Devolução de imposto no RS eleva renda em 16% e aumenta gasto com alimento e remédio

Por EDUARDO CUCOLO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O primeiro programa de devolução de imposto sobre o consumo no Brasil, que completou 18 meses em junho, é apontado como modelo para o "cashback" previsto na proposta de reforma tributária, que deve ser votada neste mês.

Lançado pelo governo do Rio Grande do Sul no final de 2021, a devolução representa um acréscimo de 17% na renda mensal média familiar de 95% dos 618 mil beneficiários.

O Devolve ICMS prevê o pagamento mínimo de R$ 100 por trimestre a todas as famílias do estado cadastradas no Bolsa Família. Além desse piso fixo para todos os inscritos, os beneficiados que solicitam notas fiscais recebem um complemento que varia de acordo com seus gastos no período. Mulheres são responsáveis por 83% desses lares.

Estudo sobre os resultados do programa mostra que ele reduziu a carga tributária sobre a população de baixa renda e aumentou o consumo desse segmento da população. Uma devolução média de R$ 37,81 por mês gerou um aumento do consumo de R$ 32,47.

Os dados das notas fiscais e das despesas no cartão mostram que 83% dos gastos foram em supermercados, açougues e padarias. Outros 6%, em farmácias.

De acordo com o subsecretário da Receita Estadual, Ricardo Neves Pereira, o sistema foi construído em um ano, sem grandes custos. Foram utilizados a base de dados do Cadastro Único do governo federal para definir os beneficiários, a estrutura do banco estadual Banrisul para distribuir os cartões de débito para uso do dinheiro, e o programa Nota Fiscal Gaúcha para devolução da parcela variável que depende do CPF no documento fiscal.

O valor devolvido soma R$ 66 milhões por trimestre, para uma arrecadação de ICMS de R$ 3,5 bilhões por mês. No caso do Rio Grande do Sul, a devolução foi implementada sem que houvesse reoneração da cesta básica. A reforma tributária prevê aplicar à cesta básica uma alíquota 50% menor no novo tributo, de forma a manter a tributação atual (que possui impostos residuais em cascata).

Foi definido um pagamento que reduzisse a carga de ICMS em 50% para famílias com renda de até um salário mínimo (R$ 1.320) e 30% para os demais beneficiados. Os números da secretaria mostram que a desoneração da cesta básica sozinha praticamente não alterou a carga dessas famílias.

Segundo a Secretaria de Fazenda do estado, 95% dos cartões de débito foram retirados ou estão em processo de entrega. "Há uma ampla adesão. Esses 5% são a lacuna que nós ainda temos", afirma Pereira.

Também foi verificado aumento de gastos no comércio formal por esses beneficiários. Do total de despesas realizadas, 46% foram feitas com emissão de nota fiscal com CPF. Segundo o subsecretário, essas famílias estão solicitando mais notas fiscais, o que estimula a formalização do varejo.

Segundo Pereira, os números mostram que a devolução é um mecanismo importante para o combate à desigualdade que existe na tributação do consumo. Algo que os benefícios tributários atuais não conseguiram fazer.

"É possível focalizar em quem realmente precisa. Não tem sentido que uma família rica tenha a mesma tributação de produtos da cesta básica que uma de baixa renda", diz o subsecretário da Receita Estadual.

"A gente implementou o Devolve ICMS até para mostrar para a sociedade que é um programa viável, para que a gente possa inclusive fazer a revisão dos benefícios fiscais, dentre eles da cesta básica, e com isso criar um mecanismos de devolução para quem precisa e também promover um pouco mais de justiça tributária."

A versão da reforma tributária apresentada no último dia 22 prevê uma nova forma de desoneração da cesta básica, com 1.380 itens que terão uma tributação equivalente a 50% da alíquota geral aplicada a bens e serviços.

Atualmente a desoneração é total, mas vários estudos mostram que parte do benefício não chega ao consumidor.

Segundo relatório do Ministério da Economia publicado em 2021, a regra atual faz com que a maior parte do benefício seja capturado pelas faixas de maior renda. Pelos cálculos da época, a devolução de 60% do valor arrecadado para os 50% mais pobres já ajudaria a reduzir a desigualdade no país, mesmo com um aumento de preços dos alimentos da cesta básica de 10%.

A Abras (Associação Brasileira de Supermercados) é contra esse modelo e reivindica a desoneração total da cesta.

"Se você cria um instrumento de devolução sobre impostos para beneficiar uma determinada classe social, o instrumento para que se faça isso é a reforma tributária sobre a renda, não sobre produtos. Você acha justo ir ao supermercado e pagar mais impostos do que outra pessoa que está ao seu lado?", questionou João Galassi, presidente da Abras, na semana passada.

Segundo ele, o Rio Grande do Sul promove a devolução do imposto em conjunto com a política de desoneração do ICMS, algo que poderia ser adotado nos novos tributos sobre o consumo.

"Tributar alimentos para fazer uma devolução é uma incoerência total. Por que tributar algo que não deveria ser tributado para depois ser devolvido? Uma coisa não tem nada a ver com a outra."

NÚMEROS DO DEVOLVE ICMS

80% dos chefes de família beneficiários do programa são mulheres

Mais de 172 mil beneficiários titulares estão na faixa etária de 31 a 40 anos

Mais de 461 mil famílias beneficiárias possuem renda total familiar de R$ 325,50

A devolução representa um aumento de renda de 17% para 95% dos beneficiários

Fonte: Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul