Governo estuda limitar investimentos extras em novo arcabouço fiscal, diz secretário
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou nesta sexta-feira (31) que o governo estuda limitar o tamanho do bônus para investimentos extras no novo arcabouço fiscal apresentado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A trava evitaria que um ingresso massivo de receitas acabe gerando um bônus exagerado para ser usado em gastos com investimentos públicos.
Em live promovida pela corretora Warren Rena, Ceron também negou que o novo arcabouço exija um aumento da carga tributária para que o governo consiga entregar a prometida melhora nas contas.
A elevada dependência do modelo em relação ao aumento de receitas tem sido um dos principais pontos de críticas de economistas à proposta do governo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu para os próximos dias o anúncio de um novo pacote de medidas para ampliar a arrecadação em até R$ 150 bilhões.
"Não concordo que a carga tributária subirá muito", disse Ceron. O secretário voltou a criticar a decisão da gestão de Jair Bolsonaro (PL) de conceder uma série de renúncias fiscais no apagar das luzes do governo.
"Parte expressiva do problema que temos é decorrente de uma renúncia expressiva que tivemos, 1,5% do PIB [Produto Interno Bruto]", disse.
"Não tem um aumento de base tributária significativa como alguns possam imaginar. Acreditamos que, com algum ajuste do ponto de vista de receitas em relação ao que tínhamos em 2022, temos condições de equilibrar o país e colocá-lo numa trajetória sustentável", afirmou.
O novo arcabouço fiscal foi apresentado pela equipe econômica nesta quinta-feira (30) e prevê uma que o crescimento real das despesas federais seja limitado a 70% do avanço da receita primária líquida observado nos 12 meses até junho do ano anterior, como antecipou a Folha.
O princípio central da regra é permitir o aumento das despesas, mas em ritmo menor do que a alta da arrecadação. Essa combinação é considerada crucial para zerar o déficit, melhorar a situação das contas e estabilizar a trajetória da dívida pública nos próximos anos.
Além disso, o arcabouço estipula uma meta de resultado primário anual, mas com um intervalo de tolerância para cima e para baixo -a exemplo do sistema de metas para inflação. O resultado primário é obtido a partir das receitas menos as despesas.
No desenho proposto, se o resultado das contas for melhor do que o cenário mais favorável (ou seja, o teto da banda), o governo teria um bônus para aplicar em investimentos públicos. Eles seriam temporários, financiados pelo excesso de arrecadação e ficariam fora do limite de despesas.
O ponto ressaltado por Ceron é que, se houver um ingresso massivo de receitas nos cofres do governo, o bônus pode acabar ficando muito grande. Por isso, os técnicos discutem algum limite.
"Na discussão do bônus, há discussão se colocamos um limite para ele", disse Ceron. "Uma receita muito extraordinária gera um bônus muito grande."
Segundo o secretário, a intenção do governo é dar um incentivo para a melhora das contas públicas -uma vez que ela impulsionaria investimentos-, mas há a preocupação de que o mecanismo "não tenha um efeito ruim no final do dia".
Na quinta-feira, ao explicar o mecanismo, Ceron havia citado um exemplo em que 100% do excedente seria destinado aos investimentos.
"Se o superávit passar [da banda superior] de R$ 25 bilhões e for de R$ 50 bilhões, em tese você teria R$ 25 bilhões para impulsionar investimento", disse.
O secretário, porém, deixou em aberto a possibilidade de discutir um limitador para esse bônus. Ele também ressaltou que a regra não poderá ser usada para financiar despesas obrigatórias, que continuariam pesando no Orçamento mesmo com o fim do recurso extra.
Em defesa do arcabouço proposto, Ceron disse que ele vai corrigir o que é considerado um erro do atual teto de gastos: o foco exclusivo nas despesas. Dessa forma, segundo ele, as renúncias tributárias acabaram virando válvula de escape para atenuar pressões políticas.
Já a proposta do governo, segundo ele, combina um limite de despesas com a necessidade de perseguir um resultado primário -ou seja, a equipe econômica não pode descuidar da arrecadação.
"Quando você amarra as três peças, você não deixa a despesa crescer de forma descontrolada, tira o incentivo para renúncia de receitas e olha para o resultado num horizonte de médio prazo, cria um ambiente saudável de condução da política fiscal", disse.
O secretário também se mostrou aberto a discussões e ponderações feitas pelo mercado financeiro, que viu com certo ceticismo algumas das projeções do governo. A entrega de um superávit de 1% do PIB já em 2026, por exemplo, foi considerada otimista por alguns agentes.
Ceron ainda deixou a porta aberta para discutir a calibragem de alguns parâmetros da regra, como o percentual de 70% que vincula o crescimento das despesas à alta das receitas.
"Essa é uma discussão de intensidade do ajuste. Lembrando que 70% é um limite, é no máximo. Quando coloca 60%, estou fazendo escolhas de movimento, intensificando o processo de ajuste e por outro lado estimulando o crescimento da receita", disse Ceron.
"O desenho em si está fazendo sentido para todos, todos entendem a direção do movimento.. A discussão é se a intensidade está adequada e se vamos conseguir entregar o primário", afirmou.