Entidades defendem proteção a trabalhadores, e empresas temem engessamento na regulação de aplicativos
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - À espera da instalação de um grupo mediado pelo governo, trabalhadores de aplicativos finalizam proposta para que a regulação do setor inclua proteções como seguro de vida e auxílio para manter veículos, enquanto as empresas temem que regras excessivas possam engessar a atividade.
A expectativa é que entidades que reúnem plataformas, associações que representam os trabalhadores e centrais sindicais enviem suas sugestões para regulamentar um setor que, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2021, tem cerca de 1,5 milhão de pessoas nos segmentos de transporte de passageiros e entrega de mercadorias.
O Ministério do Trabalho fará a mediação das propostas, que devem se tornar um projeto de lei a ser encaminhado e discutido no Congresso.
A conciliação, até agora, esbarra em alguns desafios, como uma pauta comum que contemple os diferentes tipos de trabalhadores de apps e a dificuldade de mapear associações realmente representativas do setor.
Discussões preliminares já levaram a alguns avanços, como no que diz respeito à contribuição previdenciária. O modelo defendido por parte do segmento é que cada plataforma faça o recolhimento da contribuição e deposite na conta do trabalhador --para evitar a possibilidade de inadimplência.
Uma das propostas é que o valor depositado para a Previdência Social seja calculado a partir de uma alíquota que incidiria em cima do faturamento mensal na plataforma, em vez de sobre o salário mínimo, por exemplo. Isso porque muitos trabalhadores utilizam os apps para complementar renda e não chegam a alcançar esse patamar de referência. Também não está descartado que as empresas contribuam com um percentual para a conta previdenciária.
Edgar Francisco da Silva, o Gringo, presidente da AMABR (Associação dos Motofrentistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil), argumenta que a contribuição previdenciária é essencial para os trabalhadores, mas é pouco. "Não queremos só Previdência, é muito pouco para toda a precarização que aconteceu no setor."
Em janeiro, um grupo de motoboys autônomos ameaçou paralisar os serviços de entrega para pressionar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a atender a algumas das demandas prioritárias da categoria, entre elas a regulamentação do trabalho. Diante do sinal positivo, o ato foi suspenso.
Segundo Gringo, a adoção de um vínculo empregatício como o previsto na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) não é o objetivo da maior parcela da categoria. "O pessoal desgostou da CLT por falta de valorização do serviço. É engessada, a gente fica amarrado naquele horário de trabalho. Nesse sistema flexível a gente consegue atuar em vários serviços", afirma.
Ele reclama da falta de ajuda para a manutenção adequada dos veículos, dos gastos com alimentação e da carga horária de trabalho que pode superar 12 horas por dia. "É uma profissão de risco. As plataformas falam que somos autônomos, mas não dão a verdadeira autonomia nem os direitos do celetista."
O discurso do presidente da AMABR encontra eco em algumas propostas estudadas pelas centrais sindicais. Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), cita especificamente dois pontos que podem ser levados ao grupo de trabalho: seguro de vida e para motos, no caso dos entregadores.
"Minha preocupação é, enquanto está nesse limbo jurídico, pelo menos tenha algum 'tratado' em certos temas: a vida. Não pode morrer essa juventude [no trânsito]", diz.
A UGT pretende apresentar ao governo uma proposta que inclui acordos coletivos, salário mínimo, reajuste anual e adicional de periculosidade, além de 13° salário, férias, seguro de vida 24 horas, plano de saúde de telemedicina e manutenção de motos, entre outros itens. No entanto, Patah defende que algumas medidas paliativas, como seguro de vida e auxílio-moto, sejam adotadas antes mesmo da regulamentação.
"Essa é a mensagem da UGT: obrigar que a empresa faça o seguro de vida. Se ele [o trabalhador] morre, como fica a família? As motos, muitas vezes, não têm nem qualificação para andar nas ruas, você vê moto com quase o pneu furando", critica.
Em uma questão, no entanto, sindicatos e a maioria dos trabalhadores divergem: a formalização desses trabalhadores. Ala dos entregadores e motoristas teme que o excesso de exigências possa afugentar plataformas e deixar os trabalhadores sem essa fonte de renda.
Em entrevista publicada no dia 6 pelo jornal Valor Econômico, o ministro Luiz Marinho (Trabalho e Emprego) sugeriu a criação de um novo aplicativo se empresas como a Uber decidirem deixar o país por discordarem da futura regulamentação.
"Posso chamar os Correios, que é uma empresa de logística e dizer para criar um aplicativo e substituir. Aplicativo se tem aos montes no mercado. Não queremos regular lá no mínimo detalhe", disse.
A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que tem entre as associadas Uber, 99, IFood, Buser e Amazon, diz apoiar a regulação do trabalho em plataformas de mobilidade urbana e entregas que busque melhorar a proteção social dos profissionais e garantir a segurança jurídica da atividade.
"As associadas colocam-se à disposição do governo para colaborar nas discussões e defendem que o debate tenha como premissas a flexibilidade e a autonomia que caracterizam as novas relações de trabalho intermediadas por aplicativos, apoiadas pela maioria dos trabalhadores, conforme apontado em diversas pesquisas", indica a entidade em nota.
A associação diz que contribui com a discussão desde abril de 2022, quando lançou uma carta de princípios na qual defende que a inclusão dos trabalhadores no sistema de proteção social ocorra "de forma eficiente, fazendo uso da tecnologia para superar a burocracia inerente ao cadastro, pagamento e regularidade."
"Além disso, a entidade acredita ser fundamental que o aumento da proteção não acarrete aumento significativo de custos para motoristas e entregadores, nem para o consumidor final", complementa.