter de ser ainda mais agressivo e voltar a aumentar a taxa Selic nos próximos encontros do Copom (Comitê de Política Monetária).
O contrato de juros com vencimento em 2024, por exemplo, avançou de 13,75% no fechamento de segunda-feira para 14,11% nesta quarta, enquanto o título para 2027 subiu de 12,79% para 13,15%. Hoje a taxa Selic encontra-se no patamar de 13,75% ao ano, tendo saído da mínima histórica de 2% ao ano, em março de 2021.
"Um governo que tem uma dívida crescente, especialmente de um país emergente com juros altos, acaba desembocando em aumento de impostos ou da inflação em algum momento no tempo", afirma Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos.
"É muito difícil imaginar uma economia estável com um buraco nas contas públicas crescente", acrescenta o especialista.
Megale diz que inicialmente o mercado projetou um valor fora do teto de gastos entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões para abarcar a manutenção do Bolsa Família em R$ 600, mas que rapidamente as discussões em Brasília caminharam para um valor mais de duas vezes as estimativas iniciais, beirando a casa dos R$ 200 bilhões.
Segundo o economista-chefe da XP, confirmado esse cenário à frente, as despesas certamente irão crescer muito além do limite que levaria a um equilíbrio da dívida no longo prazo, remontando possivelmente ao quadro macroeconômico observado entre 2010 e 2015, com gastos e dívida crescentes, inflação e juros altos e queda da atividade econômica.
"Se estamos voltando para aquele período, o que o mercado está passando a precificar são as variáveis parecidas com aquele momento, com os juros na época em 14,25% e a inflação acima da meta", diz Megale.
Ele afirma ainda ser difícil prever até que patamar a taxa de juros poderia chegar para que o BC conseguisse controlar a inflação, uma vez que ainda permanece uma série de indefinições sobre a política econômica a partir do ano que vem, como qual será a regra fiscal e a própria composição do Ministério da Fazenda.
"Estamos caminhando para um equilíbrio macro que pressiona a inflação, pressiona a taxa de câmbio e exige do BC uma postura diferente do que seria a postura em um cenário de reequilíbrio fiscal e desaceleração da inflação", diz o economista. "Ainda estamos no escuro, no aguardo de mais informações, mas a direção parece ser de estarmos voltando para o período pré-teto dos gastos."
AUMENTO DESCONTROLADO DOS GASTOS PODE LEVAR A UMA RECESSÃO EM 2023, AFIRMA ECONOMISTA
"Por enquanto as sinalizações têm sido muito ruins", endossa Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Considerado o valor de R$ 175 bilhões fora do teto indicado até agora pela equipe de transição de Lula, o déficit das contas públicas em 2023 pode beirar um patamar ao redor de R$ 300 bilhões, projeta o economista.
Um déficit de tal magnitude, diz Vale, faz o mercado se questionar como se dará o financiamento desse rombo fiscal, sendo o corte de gastos e o aumento de impostos as duas principais alternativas possíveis.
No entanto, com as dificuldades conhecidas do governo para reduzir o nível de gastos, a saída mais provável deve ser um aumento da já elevada carga tributária, prevê o economista-chefe da MB Associados.
"É uma situação fiscal complicada, o que pode significar que o BC terá de ser mais agressivo com os juros, seja mantendo a Selic em 13,75% por mais tempo ou aumentando a taxa de juros quando tiver uma clareza maior sobre a questão fiscal", diz Vale.
Ele acrescenta que, em um cenário de juros mais altos por mais tempo, o crescimento previsto para o PIB (Produto Interno Bruto) para 2023, que já é baixo, entre 0,5% e 1%, pode caminhar para mais perto de zero, ou eventualmente até levar a uma recessão da economia no próximo ano.
No boletim Focus de 11 de novembro, os economistas projetam a taxa Selic em 11,25% ao ano em dezembro de 2023, com um crescimento do PIB de 2,77% neste ano, e de 0,70% no próximo.
IRRESPONSABILIDADE FISCAL SERIA UM TIRO NO PÉ, DIZ ECONOMISTA
Economista-chefe da gestora Neo Investimentos, Luciano Sobral diz que a indicação de uma política fiscal de caráter expansionista, que force o BC a ter de manter os juros mais altos por mais tempo do que o mercado previa até então, é um "tiro no pé" do próprio governo que ainda nem sequer assumiu.
Sobral assinala que uma das principais fontes de gastos do governo são os encargos relativos ao pagamento da dívida federal, e, portanto, quanto maior forem os juros, maior será o valor despendido pelo governo para honrar essa obrigação, sobrando menos recursos para investir em outras frentes.
De toda forma, o economista-chefe da Neo Investimentos diz também não acreditar em um cenário no qual o governo eleito irá seguir por um caminho que levará à implosão das pontes com o mercado ainda no primeiro ano do novo mandato.
"A gente está apostando em um cenário menos pior do que o que o mercado está precificando agora", afirma Sobral.
Ele prevê que as discussões do governo junto ao Congresso devem resultar em uma solução no meio do caminho entre o que tem sido sinalizado pela equipe de transição nomeada pelo PT e os anseios dos agentes financeiros quanto a uma política fiscal mais austera.
"Se for tirado até R$ 100 bilhões do teto, dá para ter uma trajetória razoável da dívida. Não é o melhor dos mundos, mas também não é a tragédia que o mercado está pintando hoje", diz o especialista.