Brasileira se sentiu barrada ao tentar comprar bolsa de R$ 30 mil
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Eu fiquei obcecada." Corria o ano de 2012 quando Michelle Marie Hirome Sacchi, então com 32 anos, ouviu uma inesperada recusa da boca do vendedor da luxuosíssima Maison Hermès, no número 24 da rue du Faubourg Saint-Honoré, em Paris: "Não temos a bolsa Kelly".
Ícone do luxo, o acessório ganhou este nome em homenagem à princesa Grace Kelly, de Mônaco, que, perseguida por paparazzi, escondeu enquanto pode a gravidez da sua primeira filha, Caroline, usando a bolsa.
Hoje, uma Kelly "básica" custa entre 6.000 euros (R$ 33 mil) e 9.000 euros (R$ 50 mil).
"Básica" porque existem modelos superexclusivos, como a de couro de crocodilo albino com diamantes, que em setembro foi vendida pela casa de leilões Sotheby's em Paris por US$ 345 mil (R$ 1,8 milhão).
A Kelly que Michelle procurava dez anos atrás custava EUR 5.600 (cerca de R$ 31 mil). Ela tinha o dinheiro e queria comprar. Mas a marca achava que a Kelly não deveria estar nos seus braços, afirma a brasileira. Segundo ela, dizer que o produto estava em falta foi a estratégia para que a pré-seleção soasse gentil.
Advogada especializada em família e sucessão, Michelle estava em Paris para o seu primeiro curso em busca de uma transição de carreira para a área de moda e estilo.
Ouviu falar do glamour envolvendo a casa Hermès, que nasceu em 1837 como uma fabricante de arreios para os cavalos dos nobres europeus, e do costume da marca de 'escolher' as clientes. Decidiu testar e foi à loja da rue du Faubourg Saint-Honoré.
Foi com uma amiga brasileira. Cada uma pediu um modelo diferente da Hermès: Michelle queria a Kelly e, a amiga, uma Birkin. Simpático, o vendedor as atendeu em inglês e as conduziu para uma sala em separado, dentro da loja. Depois de uma espera de aproximadamente 30 minutos, voltou com o veredito: "Talvez eu consiga amanhã", afirmou. "Mas só vou ter uma. A Birkin."
"A amiga que estava comigo era brasileira, mas tinha traços delicados, europeus", diz Michelle. "Eu tenho traços latinos, uma mistura de sangue japonês, italiano, índio, negro. Foi a maneira de eles me dizerem que não tinha sido eleita para participar do clube deles", acredita.
A reportagem questionou a Hermès a respeito dos critérios para a venda de bolsas da grife. Não obteve resposta até a publicação deste texto.
No mesmo ano, em 2012, Michelle foi para Nova York. Mais uma vez, buscou a Kelly em uma loja Hermès, agora na 15 Broad Street, em Manhattan. A resposta foi a mesma: "Não temos Kelly."
"Eu sentia que podia comprar qualquer coisa da loja -pulseiras, cintos, perfumes, tudo o que estava exposto. Mas não a bolsa, que fica em uma área reservada, exclusiva. Aquilo acabou virando uma obsessão para mim."
Ainda em 2012, agora com o então marido, em uma viagem de férias em Saint Barth, no Caribe, ela não se esqueceu da peça que faltava no seu closet. "Ele tinha traços caucasianos, achei que ele seria bem-sucedido e pedi que ele fosse comprar a bolsa."
O ex-marido de Michelle foi atendido: eles tinham uma Kelly. Foi quando ele chamou a ex-mulher para entrar na loja. Ela viu a bolsa em uma caixa lacrada, aberta pelo vendedor usando luvas. Era laranja, a cor que ela buscava. Mas nada de retirar da caixa, experimentá-la, ver-se diante do espelho. Ela só pagou pela bolsa e a levou para casa. "Não tive coragem, não queria correr o risco de ficar sem ela."
"A Kelly ficou muito tempo guardada, como um item de colecionador. Usei poucas vezes, em eventos mais elegantes. Quem não conhece a bolsa a considera um item comum", diz Michelle. "Fui me desapegando aos poucos até vendê-la, este ano. Não queria ficar com nada associado ao meu ex-marido", diz a advogada, que se separou dois anos depois da conquista em Saint Barth. Hoje está casada novamente.
Kelly de R$ 17 mil foi revendida por R$ 80 mil
A Kelly se mostrou um bom investimento. "Compramos na época pelo equivalente a R$ 17 mil. Eu revendi por R$ 50 mil para uma loja second hand [brechó de luxo]. Se soubesse, teria pedido outras de presente", brinca. A bolsa de Michelle foi revendida por R$ 80 mil. Hermès é a maior marca de luxo em valor de revenda.
Com uma longa lista de bolsas de grife -Chanel, Prada, Valentino, Yves Saint Laurent, Gucci, Louis Vuitton- Michelle não sente falta do acessório da Hermès. "Não passaria por isso de novo", diz ela, que sentiu ter sido alvo de preconceito. "Àquela época, eu queria pertencer àquele grupo, a qualquer preço. Mas hoje sei que isso não é fundamental", diz. "Hoje eu consumo itens de luxo porque compreendo o conceito de exclusividade, o trabalho artesanal, a história da marca. Antes era apenas por pertencimento."
À frente do escritório Michelle Marie Consultoria, hoje ela presta serviços como personal shopper e consultoria de imagem.
Princesa de Mônaco foi a maior garota propaganda da Hermès Dos itens de montaria do final do século 19, a Hermès começou a fabricar nos anos 1910 artigos de couro e roupas com zíperes -dispositivo que foi usado com exclusividade pela Hermès, a ponto de os zíperes serem chamados na Europa de "fermeture Hermès" (fecho da Hermès). As bolsas femininas começaram a ser fabricadas há um século, em 1922, e cinco anos depois foi lançada a primeira coleção de alta-costura.
A aura de luxo, exclusividade, qualidade e glamour que passou a acompanhar a marca Hermès teve a ajuda de algumas celebridades atemporais. Além da princesa de Mônaco, Jaqueline Kennedy era fã dos lenços de seda Hermès.
Já a cantora inglesa Jane Birkin tornou-se uma inspiração para uma nova bolsa da marca depois de encontrar um diretor da Hermès em um voo de Londres a Paris. A bolsa de palha de Jane caiu e suas coisas se espalharam dentro do avião. Ela reclamou para o executivo que deveria haver uma Hermès maior do que uma Kelly, para caber todas as suas coisas.
Três anos depois nasceu a Birkin, cujos preços variam hoje de US$ 9.000 (R$ 47 mil) a US$ 14 mil (R$ 73 mil) nos modelos básicos.