Haddad prepara primeiras definições para enfrentar desafios na Fazenda

Por ALEXA SALOMÃO E FÁBIO PUPO

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Anunciado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad tem a partir da próxima semana um desafio duplo. Contribuir para resolver o imbróglio do Orçamento de 2023 enquanto prepara as primeiras definições para os desafios na pasta.

A lista de tarefas, que inclui reformas de longo prazo que mexerão de forma imediata com diferentes interesses, está sendo iniciada pela montagem de sua equipe econômica. A expectativa é que sejam buscados nomes da política, da academia e da economia paulistanas -onde estão boa parte de seus aliados.

Entre os nomes que têm bom trânsito com o futuro ministro e são cotados -não apenas para a sua pasta, mas para diferentes funções na área econômica-, estão profissionais de diferentes matizes.

Guilherme Mello, que participou da elaboração do programa de governo e está no grupo de transição da economia. Gabriel Galípolo, ex-presidente do banco Fator e integrante do grupo de transição da infraestrutura. Marcos Cruz, que atuou na consultoria global McKinsey & Company e foi secretário de Finanças de Haddad na Prefeitura de São Paulo. Bernard Appy, ex-secretário da Fazenda nas gestões anteriores de Lula e especialista em tributação (e autor de uma das principais modelos de reforma tributária em discussão hoje no país).

Ainda que aos olhos do mercado o PT pareça distante do receituário liberal pregado por estandartes como o Banco Mundial, que entregou nos últimos dias um plano com sugestões do gênero para Haddad, o partido e o próprio futuro ministro vêm mostrando disposição para seguir com as reformas. A seguir, esses e outros desafios do novo ministro da Fazenda com as primeiras indicações de como eles serão enfrentados.

Prazo recorde para fazer novo arcabouço fiscal A formatação do novo arcabouço fiscal é considerada a grande tarefa após a posse. A mudança, que já era uma vontade expressa por membros do PT desde o ano passado, virou um compromisso expresso na PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, que já passou pelo Senado e precisa ser aprovada na Câmara.

O texto até agora diz que o presidente da República encaminhará ao Legislativo até 31 de agosto de 2023 um projeto de lei para "instituir um regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico".

A PEC prevê ainda que, ao ser sancionada tal lei, fica automaticamente revogado o teto de gastos.

Na prática, isso significa que a equipe econômica terá apenas oito meses para definir os parâmetros do novo arcabouço, produzir uma nova legislação fiscal e consolidar o consenso econômico e apoio político para a proposta. Segundo Haddad, as discussões vão mobilizar a nova equipe já na largada dos trabalhos.

"Teremos dois ou três meses para discutir com a equipe montada [o novo arcabouço fiscal]", afirmou Haddad à reportagem. "É uma decisão de governo, não da transição, que aponta necessidades e projeta cenários."

O debate será intrincado porque há muitos modelos e opiniões sobre o tema. Desde que Lula foi eleito, por exemplo, já vieram a público ao menos cinco desenhos -sendo dois do Ministério da Economia, embora só um deles do núcleo duro do corpo técnico do Tesouro Nacional.

O grupo de economistas da transição, que reúne Persio Arida, André Lara Resende, Nelson Barbosa e Guilherme Mello, além de entregar o diagnóstico da Economia, também já está redigindo sugestões para a elaboração desse novo arcabouço. Segundo Haddad, os pilares ainda estão em discussão.

"Restrições, só ouvi em relação à ideia de meta de dívida", diz ele.

O grupo da transição entende que trajetória de endividamento no longo prazo é parte de um regramento fiscal, no entanto não considera adequado estabelecer uma meta fixa, uma vez que a relação entre dívida e PIB (Produto Interno Bruto) depende de inúmeros fatores que estão fora do controle do governo. Além do próprio resultado do PIB, a lista inclui os impactos de inflação, juros, câmbio, swaps cambiais, operações compromissadas do Banco Central e até decisões do STF (Supremo Tribunal Federal).

Na União Europeia, por exemplo, existem indicativos de longo prazo para a dívida que, se rompidos, demandam a apresentação de um novo plano fiscal. Não há indicador engessando a meta.

Acomodar os valores da PEC no Orçamento de 2023 Na reta final do ano, após o PT ter conseguido a aprovação da PEC da Transição no Senado, o desafio é manter uma costura política com o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e evitar uma desidratação do texto na Casa. Logo após a aprovação, a equipe econômica de Lula -da qual Haddad será o principal representante- terá de negociar com o Congresso a definição de para onde vai o gasto extra permitido ao modificar a proposta orçamentária de 2023 enviada pelo governo Bolsonaro.

O Orçamento de 2023, mesmo com a futura ampliação do valor, permanece como um quebra-cabeça financeiro.

