Caso Americanas tem 'escritórios butique' com filhos de ministros de tribunais e advogado de Lula
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A recuperação judicial da Americanas, que deve ter novo passo importante nesta segunda (20), com a apresentação do plano de pagamento aos credores, mostra a consolidação do protagonismo dos chamados escritórios butique no mercado jurídico.
O caso envolve as bancas do advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de filhos de ministros de tribunais superiores e de um herdeiro da família imperial.
Os escritórios butique são aqueles altamente especializados em apenas uma ou poucas áreas. Por isso, eles prometem aos clientes um atendimento personalizado e diferente do oferecido pelas grandes firmas, compostas por centenas de advogados.
A maioria das bancas nos processos ligados à Americanas tem esse perfil. Criadas nos últimos vinte anos, muitas dessas sociedades de advogados surgiram a partir de voos solo de profissionais que deixaram escritórios em que ocuparam posições de destaque.
É o caso de Cristiano Zanin, advogado do presidente Lula. Notabilizado pela defesa criminal do petista na Operação Lava Jato, Zanin e sua mulher, Valeska Teixeira, decidiram em 2022 desfazer a sociedade com Roberto Teixeira, compadre do presidente. Criaram o Zanin Advogados, como informado pela coluna Painel em agosto.
Mas a divulgação da nova banca chamou a atenção por ter dado ênfase a um campo diferente do criminal, ao indicar que o foco do escritório seria "uma área mais estratégica em litígios e prevenção de litígios individuais e empresariais".
A firma, que conta hoje com 15 advogados, foi uma das contratadas para defender a Americanas na recuperação judicial. Porém, seu principal nome pode deixar o caso nos próximos meses, já que Zanin é um dos favoritos para ocupar, por nomeação de Lula, uma cadeira no STF (Supremo Tribunal Federal). A vaga será aberta com a aposentadoria compulsória do ministro Ricardo Lewandowski, que só poderá permanecer na corte até maio.
Na defesa da Americanas também está o escritório Salomão, Kaiuca, Abrahão, Raposo e Cotta Advogados, criado em 2011. A banca tem no seu quadro de sócios os advogados Luis Felipe Salomão e Rodrigo Salomão, filhos do ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Luis Felipe Salomão, cujo nome também é cogitado para integrar o STF em uma das indicações a que Lula terá direito em seu mandato.
Outro escritório no caso é o Fux Advogados, de Rodrigo Fux, filho do ministro do STF Luiz Fux. A banca atua na defesa do Santander.
Também participa do caso o escritório do ex-ministro do STJ Cesar Asfor Rocha, criado em 2012 após ele se aposentar no tribunal. O Asfor Rocha é uma das sociedades de advogados que trabalha para o banco BTG.
O estado do Rio de Janeiro, onde a recuperação judicial foi iniciada, sedia a maior parte das bancas jurídicas protagonistas da recuperação judicial da Americanas.
A vice-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no estado, Ana Tereza Basilio, é sócia-fundadora do Basilio Advogados, que protocolou, em petição conjunta com o Salomão Advogados, o pedido de abertura da recuperação judicial da varejista.
O maior credor da empresa é o Bradesco, com R$ 5,1 bilhões a receber. Atua em defesa do banco o Warde Advogados, conhecido pela atuação em contencioso de alta complexidade -defendeu o IRB Brasil Resseguros em ações de investidores e representa o Kabum contra o Itaú BBA na negociação com o Magazine Luiza.
Vem do Warde a estratégia de buscar o patrimônio dos acionistas de referência da Americanas na Justiça, o trio bilionário do 3G Capital, Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles. O escritório assina as ações judiciais de Safra e Bradesco pela busca e apreensão de emails de executivos da rede varejista. A produção antecipada de provas mira a comprovação de fraude.
Também trabalha em favor do Bradesco a banca jurídica SOB (Sacramone, Orleans e Bragança), que atende ainda o Itaú. Um dos sócios do escritório é Gabriel de Orleans e Bragança, herdeiro da família imperial brasileira. O outro, Marcelo Sacramone, foi juiz da vara especializada em falências em São Paulo até julho de 2021.
Caso tem muitas singularidades, avaliam advogados
A recuperação judicial da Americanas é vista por advogados como um caso de muitas singularidades.
Uma delas é o local onde o processo de recuperação foi apresentado. Mais do que em São Paulo, cidade que concentra grandes e tradicionais bancas da advocacia brasileira, a atuação na capital fluminense demanda muito relacionamento fora dos limites dos tribunais e varas.
A "panelinha" jurídica é ainda mais concentrada, dizem advogados que atuam na recuperação da Americanas, tornando difícil a entrada de escritórios de fora, sejam eles grandes ou pequenos. É nesse contexto que se destacam os escritórios butiques, que acabam dominando a atuação em um Judiciário no qual a proximidade conta muito.
