Analistas acreditam que situação da bolsa pode piorar com juros altos por mais tempo

Por RENATO CARVALHO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma pergunta muito comum feita por investidores é se determinado ativo está barato ou está caro. Mais recorrente ainda é que essa pergunta seja direcionada ao Ibovespa, índice de referência no mercado de ações brasileiro.

A resposta para essa pergunta pode variar. Mas, neste momento, todos os analistas levantam uma questão em comum: a taxa de juros. Para a maioria dos profissionais do mercado, a perspectiva de que a Selic pode ficar alta por mais tempo leva à conclusão de que dificilmente o Ibovespa vai ter uma trajetória de alta nos próximos 12 meses.

Florian Bartunek, fundador e diretor de Investimentos da gestora Constellation, afirma que a correlação entre juros e Bolsa é muito grande.

"Nós estamos com o CDI [taxa de referência do mercado muito próximo da Selic] no maior patamar em 15 anos e com a Bolsa atingindo os menores patamares em 15 anos, quando se fala de múltiplos", disse Bartunek durante conferência organizada pelo Bradesco BBI, realizada no início de abril.

Os múltiplos medem o preço da ação em relação aos resultados. Quanto menor essa relação, mais barato é considerado um ativo. Atualmente, o Ibovespa está mais barato que em 2008 ou até mesmo que no pior momento da pandemia, em 2020.

Mas, atualmente, o mercado sempre reage rapidamente a qualquer declaração de autoridades sobre a taxa de juros, que é outro fator importante para determinar o quanto a Bolsa está barata. Quanto mais alta a Selic, menor a atratividade da Bolsa, em razão do risco.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse em evento em Londres na sexta-feira (21) que o timing técnico da instituição no debate sobre a queda dos juros é diferente do político. Ele também fez uma defesa da manutenção da autonomia do órgão.

A fala teve o propósito de responder a um discurso no mesmo evento no dia anterior do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que de forma incisiva e na frente do presidente do BC cobrou a redução imediata da taxa Selic, hoje em 13,75%.

Munido de gráficos e dando razões técnicas para o patamar dos juros, Campos Neto disse que a omissão do BC no tema seria muito mais custosa para a sociedade do que o aumento das taxas para combater a inflação.

Luis Moran, diretor da EQI Research, dá uma ideia de como a Bolsa brasileira pode ficar, a depender principalmente dos juros. "Se o cenário melhorar, pode chegar aos 170 mil pontos, que é o pico histórico com correção. Se as coisas não andarem, especialmente com o novo arcabouço fiscal, pode ir abaixo de 90 mil pontos, e é difícil saber onde vai parar", afirma. Na quinta-feira (20), o Ibovespa fechou a 104.366 pontos acumulava queda de quase 5% em 2023.

Para Moran, o ambiente internacional que vem se desenhando é muito positivo para o Brasil. "Temos uma situação de desaceleração econômica nos Estados Unidos e na Europa, e a China em direção oposta. Isso ajuda bastante o Brasil. Mas depende das nossas próprias decisões por aqui", diz o diretor da EQI Research.

EMPRESAS MOSTRAM PIORA

No final, o desempenho do Ibovespa depende basicamente dos resultados das empresas, e mais ainda das perspectivas traçadas para os números das companhias nos próximos trimestres. Por isso, o Ibovespa deveria estar "afundando", segundo Max Mustrangi, sócio-fundador da Excellance, que atua na reestruturação de empresas e que já atuou como executivo em várias corporações.

"Os fundamentos das empresas não explicam o patamar atual do Ibovespa. Se a situação fiscal não melhorar, a relação entre risco e retorno do Brasil para o investidor estrangeiro deixa de valer a pena", afirma Mustrangi.

Ele afirma que, se esse cenário se confirmar, o real perderá valor ante o dólar, o BC será forçado a manter os juros altos, as empresas ficarão mais endividadas, e os resultados piorarão. "Eu aposto em uma queda a curto prazo. O Ibovespa depende das empresas de commodities, e os grandes mercados consumidores não estão comprando", afirma.

Em relatório sobre os balanços referentes ao quarto trimestre de 2022, a XP Investimentos mostra que, entre as empresas listadas no Ibovespa cobertas pela instituição, houve mais surpresas negativas do que positivas, quando se olha o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações).

Levando em conta as estimativas da XP, 47% dos lucros operacionais ficaram abaixo do esperado, ante 44% que vieram melhores que a expectativa.

Mas, quando se leva em conta o consenso do mercado, que considera as projeções de várias casas de análise colhidas pela Bloomberg, a XP mostra que 62% dos resultados reportados ficaram abaixo do esperado, e 33%, acima.

Jennie Li, estrategista de ações da XP, afirma que a proporção de surpresas positivas foi pior que nos dois trimestres anteriores de 2022.

Mesmo com essa piora nos resultados vista no fim do ano passado, a XP está otimista e revisou em abril sua projeção de patamar justo para o Ibovespa em 2023, de 125 mil pontos para 128 mil pontos.

"Houve uma revisão próxima de 5% para cima nas projeções de lucros das empresas em 2024 e 2025. Isso, combinado com as quedas nos juros futuros desde as máximas no começo do ano, traz um otimismo maior com o Ibovespa", afirma Li.

Bartunek, da Constellation, afirma que a Bolsa não precisa de muitos gatilhos para subir. "Às vezes, está todo o mundo cauteloso, e, quando se percebe, o mercado andou 15%, 20%. Os fundos têm dinheiro para investir e estão pouco alocados em Bolsa. O estrangeiro é louco para investir no Brasil, por falta de opções."

Ele lembra que o Ibovespa é composto por empresas grandes, geralmente líderes em seus setores, e que podem até se beneficiar de uma crise. "Quando você olha, por exemplo, uma Raia Drogasil, ela abre mais farmácias que todos seus concorrentes juntos. Essas empresas continuam crescendo mesmo em situações difíceis", diz Bartunek.

"Eu tenho muito mais convicção de que empresas como Lojas Renner, Localiza, Itaú, Bradesco, Ambev, Weg estarão mais fortes em dez anos que o contrário. É muito mais fácil saber onde estarão essas companhias do que onde estará o Brasil", diz o fundador da Constellation.