Contingenciamento menor convenceu Lula a manter meta de 2024

Por JULIA CHAIB E IDIANA TOMAZELLI

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A solução jurídica costurada pelo Ministério da Fazenda para limitar o tamanho do contingenciamento de despesas em 2024 é apontada por ministros da ala política como um fator decisivo para convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e outros membros do governo a manter a meta fiscal de déficit zero para o ano que vem.

A avaliação é que a expectativa de um freio menor sobre os gastos contribuiu para diluir a percepção negativa de que a manutenção desse compromisso levaria à compressão dos investimentos públicos em caso de frustração de receitas.

Em entrevista nesta sexta-feira (17), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que, na visão da pasta, o contingenciamento só poderá chegar a R$ 22 bilhões ou R$ 23 bilhões.

O cálculo parte da interpretação conjunta de duas regras: a que trava o contingenciamento em até 25% das despesas discricionárias (que incluem custeio e investimentos e podem ser alvo de bloqueio) e a que disciplina a expansão real do limite de despesas, com variação entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação.

Enquanto a primeira regra poderia sugerir um contingenciamento de até R$ 53 bilhões, que assustou a ala política, a interpretação da Fazenda para a segunda regra limita o risco a menos da metade do valor inicial. Segundo Haddad, em qualquer situação, a necessidade de contingenciar recursos não pode se sobrepor à garantia de expansão mínima de 0,6% acima da inflação.

Como antecipou a Folha de S.Paulo, o entendimento da Fazenda parte de um esforço do governo para criar um argumento jurídico para limitar a trava sobre os gastos de 2024 e estancar a pressão por uma mudança na meta. A medida tem sido vista por técnicos como manobra, rótulo rejeitado por aliados do ministro.

Segundo interlocutores, já há um parecer da área jurídica do Ministério da Fazenda, emitido após uma consulta formal feita pela pasta. O próximo passo é alinhar essa posição com a AGU (Advocacia-Geral da União).

Membros da equipe econômica defendem esse entendimento sob o argumento de que ele preserva o espírito do novo arcabouço fiscal de assegurar uma política anticíclica, capaz de estimular a economia em períodos de desaceleração, por exemplo.

Se a frustração de receitas levar à necessidade de contingenciamento, que isso seja feito até certo ponto, sem obrigar o governo a impor um freio tão grande que reforce o ciclo de baixa da atividade econômica, argumentam esses interlocutores.

Segundo relatos, o governo inclusive tem buscado registros dos debates travados no Congresso Nacional durante a tramitação do novo arcabouço fiscal para subsidiar os pareceres jurídicos sobre o tema. A avaliação é que o próprio espírito do legislador era preservar esses gastos.

A questão é controversa. Após a discussão jurídica ficar pública, agentes do mercado financeiro criticaram a estratégia do governo. Em relatório a clientes, a XP Investimentos disse que a interpretação "enfraquece a credibilidade do arcabouço fiscal".

Felipe Salto, sócio e economista-chefe da Warren Rena, faz alerta de que limitar o contingenciamento a um valor reduzido pode, na prática, significar um déficit primário ainda maior em 2024, com consequências sobre o endividamento do país.

"Ocorre que todos incorporariam nas estimativas uma despesa sistematicamente maior, motivada pela própria limitação ao corte de discricionárias", diz.

Hoje, o mercado já tem uma expectativa mais pessimista do que o governo para o desempenho das contas públicas em 2024. Enquanto Haddad promete um déficit zero, os agentes projetam um rombo equivalente a 0,8% do PIB (Produto Interno Bruto), muito além do 0,25% negativo tolerado pela nova regra do arcabouço, que prevê uma margem para cima ou para baixo.

Isso significa que a limitação do contingenciamento pode reforçar o descumprimento da meta fiscal no ano que vem --o que acionaria gatilhos de contenção de despesa em 2025 e forçaria uma redução no ritmo de expansão de gastos em 2026, ano eleitoral.

O debate sobre o entendimento jurídico do governo tem sido travado pelos ministérios da Fazenda, do Planejamento, pela Casa Civil e pela AGU.

A maior preocupação de Lula com relação à meta, externada mais de uma vez, era com a previsão de cortes em investimentos, sobretudo em obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

"Deixa eu dizer para vocês uma coisa. Tudo o que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal, a gente vai cumprir. O que eu posso te dizer é que ela não precisa ser zero. A gente não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias nesse país", afirmou Lula no último dia 27, em café da manhã com jornalistas.