Basicamente, a PEC amplia o teto de gastos em R$ 145 bilhões em 2023 e 2024 para o pagamento do Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família) e libera outros R$ 23 bilhões para investimentos fora do teto em caso de arrecadação extraordinária de receitas -além de conter outras medidas.

Com as adequações proporcionadas pela PEC, será preciso fazer uma varredura para iniciar a recomposição financeira de cada pasta e equilibrar as necessidades para as políticas públicas com os interesses políticos do Congresso -principalmente se as emendas de relator sobreviverem ao julgamento do STF.

"Espero que [Haddad] seja esperto para ajudar [na tramitação da PEC]. Espero. Se fosse para atrapalhar, não seria indicado", afirmou Lula em entrevista à imprensa sobre a escolha do futuro ministro.

Desmembrar o superministério da Economia e manter diálogo com pares Já está decidido que o atual Ministério da Economia será desmembrado em três pastas. Além da Fazenda, que Haddad vai assumir, serão recriados o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e o Ministério da Indústria, Comércio e Serviços.

Segundo o coordenador de grupos técnicos do gabinete de transição, o ex-ministro Aloizio Mercadante, ainda está em discussão como fica a estrutura do novo Planejamento. As áreas de gestão orçamentária e de pessoal, mais de curto prazo, podem ser separadas da da área de estruturação de políticas públicas de longo prazo.

Haddad já declarou que antes de tomar as primeiras decisões quer sentar para conversar com seu par no Planejamento.

A busca de afinação desses três entes sempre foi desafiadora. Recompor a estrutura significa dividir funções e poderes hoje concentrados, e conseguir o equilíbrio entre as demandas de cada pasta que chegam a ser opostas.

Um exemplo. Quem atua na macroeconomia no governo eleito, com um discurso típico do Ministério da Fazenda, diz que é necessário reduzir os gastos tributários, basicamente isenções, que já estão na casa de R$ 450 bilhões por ano. No entanto, as correntes que defendem a ação do Estado em favor da economia, normalmente abrigadas no Ministério da Indústria, Comércio e Serviços, já falam sobre a necessidade de impulsionar alguns setores.

Fechar consenso para destravar a reforma tributária O debate sobre o novo arcabouço fiscal está vinculado a uma reforma tributária, principal tecla em que Haddad bateu conforme crescia a especulação sobre seu nome para a Fazenda.

A reforma tributária é defendida por ele como necessária para reduzir o custo Brasil. Ele diz ser possível aprovar uma das propostas que está no Congresso já no primeiro semestre do ano que vem. Impossível não é.

O problema é, como qualquer reforma, enfrentar os diferentes interesses envolvidos. A PEC 45, que o PT sinaliza como a sua preferida, sofre resistências desde que se fortaleceu no Congresso. Os empresários do comércio temem o tamanho da alíquota resultante da fusão de impostos, os dos serviços preferem a criação de um imposto digital com uma desoneração da folha de pagamento de salários e os da agricultura a consideram terrível por haver efeitos como a oneração da cesta básica e a tributação de insumos hoje isentos.

A discussão será ainda mais desafiadora se houver aumento da carga tributária, o que é uma possibilidade real diante do tamanho dos rombos fiscais que se desenham para os próximos anos.

Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda e da Economia e atual integrante da equipe de transição, já disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo sobre a nova regra fiscal que "o gasto tem que ser compatível com a carga tributária que a sociedade aceita pagar, então depende do que a sociedade vai aceitar na reforma tributária".

A procura por mais arrecadação por meio de elevação da carga tributária teria como barreira a resistência da população, mas pesquisas indicam que haveria mais aceitação se a maior cobrança se restringir às classes mais altas.

Colocar em marcha a reforma administrativa Citada entre economistas do PT como necessária para baixar os salários de entrada no poder público e aumentar o tempo de progressão de carreira, a reforma administrativa é defendida por Lula e vai exigir do partido um significativo esforço de convencimento para que o tema não vire uma batalha contra os servidores.

Novamente aqui, a afinação entre Fazenda e Planejamento será fundamental.

Como diria o diretor do Banco Mundial para o Brasil Johannes Zutt, as reformas sempre gerarão vencedores e perdedores -sendo que os perdedores notam rapidamente que estão sendo passados para trás e fazem bastante barulho, e os vencedores demoram a se dar conta do que vão ganhar.

Além de propostas acertadas, é requisito da missão ter a liderança política para manter a convicção nas reformas e convencer o Congresso e a sociedade sobre a necessidade delas. O Plano Real foi uma amostra disso ao nascer das mãos de uma elite de economistas, mas ir adiante sob a condução política do então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso -que, inclusive, foi eleito presidente da República em primeiro turno após a passagem pela pasta.