Carta de especialistas critica fala de Lula
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Carta assinada por 70 especialistas em videogames, entre professores universitários, pesquisadores e desenvolvedores, critica a fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da última terça-feira (18), na qual associou violência nas escolas com o contato de crianças com jogos digitais.
"Não tem jogo, não tem game falando de amor, não tem game falando de educação. É game ensinando a molecada a matar. E cada vez muito mais morte do que na Segunda Guerra Mundial. É só pegar o jogo dessa molecada", disse o presidente durante encontro com representantes dos Três Poderes para tratar do tema no Palácio do Planalto.
A carta diz que jogos digitais são artefatos culturais diversos e que a associação entre eles e violência não só é equivocada, como tem o potencial de distorcer discussões sobre as raízes da violência.
"Inúmeros jogos com fins educativos, culturais, artísticos e poéticos têm sido desenvolvidos com base em pesquisas acadêmicas, com a finalidade de mediar o processo de ensino-aprendizagem de diversas disciplinas", escrevem.
"Tais agenciamentos sociotécnicos são capazes de promover o engajamento e o interesse tanto dos estudantes como dos professores, além de contribuírem para o desenvolvimento de habilidades como a resolução de problemas e o pensamento crítico."
Os signatários da carta ainda afirmam que os cursos de graduação e pós-graduação em jogos digitais formam profissionais altamente capacitados para atuar na indústria de games. Hoje, mais de 280 instituições oferecem cursos do gênero.
Segundo especialistas, não há evidências científicas de que o contato com jogos, até mesmo os violentos, seja causador de comportamento agressivo nos jovens.
A fala de Lula causou uma série de críticas nas redes sociais, principalmente entre jogadores e influencers. A apresentadora de campeonatos de esports Nyvi Estephan fez uma thread (fio) no Twitter criticando o presidente.
"Assim como nos filmes, jogos têm faixas etárias que devem ser respeitadas, e isso é uma responsabilidade dos pais, e não da indústria. O discurso não pode ser raso, senão vocês [o governo] ajudam a disseminar um preconceito ainda maior contra uma indústria de extrema importância econômica e social", escreveu ela na rede social.
Minutos depois, Estephan publicou uma imagem mostrando que a equipe que gerencia as redes sociais de Lula havia entrado em contato com ela propondo um telefonema para conversar sobre o assunto.
O influencer Felipe Neto, que tem mais que o dobro de seguidores do presidente no Twitter, também escreveu que Lula está errado. "Essa análise é rasa, ultrapassada e não reflete a realidade", afirmou.
Um dos filhos de Lula, Luis Cláudio, publicou na mesma rede social uma mensagem em que defende os jogos enquanto arte e entretenimento.
"Meu pai viu os filhos e os netos crescerem jogando videogame. Ele sabe que isso não nos tornou violentos, ele fez uma declaração sobre um assunto polêmico ao vivo e acabou generalizando. Videogame é muito mais que violência, é arte, é lazer, é entretenimento", escreveu.
Em nota divulgada na última quarta-feira (19), a Abragames (Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos) disse que a fala do presidente Lula é equivocada e leviana.
"Os games encabeçam o crescimento da economia criativa global e só no Brasil empregam, diretamente, mais de 12.400 profissionais que atuam em mais de 1.000 estúdios. Se referir a um produto tão importante e transformador como "porcarias" é desrespeitar todo legado e todo o potencial intrínseco a ele", afirmou.
"Como os filmes, as novelas, a música, os livros, as notícias, os esportes, os formadores de opinião e tantas outras referências, os games fazem parte de uma sociedade diversa e muito rica, onde os exemplos não podem ser tirados de contextos nem servir como desculpa para falhas estruturais e políticas públicas ineficazes."
Em agosto de 2022, antes das eleições, Lula publicou nas redes sociais um afago ao setor de games, em um discurso diferente do proferido na última terça.
"Videogame não é apenas entretenimento, é também cultura, emprego e desenvolvimento tecnológico. Ontem gamers apresentaram propostas para o nosso Programa de Governo, pedindo políticas públicas que fortaleçam o setor de jogos eletrônicos no Brasil", escreveu no Twitter à época.