Quem forma o grupo que tenta administrar R$ 3,4 bi em linhas de transmissão

Por FERNANDA BRIGATTI

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Consórcio Gênesis, desclassificado no último dia 3 do primeiro megaleilão de linhas de transmissão de energia do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é formado por empresas desconhecidas do segmento, que não têm sites oficiais nem folha de pagamento.

A empresa líder, a The Best Car Transportes de Cargas Nacionais e Internacionais Ltda., que responde por 92,52% do consórcio, tem capital social bilionário e um único sócio. Paulo Cesar dos Santos, 53, vive em Palhoça (SC), de onde administra outras duas empresas, uma no Rio e outra em São Paulo.

Sem empregados fixos e com sede em Betim (MG), a The Best atua no transporte de cargas por todos os modais: rodoviário, aéreo, ferroviário e marítimo, atendendo principalmente o agronegócio e "um pouquinho do mercado financeiro lá fora", segundo seu fundador.

Paulo Cesar dos Santos falou à reportagem antes da decisão da Aneel ser divulgada. Ele foi procurado após a decisão pela inabilitação, mas não respondeu ou atendeu.

O grupo apresentou recurso administrativo à decisão da Comissão Especial de Licitação da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que poderá manter ou não a decisão tomada no dia 3. Se a inabilitação for mantida, o processo será enviado à diretoria da agência, a quem caberá a decisão final.

Quem apresentou a Paulo a possibilidade de trabalhar no setor de energia foi o empresário Denis Rildon, do Rio Grande do Norte, que se apresentou como CEO do consórcio em entrevista coletiva realizada na B3, em São Paulo, após o leilão.

Os dois se conheceram, segundo Paulo, há uns cinco anos, em uma parceira de negócios. "Às vezes ele precisa de um recurso, de alguma coisa e eu conseguia para ele lá fora", disse, sem detalhar.

Rildon tampouco é conhecido do setor elétrico. Na eleição municipal de 2020, ele chegou a ser candidato pelo PSDB à prefeitura de Ouro Branco (RN), mas desistiu da candidatura após impugnação a pedido do Ministério Público.

Denis Rildon foi condenado pela Justiça do Distrito Federal em 2011 por estelionato. A pena foi fixada em um anos e quatro meses de prisão em regime aberto e multa. A pena de reclusão foi convertida em prestação de serviços.

Segundo a denúncia do MP, ele desviou dinheiro da empresa da qual era funcionário, por meio da simulação de compras de materiais. O dono da companhia disse à Justiça que identificou ter recebido R$ 52 mil em compras pelas quais gastou R$ 860,6 mil. A diferença teria sido embolsada pelo ex-empregado.

Em 2016, sentença da Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas do Distrito Federal impôs a extinção da punibilidade do empresário. Na decisão, o juiz substituto Ângelo Pinheiro Fernandes de Oliveira escreveu que "o apenado é pobre no sentido legal" e o liberou do pagamento das custas do processo.

Denis Rildon foi procurado em um número de telefone informado por Paulo Cesar, mas não atendeu ou respondeu ao pedido de entrevista.

Na Justiça Eleitoral do Rio Grande do Norte, o MP Eleitoral considerou que ele estava inelegível pois ainda não tinham oito anos desde a prescrição executória, de 2016.

Na nota técnica em que concluiu pela inabilitação do Consórcio Genêsis, a Comissão Especial de Licitação da Aneel considerou que o grupo não comprovou condições técnicas, jurídicas e econômicas de atender as regras previstas no edital do leilão.

No parecer de 24 páginas, a comissão aponta uma série de questões que não foram explicadas pelo grupo ou tiveram respostas insuficientes, como o enquadramento da The Best como microempresa, o que a limitaria a um faturamento anual de R$ 360 mil.

O balanço patrimonial apresentado pela companhia à Aneel aponta, porém, faturamento de R$ 800 milhões a R$ 1 bilhão entre 2020 e 2022. Somente quase um mês depois do leilão e após ser questionada pela comissão é que a empresa solicitou novo enquadramento social.

Ainda segundo a agência do governo, a empresa consta com atividade suspensa na Secretaria da Fazenda de Minas Gerais. Em outro ponto considerado inexplicado pela Aneel, o consórcio entregou a papelada exigida pelo edital utilizando a logomarca de uma empresa chamada The Best Transportes, Importação e Exportação, sediada em Itaqui (RS).

