Pisos maiores de Saúde e Educação só devem valer a partir de 2024, diz área técnica do TCU
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Os valores maiores de aplicação mínima de recursos em Saúde e Educação só devem valer a partir de 2024, avalia a área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) em relatório elaborado em resposta à consulta do Ministério da Fazenda sobre o tema.
Segundo o parecer, "a aplicação imediata ou retroativa de uma nova regra sobre mínimo constitucional, considerando as peculiaridades desse tipo de despesa, poderá exigir um esforço desproporcional do governo federal, inclusive com impacto nas demais políticas sociais".
"Ademais, em um cenário de forte restrição fiscal, [o gasto extra] poderá exigir maior endividamento público, com vistas a financiar essas despesas não planejadas [...]. Portanto, com base também no princípio da segurança jurídica, é admissível concluir que é possível a não aplicação de regra sobre mínimos constitucionais no mesmo exercício financeiro de vigência da norma", acrescenta o documento.
A análise técnica ainda será apreciada pelo relator da consulta, ministro Augusto Nardes. A decisão final dependerá da votação do tema no plenário da corte de contas.
A medida vai ao encontro da tese defendida pelo Ministério da Fazenda, que enviou a consulta na tentativa de pôr fim à insegurança que cerca a execução dos mínimos em 2023 e afastar de vez o risco de precisar remanejar R$ 20 bilhões para a Saúde na reta final do ano, sob o risco de um apagão nos demais ministérios.
Na prática, a posição dos auditores permite ao governo executar apenas os cerca de R$ 168 bilhões já reservados para ações e serviços públicos de saúde, sem precisar injetar dinheiro extra.
Outra ala do governo, porém, defende uma saída alternativa, via sanção do dispositivo aprovado pelo Congresso Nacional e que busca uma espécie de meio-termo para o problema.
Um artigo incluído pelo líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR), flexibiliza o cálculo do mínimo da Saúde em 2023, mas ainda assim garante um adicional de R$ 4,8 bilhões para a área neste ano. Essa opção tem o apoio da ministra da Saúde, Nísia Trindade.
O projeto de lei complementar com esse dispositivo está em fase de sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo relatos de membros do governo, grande parte do Executivo defende a sanção do artigo. Ainda que haja contrariedade da Fazenda, a avaliação é de que "não há espaço político para veto". A palavra final será de Lula.
O impasse existe porque os mínimos constitucionais de Saúde e Educação vinculados à arrecadação voltaram a vigorar após a sanção do novo arcabouço fiscal, em 30 de agosto. O ato significou também a revogação do teto de gastos, que exigia uma aplicação mínima em Saúde e Educação menor do que as regras previstas agora.
A aplicação integral dos pisos neste ano pode exigir a injeção de até R$ 20 bilhões adicionais apenas na Saúde, segundo informação do secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos. Na Educação, as simulações não indicam necessidade de incremento.
O tamanho do buraco na Saúde equivale à diferença entre os cerca de R$ 168 bilhões reservados atualmente no Orçamento e o valor na casa dos R$ 189 bilhões que precisaria ser aplicado para alcançar os 15% da RCL (Receita Corrente Líquida) atualizada para o ano, como manda a Constituição Federal.
Na consulta, a Fazenda alegou que forçar a necessidade de cumprir o mínimo constitucional já em 2023 poderia levar a uma "utilização improvisada" de recursos públicos, dada a necessidade de gastar até R$ 20 bilhões num espaço de apenas três meses, sem o devido planejamento.
No parecer, a área técnica diz que a produção de novas normas orçamentárias não possui por si só o condão de alterar o Orçamento em vigor, nem o de torná-lo inconstitucional, uma vez que é preciso respeitar princípios de segurança jurídica e razoabilidade.
"Ao contrário, a lei orçamentária anual aprovada mantém sua presunção de constitucionalidade e produzindo todos os efeitos materiais para os quais foi elaborada", diz o documento.
"Exigir a aplicação ao exercício inteiro, desde seu início, de uma nova regra afeta a mínimos constitucionais que passa a viger no decorrer da execução do orçamento, constitui forma de retroatividade que carece de razoabilidade, especialmente quando se trata de matéria orçamentária cuja execução se concretiza progressivamente, no dia a dia do exercício financeiro, subordinados aos pressupostos da programação orçamentária e do cronograma mensal de desembolso, em conformidade com as normas de finanças públicas que regem a execução orçamentária e financeira", afirma o parecer.
Para a área técnica do TCU, a suspensão dos mínimos menores que vigoraram sob o teto de gastos "não é aplicável ao próprio exercício de 2023, mas apenas aos exercícios financeiros subsequentes, cujos respectivos ciclos orçamentários podem ser plenamente informados pela referida alteração".
Em outro trecho, os auditores avaliam que a não observância dos mínimos constitucionais em 2023 não constituiria ato de improbidade administrativa ou crime contra as finanças públicas.