123milhas pede recuperação judicial e declara dívidas de R$ 2,3 bilhões
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A 123milhas, plataforma de turismo, entrou com pedido de recuperação judicial, nesta terça-feira (29), na 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte. Na ação, a empresa declara dívidas de R$ 2,308 bilhões.
Se um pedido de recuperação judicial é aceito, a companhia consegue evitar a cobrança de dívidas e ganha tempo para organizar um plano de pagamento. A empresa pede a suspensão pelo prazo de 180 dias de ações de credores e consumidores que tenham ido à Justiça após a interrupção de serviços.
Nesta segunda-feira (28), a 123milhas anunciou uma reestruturação, com corte de pessoal ?o número de demissões não foi informado, mas a Folha apurou que são cerca de 200 pessoas, das áreas administrativa, financeira e tecnologia. A empresa também anunciou a suspensão do site HotMilhas, de venda e compra de milhas aéreas.
Como justificativas para o pedido de recuperação judicial, a empresa afirma não ter conseguido o honrar com a entrega dos pacotes promocionais ?que envolvem passagens e estadias sem data definida. No pedido, a 123milhas afirma que este produto corresponde a apenas 5% do total de clientes, que somam 5 milhões ao ano. De acordo com a companhia, para ser viável, o produto deveria responder por mais.
A empresa coloca entre as justificativas para a crise a alta dos preços das passagens por parte das companhias aéreas. A 123milhas afirma que, com a retomada das atividades no pós-pandemia, ela acreditava os preços caíram ?mas ocorreu exatamente o contrário.
Conforme especialistas ouvidos pela Folha, houve a alta do preço do combustível de aviação, ao mesmo tempo em que as dívidas das aéreas tiveram que ser renegociadas no pós-pandemia, o que elevou o nível de endividamento das empresas.
A companhia afirma ainda que a Azul rescindiu um contrato que lhe dava vantagens competitivas aos preços das passagens. Fora isso, alega que sofreu com a alta taxa de juros sobre as suas dívidas.
"Não é surpresa uma empresa da área de turismo, que foi uma das mais afetadas durante a pandemia, peça recuperação judicial", diz o advogado Filipe Denki, da Lara Martins Advogados, especialista em recuperação judicial. "Toda a cadeia sofreu muito nos últimos anos e agora a crise emerge."
As turbulências na 123milhas tiveram início no último dia 18, quando a empresa anunciou o fim das passagens e pacotes promocionais.
Fundada em 2016 em Belo Horizonte pelos irmãos Ramiro Julio Soares Madureira e Augusto Julio Soares Madureira, a 123milhas também é dona da Maxmilhas, adquirida em janeiro deste ano.
A operação cresceu tão rápido que, em 2021, a empresa se tornou o maior anunciante do país, com aporte de R$ 2,37 bilhões na compra de espaço publicitário.
O montante dava direito a globais e astros sertanejos como garotos-propaganda e presença garantida nos "fingers" (corredores que ligam o salão de embarque ao avião) de aeroportos em todo o país.
No ano passado, de acordo com o ranking Agências & Anunciantes, anuário publicado pelo jornal Meio & Mensagem, a 123milhas foi o segundo maior anunciante, com investimentos de R$ 1,28 bilhão.
Segundo uma fonte do setor de turismo, que prefere manter o anonimato, o erro da 123milhas foi seguir os passos do Hurb, antigo hotel urbano, e dar início, durante a pandemia, à venda de passagens e pacotes "flexíveis" (sem data definida e, por isso, mais baratos).
Conforme já apontado pela Folha, especialistas consideram este modelo de negócio de altíssimo risco, uma vez que não é possível prever os preços das passagens.
Em todo o mundo, as companhias aéreas só podem emitir bilhetes dentro de um prazo máximo de 320 dias, por considerarem que diferentes fatores são capazes de impactar o preço dos bilhetes: o câmbio, o preço dos combustíveis, os tributos, a situação macroeconômica local ou global.
RECORDE DE RECLAMAÇÕES
A empresa bateu o recorde de reclamações no site Reclame Aqui. Até o último domingo (27), foram 42.246 queixas ?mais do que a empresa observou em todo o ano de 2021 (36.085).
O pico de queixas contra a 123milhas ocorreu em 19 de agosto, um dia depois do anúncio de suspensão das vendas, quando a empresa registrou 3.415 reclamações no site. Até então, a 123milhas estava muito bem avaliada junto ao Reclame Aqui, com alto índice de respostas e resolução de problemas. Agora, a reputação da empresa aparece "sob análise" no site.
Já no ano passado, a 123milhas viu o montante de clientes descontentes com o serviço mais do que dobrar, de 36.085 para 75.867. Entre as queixas mais comuns ao longo do ano passado e deste ano estão "estorno do valor pago" e "propaganda enganosa".O site Reclame Aqui também observou um pico de reclamações contra a HotMilhas, a primeira empresa dos irmãos Soares Madureira no negócio de turismo, fundada antes da 123milhas.
De acordo com o site, no acumulado de 1º de janeiro a 27 de agosto deste ano, foram 2.038 queixas contra a HotMilhas, que já superam as 1.878 registradas no ano passado. As reclamações mais comuns são "não recebimento do pagamento" e "problemas na utilização de pontos e milhas".