Home office faz trabalhador nos EUA economizar R$ 24 mil ao ano e preocupa cidades
WASHINGTON, ESTADOS UNIDOS (FOLHAPRESS) - No discurso de posse ao assumir o terceiro mandato como prefeita de Washington, em janeiro deste ano, Muriel Bowser fez um alerta ao governo Joe Biden: o trabalho remoto está matando a capital dos EUA.
Com boa parte do funcionalismo público ainda trabalhando de maneira remota, as regiões centrais da capital americana nunca se recuperaram do choque da Covid-19 e permanecem esvaziadas. Com isso, bares e restaurantes fecharam, cafés reduziram o horário de funcionamento e a prefeitura se preocupa com a capacidade de arrecadação.
Mas faltou combinar com os empregados. Estudo do home office conduzido por pesquisadores das universidades de Stanford, de Chicago e do Instituto Tecnológico Autônomo do México nas grandes cidades americanas aponta que os trabalhadores querem é ficar mais dias longe do escritório.
Isso porque a economia é alta. Em Washington, os trabalhadores em média deixam de gastar US$ 4.051 (R$ 21 mil) por ano em refeições, compras e entretenimento próximo ao local de trabalho.
Em cidades mais caras como Nova York, a economia chega a US$ 4.661 (R$ 24 mil). Em uma cidade com esse tamanho, a economia por trabalhador significa que US$ 12 bilhões deixaram de ser gastos nas imediações do escritório, segundo cálculo da Bloomberg.
É justamente isso o que provoca o impacto denunciado pela prefeita Bowser e por outros governantes pelo país. Só em Washington, 48 restaurantes foram fechados em 2022, segundo a associação do setor, mesmo com os auxílios do governo.
A cidade é a mais afetada pelo home office dentre as regiões mais populosas do país, segundo os dados do WFH Research, o relatório mensal sobre o trabalho remoto feito pelos pesquisadores citados. Na capital, houve 37% de redução de dias trabalhados no escritório. Nova York teve 32,9%.
Segundo a prefeitura, um quarto dos trabalhadores de Washington são empregados do governo federal, que ocupa um terço dos escritórios da cidade. Antes da pandemia, apenas 3% dos trabalhadores federais tinham empregos remotos.
Parlamentares republicanos têm avançado contra isso e no mês passado apresentaram um projeto de lei na Câmara para obrigado funcionários federais a voltarem para os escritórios em até 30 dias.
"Os EUA ganham quando o lugar onde as pessoas se juntam para mudar o mundo está fervilhando", disse a prefeita. "Barulho de recém-formados e estagiários, a startup que tem a grande ideia de se reunir com parceiros federais, viajantes a negócios que estão vindo para Washington para trabalhar, e, claro, lobistas do Capitólio."
Para a prefeitura, se os prédios não forem reocupados, o ideal é transformá-los em habitação para não tornar o centro uma zona morta. "Converter escritórios em habitação é a chave para desbloquear o potencial de um centro reimaginado, mais vibrante", afirmou Bowser, que tem a meta de levar 100 mil moradores para a região.
Em Nova York, o prefeito Eric Adams foi outro que insistiu para que os trabalhadores voltassem aos escritórios. "Você não pode ficar de pijamas em casa o dia todo. Não é isso que somos enquanto cidade", disse em fevereiro do ano passado, ao dizer que o fim do home office era vital para que a economia da cidade se recuperasse.
CEOs de grandes empresas também têm feito apelos pelo fim do home office, como David Solomon, do Goldman Sachs, e Jamie Dimon, do JPMorgan Chase. Apesar dos apelos, o trabalho remoto é resiliente.
Se até 2019 apenas 4,7% do trabalho era feito de casa (um salto já expressivo sobre o 1% constatado em 1990, proporcionado pela internet), hoje mais de um quarto dos americanos cumprem jornada nessa modalidade. Em janeiro, 27,2% dos dias trabalhados cumpridos foram de forma remota, segundo a pesquisa WFH.
O nível mais alto na pesquisa se deu no primeiro levantamento, em maio de 2020, ainda no começo da pandemia, com 61,5% do trabalho sendo feito de forma remota. Entre 2021 e meados de 2022 essa fatia oscilou entre 30% e 40%, e desde agosto do ano passado está abaixo de 30%.
Apenas 6 em cada 10 trabalhadores americanos estão trabalhando completamente de maneira presencial, segundo o estudo. De maneira híbrida, que mistura dias de casa e dias do escritório, estão 28%. E totalmente remotos estão 12,7% dos trabalhadores.
Os empregadores se mostram abertos a esse regime híbrido -na média o pleito é trabalhar 2,2 dias de casa, segundo o estudo).
Jose Maria Barrero, professor do Instituto Tecnológico Autônomo do México e autor do estudo, diz à Folha de S.Paulo que essa é a maneira como o mundo do trabalho deve se organizar a partir de agora.
"A pandemia ensinou que muitos trabalhos podem ser feitos de maneira efetiva ao menos parcialmente de casa, e isso é algo que você não consegue mais reverter", afirma ele. "O trabalho híbrido é mais popular por dois componentes. Primeiro há a parte do trabalho que você consegue fazer a partir de qualquer computador. Depois há o componente da interação com colegas, e não há substituto para a socialização com colegas na realização de certos trabalhos", afirma ele.
Barrero defende que é justamente o trabalho remoto não vai matar as cidades americanas justamente porque o trabalho híbrido deve ser a modalidade mais popular, mas afirma que é preciso que governantes criem mecanismos de atração das pessoas para os centros das cidades por outros motivos que não estritamente relacionados ao trabalho -como lazer, por exemplo.
Outro levantamento, da empresa de segurança Kastle, que monitora a ocupação de empresas semanalmente, mostra que a presença varia conforme o dia da semana. Às sextas-feiras, apenas 32,3% do trabalho foi feito de forma presencial em janeiro, dia de menor ocupação seguido de segunda-feira. Os escritórios estão mais cheios nas terças-feiras, com 59,6% de presença, segundo os dados da companhia.