Entre os grandes escritórios, estão em atuação no caso o BMA, pelo lado das Americanas, o Cescon Barrieu, em defesa do Bank of America, e o Veirano, que atua para o Goldman Sachs.
Outras singularidades são o tamanho e capilaridade da empresa (além das lojas Americanas, o grupo tem a operação de ecommerce e outros negócios como o hortifruti Natural da Terra e a Imaginarium), as suspeitas de fraude contábil e a litigância intensa.
O escândalo contábil (inicialmente de R$ 20 bilhões) foi tornado público em 11 de janeiro, e o pedido de recuperação judicial, apresentado no dia 19 daquele mês.
Escritórios em ação no caso da recuperação judicial da Americanas
Em defesa da Americanas
Basílio Advogados
Criação: 2009
Especialidades: contencioso, arbitragem e recuperação empresarial
Sede: Rio de Janeiro
Principais sócios: Ana Tereza Basilio, João Augusto Basilio, Frederico José Leite Gueiros e Carlos Roberto Barbosa Moreira
Número de advogados: 55
Principais casos: recuperação judicial da Oi
Salomão Advogados
Criação: 2011
Especialidades: contencioso estratégico, arbitragem e recuperação judicial
Sede: Rio de Janeiro
Principais sócios: Paulo César Salomão, Luis Felipe Salomão, Rodrigo Cotta e Rodrigo Salomão
Número de advogados: 60
Principais casos: recuperação judicial da Oi e recuperação judicial da Samarco
Zanin Advogados
Criação: 2022
Especialidades: estratégia jurídica e litígios na área empresarial e criminal
Sede: São Paulo
Principais sócios: Cristiano Zanin Martins e Valeska Zanin Martins.
Número de advogados: 15
Principais casos: Lava Jato, Transbrasil e Varig
Desde então, dezenas de pedidos (de proteção contra credores, de antecipação de pagamento, de produção de provas, de despejo, de proteção contra despejos) foram apresentados, a maioria nos tribunais de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Na briga dos bancos credores com a Americanas, o elemento regional aparece em uma espécie de disputa Rio-São Paulo.
Pelo menos quatro conflitos de competência já foram levados ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e discutem qual o foro adequado para a recuperação judicial -a varejista defende que seja o Rio, os bancos, São Paulo, onde estaria o maior volume de negócios da rede.
Em fevereiro, a 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro (onde a recuperação judicial está em andamento) recusou o cumprimento de duas decisões (uma em primeira e outra em segunda instância) da Justiça de São Paulo que determinavam busca e apreensão de emails de executivos da Americanas.
Em defesa de grandes credores
Bradesco (R$ 5,1 bilhões a receber)
Warde Advogados
Criação: 1996
Especialidades: contencioso estratégico de alta complexidade, empresarial, público, corporativo e compliance
Sede: São Paulo
Principais sócios: Walfrido Warde, Pedro Serrano, Valdir Simão, Rafael Valim e Georges Abboud
Número de advogados: 50
Santander (R$ 3,6 bilhões)
BTG (R$ 3,5 bilhões)
Gustavo Tepedino Advogados
Criação: 2006
Especialidades: contencioso estratégico judicial e arbitral e consultoria em direito privado
Sede: Rio de Janeiro
Principais sócios: Gustavo Tepedino, Milena Donato Oliva, Vivianne da Silveira Abilio, Andre Vasconcelos Roque e Paula Greco Bandeira
Número de advogados: 36
Itaú (R$ 2,7 bilhões)
SOB Advogados
Criação: 2021
Especialidades: contencioso empresarial, arbitragem e recuperação judicial
Sede: São Paulo
Principais sócios: Marcelo Sacramone e Gabriel de Orleans e Bragança
Número de advogados: 13
Nos sites dos escritórios butique que estão no caso, a atuação deles é descrita com expressões como "atuação artesanal", "fazer algo manufaturado" e "tratamento personalizado ao cliente".
O uso do termo ganhou força a partir de 2000, tanto para se referir a bancas de nomes reconhecidos da advocacia que já tinham escritórios pequenos e especializados há décadas, como para designar aqueles criados neste século já com atendimento focado em uma ou poucas áreas.
Nos grandes casos, esse tipo de advocacia pode ser contraposta àquela dos chamados escritórios "full service" ou "big law firms", que atuam em múltiplas áreas para uma mesma empresa, como trabalhista, tributário, contratual, e que contam com centenas profissionais em seus quadros.
No setor das recuperações judiciais, o protagonismo dos escritórios butique também é impulsionado pela Lei de Recuperação de Empresas e Falência (LREF), que foi promulgada em 2005.
Esse texto legal trouxe maiores possibilidades de negociação entre a empresa em dificuldades financeiras e seus credores, o que aumentou o campo de atuação de bancas jurídicas de nichos específicos.