Brasil ganha vendedores por telefone e perde artesãos na pandemia; veja ranking

Por LEONARDO VIECELI

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Profissões menos dependentes do contato direto com clientes e vagas ligadas à área de tecnologia estão entre as que mais cresceram, proporcionalmente, em relação ao patamar pré-pandemia no Brasil.

Na contramão, empregos associados a atividades presenciais ou na mira dos cortes de custos das empresas registraram as maiores quedas na ocupação durante a crise sanitária e ainda não recuperaram o nível pré-coronavírus.

As conclusões são de um levantamento do economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, a partir de microdados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua). A Pnad é divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O levantamento analisou 163 ocupações. Cada uma tinha pelo menos 100 mil pessoas empregadas no terceiro trimestre de 2022.

Desde o início da pandemia, a ocupação que mais cresceu, em termos proporcionais, foi a de vendedores por telefone. O salto foi de 151,7%, segundo o levantamento.

O total de vendedores por telefone passou de quase 141 mil no quarto trimestre de 2019, antes da crise sanitária, para 354,9 mil no terceiro trimestre de 2022. O acréscimo foi de 213,9 mil vagas.

Já o número de vendedores a domicílio caiu 22,5% no mesmo período, de 1,7 milhão para 1,3 milhão. A baixa foi a quinta maior do levantamento em termos relativos.

"A pandemia trouxe novos hábitos, mudou comportamentos. E isso mudou, em parte, o mercado de trabalho", afirma Imaizumi.

Para o analista, os dados dão uma dimensão do impacto econômico das restrições à circulação de pessoas na crise sanitária.

"Parte dos vendedores pode ter deixado de atuar nos domicílios, passando a trabalhar por telefone. Assim, a classificação do emprego mudou."

O aumento na ocupação dos vendedores por telefone veio acompanhado por uma queda de quase 12% na renda média do trabalho desses profissionais.

O rendimento encolheu de R$ 2.462 no quarto trimestre de 2019 para R$ 2.168 no terceiro trimestre de 2022. Os dados consideram as remunerações em termos reais, com o desconto da inflação do período.

A perda de renda ocorreu em meio a um cenário de inflação elevada. Também pode estar atrelada a uma geração de vagas com salários mais baixos.

Conforme o levantamento, desenvolvedores de programas e aplicativos (softwares) formam a segunda ocupação que mais cresceu na pandemia: 144,4%.

O número de ocupados nessa profissão aumentou de 58,3 mil no quarto trimestre de 2019 para 142,4 mil no terceiro trimestre de 2022 (84,1 mil a mais).

"É um movimento ligado à nova economia. A pandemia elevou a demanda por tecnologia, que já existia e ficou ainda mais forte", avalia Imaizumi.

Jornalistas (77,2%), dirigentes de serviços de tecnologia da informação e comunicações (73,2%) e trabalhadores de serviços de transporte (72,2%) vieram na sequência do ranking das maiores altas na ocupação.

Artesãos de tecidos, couros e materiais semelhantes, por outro lado, registraram a principal queda entre as 163 profissões analisadas.

A baixa no número de ocupados chegou a 31,5%, de 291 mil no quarto trimestre de 2019 para 199,4 mil no terceiro trimestre de 2022.

Conforme Imaizumi, o resultado tem a ver com a redução na circulação de pessoas em áreas urbanas.

Além disso, peças de tecidos e couros tendem a não estar entre as prioridades de consumo de parte da população em períodos de aperto na renda, lembra o economista.

Dirigentes de vendas e comercialização registraram a segunda maior queda na ocupação durante a pandemia (-30,6%), seguidos por dirigentes de recursos humanos (-23,9%).

Na visão de Imaizumi, esses dois recuos podem estar relacionados à necessidade de cortes de custos em empresas na crise.

Gerentes de restaurantes (-23,1%), vendedores a domicílio (-22,5%) e organizadores de conferências e eventos (-22,5%) vieram na sequência das maiores baixas na ocupação. Todos sentiram as restrições a deslocamentos.

RENDA CRESCE PARA CRIADORES DE GADO E CAI PARA EDUCADORES

Quando o assunto é o rendimento médio do trabalho, um dos destaques vai para a categoria descrita como a de "agentes de serviços comerciais não classificados anteriormente".

A renda desses agentes aumentou 29,7%, a maior alta da pesquisa. O indicador passou de R$ 2.639 no quarto trimestre de 2019 para R$ 3.424 no terceiro trimestre de 2022.

Não é possível atrelar o avanço a um movimento específico, pois a categoria pode envolver profissionais de diferentes serviços, afirma Imaizumi.

Criadores de gado e trabalhadores qualificados da criação de gado registraram um aumento de 22% na renda durante a pandemia, o segundo maior da pesquisa.

A remuneração passou de R$ 2.280 para R$ 2.782, o que reflete o aquecimento da agropecuária no período, avalia Imaizumi.

"A China continuou sendo uma grande importadora de carne, a Europa e os Estados Unidos, também. Não é um produto que deixou de ser consumido."

Pescadores tiveram o terceiro maior avanço da renda, estimado em quase 21%. Mesmo com a expansão, o valor médio recebido seguiu abaixo de R$ 1.000. Passou de R$ 675,09 no quarto trimestre de 2019 para R$ 816,70 no terceiro trimestre de 2022.

Entre os organizadores de conferências e eventos, a renda média do trabalho subiu 19,8% na pandemia, a quarta maior alta da pesquisa. A ocupação, por outro lado, teve uma queda intensa, de 22,5%.

Isso sinaliza que trabalhadores com remuneração mais baixa deixaram a categoria no período de restrições da crise sanitária, o que teria feito o rendimento subir na média, pondera Imaizumi.

Ou seja, é provável que tenha ocorrido uma mudança estatística na composição do grupo, e não uma melhora consistente dos salários.

Ainda segundo o levantamento, os dirigentes de serviços de educação amargaram a maior perda de renda entre as 163 categorias analisadas.

A baixa foi de quase 36%. Com isso, o rendimento médio saiu de R$ 9.313 no quarto trimestre de 2019 para R$ 5.963 no terceiro trimestre de 2022.

O setor de educação foi um dos mais prejudicados pela crise. "Também houve congelamento de salários no serviço público. A ocupação [dos dirigentes de serviços de educação] não mudou muito, mas, em termos de renda, eles ainda vão precisar correr atrás", afirma Imaizumi.

A segunda maior baixa no rendimento médio foi a dos agentes de compras, estimada em 32,8%.

O resultado veio acompanhado por um aumento de 58,3% na ocupação. Essa relação sugere a abertura de vagas com salários mais baixos.