A líder do consórcio teria informado apenas não ter relação com a homônima e que adotaria outra identidade visual.

Na análise técnica, a Aneel viu problemas no tipo de contrato fechado pelo consórcio com a construtora que ficaria responsável pela execução das linhas de transmissão e também no perfil dessa empresa.

A Correa Energia e Construção tem sede em Belém (PA) e, para comprovar experiência no setor, apresentou contratos com três concessionárias. "Os três contratos encaminhados são, contudo, todos de pequeno valor e com escopo limitado a obras em redes de distribuição de energia elétrica."

Paulo Cesar dos Santos, dono da The Best, disse à reportagem estar convicto de que comprovaria que, apesar de novatos na área, tinham capacidade de montar uma equipe competente. "É [uma preocupação] infundada, isso não existe. Eu não vou por dinheiro bom em cima de dinheiro ruim", afirmou.

Em entrevista coletiva após o leilão, Denis Rildon disse que os demais participantes do consórcio ainda não seriam "estrategicamente expostos no momento" e que haveria envolvimento de um sócio que estava nos Estados Unidos.

"A gente tem um conhecimento muito vasto desse segmento e conhecemos o processo licitatório", afirmou.

"Somos um grupo enxuto, entramos com um consórcio composto por duas empresas, uma construtora e uma transportadora internacional, mas ao redor disso tem um grupo muito experiente. Temos engenheiros, alguns aposentados de grandes empresas, e que têm mais de 25 mil quilômetros de linhas de transmissão."

Rildon também não quis responder de onde viria o financiamento para tocar os dois lotes arrematados pelo grupo. Para a reportagem, Paulo Cesar, da The Best, disse que trabalharia com capital próprio.

Segundo a nota técnica da Aneel, dois engenheiros foram contratados por meio da Correa Energia e e Construção e seus registros junto ao conselho de classe comprovavam a experiência de ambos na construção e montagem de instalações de transmissão de energia elétrica.

No contrato do consórcio com a Correa, do tipo EPCM (sigla para Engineering, Procurement and Construction Management), a Aneel considerou que faltava uma forma clara de como seria a remuneração da construtora, vinculando o pagamento às receitas da concessão.

"O contrato firmado pelo Consórcio Gênesis induz a percepção de que, na prática, o empreiteiro está mais para um sócio do que uma empresa contratada para implementação dos empreendimentos."

A Correa, segundo o grupo informou à comissão de licitação, "não possui filiais e não possui endereço eletrônico na internet e que opera com quadro próprio de funcionários de apenas uma assistente administrativa e um 'setor financeiro', além do sócio-proprietário, contratando mão de obra terceirizada".

Além da The Best, o Consórcio Genêsis incluía também a construtora Entec, de São Luis (MA), com 7,48% do contrato. Assim como a líder do grupo, a companhia maranhense também não tem funcionários ou página ativa na internet.

Segundo a nota técnica da comissão, as duas empresas "operam apenas com funcionários terceirizados", o que, para a agência, leva à conclusão de que ambas não têm funcionários próprios.

A Aneel identificou o ingresso de valores expressivos de dinheiro em novembro e dezembro do ano passado, o que elevou o patrimônio líquido da Entec. Esse indicador é importante porque a qualificação econômica das empresas considera a liquidez das companhias.

A empresa disse à agência do governo que o valores referiam-se a contratos de prestação de serviços. As notas fiscais, porém, não foram juntadas "Não há possibilidade de comprovar a posse do patrimônio a partir dos dados constantes dos documentos apresentados", escreveram o integrantes da Comissão Especial de Licitação.

O Consórcio Genêsis arrematou o lote 1, para Bahia e Minas Gerais, com investimento estimado em R$ 3,16 bilhões e o segundo mais importante do leilão. A oferta foi de R$ 174 milhões (deságio de 66,18%). Também deu o melhor lance para o lote 8, de R$ 19,5 milhões, que compreende a região metropolitana do Recife (PE), com deságio de 55,35%.

Se a inabilitação do consórcio for mantida, as segundas colocadas serão convocadas a assumir os lotes.